Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846): Europeu da Luso-Brasilidade
Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo | 30/07/2013 | SociedadeSilvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846): Europeu da Luso-Brasilidade
Sumário: 1. Introdução; 2. Contextualização; 3. Vida; 5 Obra Literária Silvestrina; 6. Resumo Conclusivo; Bibliografia.
“A Lei do justo he a base de toda a moral e de toda a política” ([1])
1. Introdução
Há quase de 180 anos, em França, a frase acima citada era escrita por um ilustre Luso-Brasileiro, estadista, publicista e filósofo, considerado como sendo: “ um espírito rasgadamente liberal e um carácter integérrimo” ([2]) Muitas outras referências elogiosas, talvez mais de uma centena, são feitas, em várias publicações, aos mais elevados níveis do Direito, da Filosofia, da Cultura, da Política, colocando-se ao estudioso, menos preparado, dificuldades graves na opção que fizer, quando pretende coleccionar as distintas apreciações a tão insigne personalidade, porquanto a autoridade intelectual de quem as produz não pode ser minimizada sem prejuízo de se incorrer em inaceitável injustiça.
Ainda assim, necessário se torna divulgar outras opiniões e conceitos e, nesse sentido, uma outra passagem, sobre o distinto professor e diplomata se afigura pertinente. Trata-se do Elogio Histórico do sócio efectivo, Conselheiro José António Lisboa, em sessão solene do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Antes, porém, e na abertura de tal cerimónia, o orador Manuel de Araújo Porto Alegre, afirmava: “...o mestre dos diplomatas do mundo, o sábio Silvestre Pinheiro Ferreira, já não pertence ao catálogo das glórias vivas da nação portuguesa (...) idealista incansável, que depois de haver viajado no mundo das mais altas abstracções desceu a estudar a humanidade...” E, mais à frente, o seu amigo, José António Lisboa, na alocução póstuma, tece-lhe rasgados elogios: “É sempre com o mais doloroso sentimento e pungente dor que o Instituto Histórico e Geográfico do Brazil se vê privado de um dos seu membros, cujas eminentes luzes e sólidas virtudes faziam o seu ornamento e concorriam para a sua glória e esplendor. Os homens dotados de um génio superior e transcendente, pagando à natureza o indispensável tributo, deixam sempre um vácuo, muitas vezes difícil de preencher, e de que a humanidade se ressente por longo tempo. É por isso que a memória do nosso sócio o muito ilustre e respeitável conselheiro Silvestre Pinheiro Ferreira será sempre saudosa, e que o Instituto Histórico e Geográfico do Brazil lhe dedica na ordem dos seus trabalhos uma página distincta, de que ele tão eminentemente se fez merecedor.” ([3])
É a partir do exemplo deste luso-brasileiro, que se escrevem estas reflexões, sempre acompanhadas das indispensáveis e oportunas citações a seu respeito, não tanto para escalpelizar a sua vida e obra, mas para que, de facto e a partir da sua postura de cidadão e defensor da Justiça, se interiorizem os valores por ele defendidos como: segurança, liberdade e fruição da propriedade privada que a cada um pertence.
Filosofia, Educação, Religião e Política, estarão assim “condenadas a conviver”, interconvivendo em discreta cumplicidade, visando, nesta perspectiva, um espaço ecuménico de respeito recíproco entre os homens, com observância, afinal, por aquilo que, no passado, como no presente e desejamos no futuro, sempre preocupou os pensadores mais moderados: Respeito pela Pessoa Humana porque, sejam quais forem as situações em que o Homem se encontre, valores há que não devem ser ignorados, desde logo a partir de uma noção do que é justo ou não, aliás, atitudes e medidas humilhantes para com a dignidade humana, não são hoje, facilmente, aceitáveis nem compreendidas e, conforme diz Drauzio Varela: “Neste livro procuro mostrar que a perda de liberdades e a restrição do espaço físico não conduzem à barbárie, ao contrário do que muitos pensam. Em cativeiro, os homens como os demais primatas (...) criam novas regras de comportamento com o objectivo de preservar a integridade do grupo.” ([4])
2. Contextualização
Das leituras sobre a vida e obra de Silvestre Pinheiro, constata-se que, reconhecendo, embora, com alguma reserva, que este autor não tenha sido absolutamente original em todas as áreas que estudou, o seu contributo nos domínios do psicologismo e sensismo do seu pensamento, bem como uma inequívoca preocupação pedagógica e uma nítida simpatia pelo desenvolvimento ecléctico do seu sistema de ideias, não abdicou, contudo de: por um lado se enquadrar, temporariamente, a perspectiva empirista do século XVIII; por outro lado, soube evitar quaisquer atitudes e preocupações polémicas anti-escolásticas ou anti-modernas, apoiando-se sempre na sua independência filosófica e num contacto permanente com a positividade das ciências, sem que isso tenha prejudicado a sua postura crítica sobre o modo como o empirismo do último quartel do século XVIII foi incorporado no pensamento português, com as nefastas consequências de identificação da Filosofia com a ciência e redução da lógica à teoria do conhecimento. Esta situação estimulou Pinheiro Ferreira a construir um sistema filosófico que combatesse a incoerência dos empiristas que o precederam.
A sua obra filosófica teve influências no pensamento brasileiro, imediatamente a seguir à independência deste País, e, pese embora a sua ânsia de coerência, não pôde evitar as dificuldades na resolução do problema da liberdade, conduzindo a geração posterior à meditação e à busca de um ideal liberal, moderado e conciliador, a que aderiram fervorosos defensores, que, aceitando, rapidamente, tais valores e princípios, os integrariam nas instituições régias brasileiras.
Politicamente, parece importante nesta breve e imperfeita reflexão, referir alguns aspectos muito interessantes e reveladores da personalidade deste diplomata, principalmente, durante a sua estada no Brasil, porque a comemoração dos Quinhentos anos do estabelecimento de relações entre Portugal e o Brasil e a década que assinala a prática da educação para os Direitos Humanos, iniciada em 1998 e que se prolongará até 2008, justificam sem quaisquer preconceitos que todos se solidarizem com as grandes figuras da Lusofonia, das quais, obviamente, aqui se destaca Silvestre Pinheiro Ferreira, que, efectivamente, no Brasil, é muito apreciado pelos mais ilustres investigadores. Por ser revelador dos seus sentimentos, em aspectos de maior recolhimento do soberano, D. João VI, se manifesta a perspicácia deste político conforme se pode inferir da seguinte passagem: “Conta Debret que levada a S. Cristóvão a falsa notícia de opor-se a assembleia dos eleitores, reunida na praça do comércio em Abril de 1821, à partida do Rei para Lisboa, e de ter deliberado apoderar-se da sua pessoa, foi D. João acometido de terror pânico do qual resultou, por excesso de zelo dos que o cercavam reacção escusada e sanguinolenta. Silvestre Pinheiro Ferreira que foi então procurá-lo, por ser seu ministro, refere tê-lo encontrado já extremamente comovido. “ ([5])
Situações e factos desta natureza são frequentes ao longo da vida de Silvestre Ferreira e que são bem reveladores da sua estrutura moral, do seu carácter leal e sensível e a sua grande paixão pelo Brasil ao ponto de, numa primeira apreciação, ter-se preocupado profundamente com o futuro deste país, justamente aquando do regresso do Rei a Portugal, tendo, então, feito, segundo citação de José Honório Rodrigues, as afirmações seguintes: “Impor com firmeza e resolução aos da Rua da Quitarida, que pelo seu génio turbulento, pelo seu pequeno número, pelos seus poucos cabedais, e até pela posição de mercadores, rudes e ignorantes, nas matérias de administração, não devem ter voz, nem são homens com quem se entenda ou trate de negócio político”. ([6]) Para, mais à frente e ainda segundo o mesmo autor: “Silvestre Pinheiro Ferreira escrevia que apenas El-Rei deixasse o país outra coisa não se poderia esperar senão desastres sobre desastres, partidos, guerras civis, guerras implacáveis entre diferentes castas, e enfim a total exterminação da raça branca pelas outras, incomparavelmente mais numerosos, de pretos e pardos, e o abandono das cidades e engenhos, voltando este formosíssimo país à bárbara condição das castas da África.” ([7])
Silvestre Pinheiro Ferreira é uma personalidade atenta à sua época, que interpreta a realidade de acordo com uma apreciação presencial e distendida no espaço e no tempo, naturalmente que afectada de alguma subjectividade e emoção, considerando que o período envolvente à Independência do Brasil, antes e depois, não foi o mais pacífico, eventualmente por divergências entre a solução defendida pelos absolutistas liberais portugueses e a vontade dos Brasileiros em continuarem a ter D. João VI no Brasil e aqui se manter o Poder Central de um futuro Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
É possível que a análise efectuada por Pinheiro Ferreira sobre a situação e/ou estrutura social no Brasil, no primeiro quartel do Século XIX, não seja assim tão descabida, porque, outros autores reconheceram, muito mais recentemente, a existência de problemas de natureza separatista, ocorridos ainda antes da Independência, como de resto acontecia um pouco por toda a Europa, excluindo-se Portugal, cuja independência e soberania datam do século XII. De entre outros motivos, indica-se o factor dinástico que, contrariamente, no Brasil, constituiu uma razão de cariz unificador. Quando D. João VI decretou, no Rio Janeiro, o “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves”, estava a dar corpo a uma unidade nacional, cuja estabilidade, residia, apenas, no vínculo de lealdade à coroa que simboliza a dinastia. Ainda assim, não se evitaram os movimentos separatistas durante o império, quantas vezes disfarçados de comportamentos reivindicativos federalistas.
Um acutilante artigo de Wladimir Araújo, sobre separatismo, refere que é neste contexto que surge uma “Proposta de divisão do Império em cinco Estados Independentes e Federados, assim distribuídos: 1 – Pará e Maranhão; 2 – Pernambuco; 3 – Bahía; 4 – São Paulo; 5 – Rio de Janeiro e Minas Gerais. As demais províncias do Império seriam agregadas aos cinco.” ([8])
Esta proposta foi dirigida a D. Pedro II em carta oriunda de Paris e datada de 28 de Janeiro de 1841 e o seu autor foi Silvestre Pinheiro Ferreira, que desta forma, manifesta, uma vez mais, a sua inequívoca preocupação pelo desenvolvimento, bem-estar e dignidade do povo brasileiro. É, pois, necessário contextualizar as suas atitudes e alegadas afirmações para se compreender o alcance dos seus projectos, porque o sentido de justiça, estará sempre presente no seu espírito. Como se verá mais à frente, Pinheiro Ferreira, no âmbito da sua Filosofia moral, manifesta uma acentuada vertente utilitarista, na medida em que a justiça, ou injustiça, de uma acção depende da sua participação para o aperfeiçoamento da espécie humana a que se alia, no domínio da Filosofia Política, a separação entre direito e moral, finalizando o seu pensamento, quanto à origem da sociedade, com uma posição contratualista, embora defensor de uma monarquia representativa, regulada por um conjunto de leis essenciais à protecção do cidadão, em relação ao qual lhe define os direitos mas também os deveres.
Consta das crónicas e referências a Silvestre Pinheiro Ferreira que ele: “Em 1814 aconselha o Rei (D. João VI) a estabelecer o regime parlamentar. Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (1821-1824) regressa à Europa com ele (D. João VI) e pede a sua demissão logo que se instala o absolutismo e dirige-se, então, para Paris onde permanece até 1843, regressando depois ao seu país“ ([9])
Existe a convicção de que o povo brasileiro não esquecerá facilmente este ilustre luso-brasileiro, porque cada vez mais se vem provando, a partir dos círculos da intelectualidade filosófica, política e social no Brasil, bem como em Portugal, que Pinheiro Ferreira não foi um cidadão qualquer e quando no exercício de altos cargos políticos soube, igualmente, honrar aqueles que nele depositaram confiança aos quais serviu com grande lealdade. A este propósito, não se pode deixar em branco, mais uma referência: “Foi o último Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, tendo-lhe cabido firmar o nosso domínio na Cisplatina e o primeiro ato de reconhecimento da independência da Argentina e do Chile. Em 1821, com o movimento armado que institui a monarquia constitucional em Portugal, foi nomeado director da Imprensa Régia, depois Ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros.” ([10])
3. Vida
Técnica e tradicionalmente, inicia-se a descrição da vida de uma pessoa com o local e data do nascimento. Para a personalidade em apreço, parece mais adequado, apresentar o autor, a partir de uma breve citação sobre o mesmo: “Silvestre Pinheiro Ferreira, um cosmopolita entre os autores portugueses do século XIX oferece o carácter de uma personalidade europeia, mas, numa situação equivalente desta nossa época, capaz de fazer a crítica da Europa. Representante do melhor liberalismo europeu, Silvestre Pinheiro Ferreira tem uma ampla actualidade como teorizador das Ciências e da Política, e como pensador dos Direitos do Homem.” ([11])
Trata-se de uma, entre variadíssimas, apresentações deste luso-brasileiro, nascido em Lisboa a 31 de Dezembro de 1769, notabilíssimo jurisconsulto, político, diplomata, polígrafo e professor de Filosofia Racional e Moral. A sua multifacetada personalidade e a polivalência de conhecimentos, permitiu-lhe desempenhar os mais variados cargos aos mais altos níveis da administração pública portuguesa. Descendente de uma família da classe média, era filho de Jacob Pinheiro e de Joana Felícia, fabricantes de seda na manufactura do Rato, em Lisboa, numa época de alguma prosperidade do seu funcionamento. Estaria destinado, pela família, para a carreira eclesiástica e em 15 de Outubro de 1784 seria admitido na Congregação do Oratório onde viria a concluir o curso de Humanidades com elevada classificação. Uma dissertação sobre as forças vivas em que rejeitara as teorias do padre Teodoro de Almeida, estará na base de um ambiente que lhe seria hostil no seio dos Oratorianos, abandonando a Congregação em 1791, data em que iniciou uma actividade docente como professor de Filosofia, para, em 1794, depois de se submeter a concurso, passar a professor substituto de Filosofia Racional e Moral do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.
Nesta actividade e não abdicando das suas próprias convicções e conhecimentos, não aceitou leccionar pelo compêndio de Genovense introduzindo no ensino as concepções mais destacadas da época com relevo para Locke e Condillac numa tentativa de conciliação com o intelectualismo de Aristóteles, de quem, aliás, chegou a traduzir do latim, as “Categorias ”. Foi, então, considerado muito próximo dos ideais da Revolução Francesa e, imediatamente apelidado de jacobino, o que lhe valeu, em 1797, a fuga para o exílio, precisamente: “Quando foi denunciado como jacobino e conspirador, tendo então que fugir e se refugiar em Paris, 1797, de onde enviou uma exposição ao governo português que o eximiu de culpa e o nomeou Secretário da Embaixada na Holanda.” ([12])
Regressou, posteriormente, a Portugal onde desempenharia funções de oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros para, decorrido pouco tempo, ser enviado para Berlim na qualidade de Encarregado de Negócios, tendo permanecido na Alemanha durante sete anos.
Aquando da sua fuga, esta teria sido precedida de algumas cenas deprimentes, porque a sua residência em Coimbra foi invadida pela polícia que procedeu a buscas, apreensão de papeis diversos e até os amigos de Pinheiro Ferreira foram presos, enquanto ele se encontrava em Lisboa e, portanto, ausente de sua própria casa. Avisado do que se estaria a passar em Coimbra, imediatamente se deslocou para Setúbal. “O receio de novas perseguições, levou-o a esconder-se num navio holandês, no intuito de se refugiar em França. O navio, porém, arribou a Dover, e as autoridades inglesas, que proibiram a saída de passageiros para os portos franceses, forçaram Pinheiro Ferreira a seguir para Londres, onde encontrou patriotas, entre eles Correia da Serra, que lhe deram os meios necessários para a viagem à Holanda, de onde seguiu para França.” ([13])
Na Holanda, foi acolhido por António de Araújo, então Ministro de Portugal em Haia, de quem recebeu acolhimento e compreensão, tendo então sido decidida a sua protecção de que resultaria uma atitude de tolerância por parte do governo português, pela sua evasão do país e, no seguimento destas atitudes, seria nomeado para funções diplomáticas na Embaixada de Portugal em Paris, como secretário interino para, finalmente, voltar à Holanda em 1798, já como secretário da legação na Holanda, na companhia de António de Araújo.
Silvestre Ferreira e o seu protector António de Araújo, percorreram, em viagem de instrução o norte da Alemanha, regressando a Lisboa com este, em 1802, sendo nesta altura nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros, depois promovido a Encarregado de Negócios na Corte de Berlim, “onde prestou ao país os serviços que as circunstâncias requeriam, procurando então, como sempre, aprofundar os seus conhecimentos e dando-se especialmente ao estudo das ciências naturais.” ([14])
É sabido que na Alemanha e nos seus períodos livres se dedicou ao estudo da Mineralogia com os Professores Karsten e Wemer, empenhou-se também na Química e frequentou a Sociedade dos Investigadores da Natureza da qual faziam parte os mais ilustres e destacados escritores de Berlim. Nesta fase da sua vida, foi encarregado de organizar uma Companhia de Espingardeiros alemães ([15]), cuja fábrica seria estabelecida em Portugal, como medida de defesa contra as intenções de Napoleão Bonaparte invadir a Península Ibérica, o que aliás se verificaria em 1807 com a primeira Invasão Francesa, chefiada por Junot a 27 de Novembro de 1807. Entretanto a Família Real e toda a Corte Portuguesa, apoiadas por milhares de funcionários partiram para o Brasil, com o objectivo de salvaguardar a independência nacional e a Coroa Portuguesa que, por este processo, estabelece a capital do Reino, no Rio de Janeiro.
Silvestre Pinheiro Ferreira, casou na Alemanha com uma senhora protestante mas que, para poder desposar o nosso autor, converteu-se, primeiramente ao catolicismo, celebrando depois o casamento católico. Justina Dorothea Leidholdt, era então divorciada do seu primeiro marido luterano, e, ainda vivo, à data do casamento com Pinheiro Ferreira. As intrigas e a ignorância, “Por ter casado com uma luterana divorciada foi Pinheiro Ferreira acusado à Inquisição de Lisboa por um criado. (...) A Inquisição não deu seguimento (...) porque a esposa de Pinheiro Ferreira era afinal católica romana e quando casou com o diplomata português já estava separada legalmente do primeiro marido.” ([16]) Deste casamento nasceu uma filha: Joana Carlota Leidholdt Pinheiro Ferreira, havendo notícia de outras duas filhas que teriam morrido na Alemanha, antes da partida para o Brasil.
Existem algumas diferenças mínimas relativamente à ida de Silvestre Pinheiro Ferreira para o Brasil, todavia a data mais consensual parece ser a de 1809, cujo critério e prova assenta no facto de ter feito um requerimento ao Rei D. João VI, em 2 de Setembro de 1820, solicitando que o ordenado proveniente do seu cargo de deputado da Junta do Comércio, fosse convertido em pensão vitalícia para sua esposa, sendo que em tal requerimento, evocava os 11 anos que pela primeira vez beijou a mão ao rei, na Corte do Brasil, logo a sua chegada ao Rio de Janeiro teria ocorrido em 2 de Setembro de 1809, todavia não parecerá muito significativo este pormenor, atendendo a que ele permanecera no Brasil por cerca de doze anos.
A sua notoriedade, principalmente pela ilustração de que dera constantes provas, também aqui e principalmente na Corte lhe trouxe frequentes complicações, dificuldades de vária ordem e que, em todo o caso, sempre veio superando porque, acima de tudo, a sua profunda lealdade e quase adoração pelo Rei, valeram-lhe a compreensão e o apoio do Monarca, mas é significativa a seguinte descrição de Maria Luiza Coelho: “Os doze anos que viveu no Brasil foram cheios de desgostos, tanto na sua vida de homem público como na própria vida particular. Vítima de intrigas na Corte, nem sempre a amizade que lhe dedicava D. João VI foi superior à vontade de seus ministros. A doença e as dificuldades de ordem financeira foram causa de sérias preocupações.” ([17])
Estabeleceu-se que em 1810 a população do Rio de Janeiro seria de cem mil habitantes e a residência da família Real situava-se em S. Cristóvão, para Norte da cidade, enquanto para Sul se prolongaram residências até Botafogo. O acesso à cidade fazia-se por carruagens e também pelos rios. Para a residência régia, utilizava-se, ainda, o Canal do Mangue. Silvestre Pinheiro Ferreira morava numa zona denominada Catete, onde, aliás, residiam o embaixador da Dinamarca, e o embaixador da Prússia, mantendo com todos os seus vizinhos boas relações, aliás, o seu relacionamento com outros diplomatas era muito bom.
Silvestre Ferreira era então funcionário do Ministério dos Negócios estrangeiros, mas teria alguma dificuldade em se relacionar com os responsáveis pela administração da Repartição, sentindo-se perseguido desde a sua chegada ao Rio de Janeiro, mesmo depois de ter sido nomeado para a direcção da Imprensa Régia, da Junta do Comércio bem como Secretário de Estado Honorário, pelo futuro Rei D. João VI, então príncipe regente. A propósito da sua nomeação para a Imprensa Régia, existe uma referência a tal facto: “Para administrar a Imprensa Régia em 1808 foram escolhidos o desembargador José Bernardes de Castro, José da Silva Lisboa (depois Visconde de Cayrú) Mariano José Pereira da Fonseca (posteriormente Marquez de Maricá) Silvestre Pinheiro Ferreira, Manuel Ferreira de Araújo Guimarães e o cónego Francisco Vieira Goulart.” ([18])
Ao longo da sua permanência no Brasil, verifica-se que D. João Vi sempre foi o seu grande protector e só assim se justifica que Silvestre Pinheiro Ferreira tenha exercido os mais elevados cargos no aparelho régio. De resto, tão elevada estima e consideração que o rei tinha por ele, é retribuída com toda a lealdade, espírito de servir e humildade, para além de uma atitude de profunda admiração, respeito e defesa intransigente para com tudo o que se referia ao soberano que, em todas as circunstâncias, mesmo nos piores momentos, Pinheiro Ferreira sempre demonstrou e isso prova-se pelas muitas referências que lhe são feitas e desde logo pela carta que ele escreveu em 2 de Janeiro de 1813, transcrita por Maria Luísa Coelho e cujas passagens mais importantes são aqui reproduzidas: “Creia meu bom amigo que o meu silêncio não tem deixado de ter motivos. Não hé o menor deles a fatal perseguição com que me tem inquietado desde que aqui cheguei; tido quanto tem ou tem tido o título de secretário de estado sem que o respeito que eu professo a tão altos lugares me haja servido de escudo...” e, mais à frente, na mesma carta: “Não sabendo já por onde me inquietar, e sabendo que eu antes passaria pelos últimos extremos, do que encarregar-me de uma comissão indecorosa ao nome augusto do nosso Soberano, junto ao Governo de Buenos Aires, fizeram com que S. A. me nomeasse para ele. Fiz observações decentes na matéria e na forma. Respondeu-se-me com altivez e desacordo. Repliquei com reverente escusa.” ([19])
É, justamente, em 1813 que no antigo Seminário de S. Joaquim, elabora e põe em execução um curso para ensinar a teoria do discurso e da linguagem, a estética, a Diceósina e a Cosmologia. O curso estava estruturado em 30 fascículos e a matéria neles constante apresenta novas problematizações trazidas da Europa pelo seu autor, o que constitui um forte estímulo para alguma juventude que participou nas aulas, ouvindo o filósofo com muito proveito. Este curso intitulado “Prelecções Filosóficas”, inicia-se, precisamente, com um princípio que, certamente, hoje, ainda se continua a apreciar: “Todo o homem, qualquer que seja o seu estado e profissão, precisa de saber discorrer com acerto e falar com correcção.” ([20])
A partir de 1814, Pinheiro Ferreira, terá uma vida política mais activa e as suas intervenções revelam, afinal, toda a sua riqueza intelectual que veio interiorizando desde os contactos que teve com a cultura europeia na transição do séc. XVIII para o séc. XIX, numa Europa repleta de acontecimentos políticos, de debates culturais, enfim, de uma vivência cosmopolita.
É neste novo contexto que o Príncipe Regente lhe ordena para elaborar um estudo sobre o estado sócio-político do Brasil e a conveniência, ou não, do regresso da Corte a Portugal. Este trabalho foi realizado pelo jurisconsulto, nos anos de 1814 e 1815, cujo documento seria intitulado: “ Memórias Políticas sobre os Abusos Gerais e Modo de os Reformar e Prevenir a Revolução Popular, redigidas por ordem do Príncipe Regente no Rio de Janeiro em 1814 e 1815”
Na carta de aceitação de tal incumbência, redigida em 22 de Abril de 1814, Silvestre Pinheiro Ferreira, dirigindo-se ao Príncipe Regente, começa por elaborar a proposta sobre o regresso da Corte para Portugal, afirmando, a dado passo, que apesar de não se saber em qual dos domínios a Coroa deve fixar a sua residência, é igualmente importante conter os males que assolam a Europa e também os estados espalhados pelo mundo, com a agravante de os súbditos residentes na metrópole se revoltarem quando pressentirem que Portugal ficaria reduzido a uma colónia, caso a Corte não regressasse, e, antes de apresentar o seu parecer com as medidas que entende dever serem tomadas, afirma: “Em tempos ordinários, senhor, bastam providências ordinárias; mas nas extraordinárias, ou sobremaneira críticas circunstâncias, em que se acha Portugal, a Europa, o mundo inteiro, são precisas grandes e extraordinárias providências, para assegurar a integridade da monarquia, sustentar a dignidade do trono, e manter o sossego e a felicidade dos povos.” ([21])
Pinheiro Ferreira, elabora um vasto conjunto de documentos onde propõe as medidas que considera necessárias, desde logo uma lei pela qual a Rainha conceda plenos poderes para o Príncipe Regente continuar a exercer a regência do Império do Brasil e domínios de Ásia e África; que, por sua vez, D. João VI, delegue no Príncipe da Beira a regência de Portugal e das Ilhas dos Açores e da Madeira; que após a morte da Rainha, D. João VI adopte o título de Imperador do Brasil e Soberano de Portugal e o Príncipe da Beira assumirá o título de rei de Portugal e herdeiro da Coroa do Brasil.
Esta solução, que Pinheiro Ferreira apresenta, tem subjacente o princípio de um imperador, duas coroas para outros tantos Reinos, sem que isto signifique qualquer obstáculo à independência do Brasil e, muito menos ainda, pudesse denegrir uma determinada política, bem como, em quaisquer circunstâncias de força contra os interesses do povo brasileiro, no entanto parece inequívoco que qualquer modificação da política portuguesa, deve partir da iniciativa da Coroa, evitando-se, assim, a adopção de reformas por processos revolucionários, de resto, nas suas Cartas Sobre a Revolução do Brasil, ele defende que as instituições monárquicas se devem modernizar até para evitar os risos dos governos democráticos e, conforme nos ensina Vicente Barreto: “Até 1821, Silvestre Pinheiro Ferreira reflectiu, em sua participação política e intelectual, a influência do absolutismo esclarecido do Marquês de Pombal. Fiel servidor da monarquia, compreendia ao mesmo tempo, a importância das novas contribuições da era da racionalidade e o aperfeiçoamento das instituições políticas e sociais. Entre essas contribuições realçava o sistema representativo.” ([22])
A sua estadia no Rio de Janeiro vai prolongar-se até 1821, atravessando momentos complexos ao ponto de entrar em conflito com o futuro Imperador do Brasil D. Pedro I, segundo consta de alguns artigos onde, no entanto e para esclarecimento e confronto de opiniões, se pode mencionar uma passagem de Agneu Guimarães, a propósito de Silvestre Pinheiro Ferreira e citado por António Paim: “Combateu de viseira erguida, o ideal da Independência, acusando o Príncipe dom Pedro pela simpatia que inspirava aos nacionalistas brasileiros, chegando, nessa intransigência, a aconselhar a reclusão do príncipe na Fortaleza de Santa Cruz. Dom Pedro, retribuía-lhe a aversão e o apelidava ironicamente de “Pinheiro silvestre”. Na coerência das suas ideias, votou contra a retirada do rei para Lisboa e esforçou-se inutilmente por obstá-la.”. No final do artigo de onde se acaba de transcrever a hipotética situação, António Paim conclui que esta sua intervenção apenas visou alertar todos os estudiosos da filosofia brasileira para uma falha que deveria ser colmatada: “Como formas de homenagear a notável personalidade que é um dos fundadores de uma tradição cultural que tem sabido resistir às intempéries: a tradição Liberal.” ([23])
Ainda no Brasil, em 1821, é escolhido por D. João VI para Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, regressando a Lisboa com o monarca para juramento das bases da Constituição e, em 4 de Julho daquele ano é ele quem lê o discurso do rei, presumindo que tenha sido o próprio Pinheiro Ferreira a redigir esta intervenção a qual não teria sido bem recebida, dadas as ideias nela contidas, designadamente quando se afirmava: “que o exercício da soberania consistindo no exercício do poder legislativo, não pode residir separadamente em nenhuma das partes integrantes do governo, mas sim na reunião do monarca e deputados eleitos pelos povos.” ([24]) Outras passagens se verificaram que também desagradaram aos membros do congresso. Silvestre Pinheiro Ferreira extraiu, então, as correspondentes ilações e, no próprio dia, apresentou o seu pedido de demissão, para mais tarde voltar a ser nomeado por D. João VI. Depois de os constituintes darem garantias para alterar as Bases da Constituição, Pinheiro Ferreira aceita o cargo de Ministro dos Estrangeiros.
O seu papel como Ministro dos Estrangeiros foi extremamente difícil e o relacionamento com outras potências no sentido destas reconhecerem o novo regime tornou-se infrutífero. As diligências que desenvolveu para a aprovação de um tratado de recíproca defesa entre Portugal e Espanha não surtiram efeito, não se chegando assinar tal tratado.
Vendo-se impotente para resolver os problemas diplomático-constitucionais, pede a sua exoneração em 1823 e, uma nova tentativa do Rei em nomeá-lo mais uma vez Ministro dos Negócios Estrangeiros em 1825, não produziu qualquer reacção positiva. O Governo pressionou-o então a seguir para Londres a fim de verificar o estado das relações de Portugal com a França e a Holanda. Pinheiro Ferreira recusou esta missão e informou as instâncias políticas que abandonaria Portugal conforme lhe era determinado. Parte, pois, para um exílio em Paris, no ano de 1826, dedicando-se a partir de então ao estudo, à especulação: “Começou nesta altura, o período mais fecundo da sua vida, em publicações não só de carácter filosófico, mas de direito, administração pública e economia política. Em Paris colaborou em várias revistas e jornais; escreveu alguns artigos para a Enciclopédia Moderna de Coutrin (...) Exceptuando as Prelecções Filosóficas (...) todas as outras obras de Filosofia de Pinheiro Ferreira foram publicadas em Paris durante este período da sua vida.” ([25])
Voltaria a ser eleito deputado em 1826, encontrando-se então em Paris, todavia, considerando que a situação política não lhe era favorável, permaneceu em França, não chegando a tomar parte em quaisquer actividades legislativas. Decorridos mais cerca de doze anos volta a ser eleito em 1838, já com o governo constitucional restaurado, contudo, ainda não seria desta que regressaria à Pátria, o que viria a acontecer quando eleito deputado, pela província do Minho pela terceira vez em 1841, integrando-se então nos trabalhos parlamentares, tendo apresentado à Câmara dos Deputados em 1843 um conjunto de projectos, resultado dos seus estudos em ciências políticas e administrativas, tudo de harmonia com a Carta Constitucional que ele tinha, em devido tempo, concebido. Os seus projectos não foram discutidos, apesar da importância dos temas e do seu autor.
Silvestre Pinheiro Ferreira, depois de ter regressado a Portugal, viria a casar com uma sobrinha, Joana Felícia Pinheiro Ferreira que viveria com ele até ao fim da sua vida, dedicando-se, neste período, a actividades intelectuais e jornalísticas envolvendo-se em polémica com António Feliciano de Castilho, na discussão filosófico-teológica a propósito de um texto intitulado: “Da Oração do Cristão”, escrito por Pinheiro Ferreira que revelaria alguma heterodoxia e que culminou na sujeição de tal texto à apreciação da Santa Sé. O Vaticano não tomou qualquer posição.
Conforme foi referido na Introdução, assumiu, após o seu regresso à Pátria, a presidência de uma sociedade cultural denominada Academia das Ciências e das Letras, apoiando com invulgar entusiasmo as gerações mais novas: quer de políticos; quer de intelectuais. A sua morte ocorreu em 1 de Julho de 1846 “quando não se queixava de nenhum incómodo deu a alma ao Criador sem a mínima agonia” ([26]) tendo sido sepultado no Cemitério dos Prazeres pelos seus discípulos em campa rasa. Em 1849 foi construído um túmulo dedicado à memória e aos restos mortais do Homem que, em várias partes do mundo, sempre soube honrar e dignificar todos os falantes da língua portuguesa, com especial destaque para o Brasil, onde, as referências elogiosas, tal como em Portugal, cada vez são mais abundantes e profundas, desenvolvendo-se, por isso, intensa investigação a seu respeito, principalmente a partir do primeiro quarto do século XX, envolvendo especialistas e reputados académicos luso-brasileiros.
4. Obra Literária Silvestrina
Pese embora o facto de nos manuais escolares portugueses de filosofia (ao nível do ensino secundário) não se encontrarem referências nem comentários à obra de Silvestre Pinheiro Ferreira, verifica-se, ainda assim, que fora dos currículos escolares do ensino médio, o interesse por aquele luso-brasileiro é cada vez maior, dada a diversidade e profundidade do seu pensamento, em áreas tão sensíveis como a Filosofia, a Política, a Educação, a Economia e o Direito. Num ensaio de Ricardo Velez Rodriguez é feita uma referência importante quanto ao papel de Silvestre Ferreira: “Graças à sua valiosa colaboração teórica, o Império Brasileiro conseguiu superar os problemas do liberalismo radical e deitou as bases para a prática parlamentar. A partir das bases por ele colocadas, os pensadores ecléticos procuraram dar uma resposta de carácter espiritualista à problemática do homem.” (2001: 3) E opinião afim teria manifestado António Paim. (1984: 93)
Considerado como um dos primeiros representantes da Filosofia Moderna em Portugal, inspirado nos pensadores do seu tempo, quer da França quer da Alemanha, procurou compaginá-los, numa teorização eclética, com a herança categorial aristotélica. Do ponto de vista filosófico, Silvestre Pinheiro Ferreira não sendo um apologista confesso do idealismo kantiano e hegeliano, incorporou-os na sua filosofia, assim como as ideias liberais provenientes da Revolução Francesa mas, as suas fontes de inspiração filosófica foram, sobretudo, provenientes dos princípios empiristas e sensualistas de Bacon, Locke e Condilac e das ideias utilitaristas de Bentham.
Entre a produção bibliográfica de Silvestre Ferreira, destacam-se, pelo interesse que tem para o tema deste trabalho, as obras acerca das concepções éticas, antropológicas, educativas, políticas, cívicas e de cidadania, por ele defendidas e que ainda hoje se podem considerar para discussão: 1. Prelecções Philosóphicas Sobre a Theoria do Discurso e da Linguagem a Estética, a Diceosyna e a Cosmologia, Rio de Janeiro, Imprensa Régia, 1813; 2. Categorias de Aristóteles, traduzidas do grego e ordenadas conforme um novo plano, para uso das Prelecções Filosóficas do autor, Rio de Janeiro, 1814; 3. Noções Elementares de Philosophia Geral e Aplicação às Ciências Morais e Políticas (Ontologia, Psicologia e Ideologia), Paris, 1839; 4. Manual do Cidadão em um governo representativo ou princípios do direito constitucional administrativo e das gentes, Edição Fac-Similar do Senado Federal Brasileiro. 1998 Tomos I, II e III, já publicados em Paris, 1834; 5. Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão, Paris, 1836; 6. Memórias Políticas Sobre os Abusos Gerais e Modo de os Reformar e Prevenir a Revolução Popular, Redigidas por Ordem do Príncipe Regente no Rio de Janeiro, em 1814-15; 7. Cartas Sobre a Revolução do Brasil, pelo Conselheiro Silvestre Pinheiro Ferreira, publicadas na Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, Tomo II, Rio de Janeiro, 1888. A obra polifacetada de Silvestre Pinheiro Ferreira abrange, ao seu tempo, um vasto leque de conhecimentos, difícil de ultrapassar, facto que em termos de relevância deste autor luso-brasileiro o coloca a par dos grandes vultos da ciência, da cultura e dos direitos humanos, para além dos valores universais que, já na sua época, soube divulgar e defender até às últimas consequências.
5. Resumo Conclusivo
No século XIX, em França, a frase: A Lei do justo he a base de toda a moral e de toda a política era escrita por um ilustre Luso-Brasileiro, estadista, publicista e filósofo, considerado como sendo: “ um espírito rasgadamente liberal e um carácter integérrimo”. Muitas outras referências elogiosas, talvez mais de uma centena, são feitas, em várias publicações, aos mais elevados níveis do Direito, da Filosofia, da Cultura, da Política, colocando-se ao estudioso, menos preparado, dificuldades graves na opção que fizer, quando pretende coleccionar as distintas apreciações a tão insigne personalidade, porquanto a autoridade intelectual de quem as produz não pode ser minimizada sem prejuízo de se incorrer em inaceitável injustiça.
Silvestre Ferreira é uma personalidade atenta à sua época, que interpreta a realidade de acordo com uma apreciação presencial e distendida no espaço e no tempo, naturalmente que afectada de alguma subjectividade e emoção, considerando que o período envolvente à Independência do Brasil, antes e depois, não foi o mais pacífico, eventualmente por divergências entre a solução defendida pelos absolutistas liberais portugueses e a vontade dos Brasileiros em continuarem a ter D. João VI no Brasil e aqui se manter o Poder Central de um futuro Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Existe a convicção de que o povo brasileiro não esquecerá facilmente este ilustre luso-brasileiro, porque cada vez mais se vem provando, a partir dos círculos da intelectualidade filosófica, política e social no Brasil, bem como em Portugal, que Pinheiro Ferreira não foi um cidadão qualquer e quando no exercício de altos cargos políticos soube, igualmente, honrar aqueles que nele depositaram confiança aos quais serviu com grande lealdade. A este propósito, não se pode deixar em branco, mais uma referência: “Foi o último Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, tendo-lhe cabido firmar o nosso domínio na Cisplatina e o primeiro ato de reconhecimento da independência da Argentina e do Chile. Em 1821, com o movimento armado que institui a monarquia constitucional em Portugal, foi nomeado director da Imprensa Régia, depois Ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros.
A sua notoriedade, principalmente pela ilustração de que dera constantes provas, também aqui e principalmente na Corte lhe trouxe frequentes complicações, dificuldades de vária ordem e que, em todo o caso, sempre veio superando porque, acima de tudo, a sua profunda lealdade e quase adoração pelo Rei, valeram-lhe a compreensão e o apoio do Monarca, mas é significativa a seguinte descrição de Maria Luiza Coelho: “Os doze anos que viveu no Brasil foram cheios de desgostos, tanto na sua vida de homem público como na própria vida particular. Vítima de intrigas na Corte, nem sempre a amizade que lhe dedicava D. João VI foi superior à vontade de seus ministros. A doença e as dificuldades de ordem financeira foram causa de sérias preocupações.
Ao longo da sua permanência no Brasil, verifica-se que D. João Vi sempre foi o seu grande protector e só assim se justifica que Silvestre Pinheiro Ferreira tenha exercido os mais elevados cargos no aparelho régio. De resto, tão elevada estima e consideração que o rei tinha por ele, é retribuída com toda a lealdade, espírito de servir e humildade, para além de uma atitude de profunda admiração, respeito e defesa intransigente para com tudo o que se referia ao soberano que, em todas as circunstâncias, mesmo nos piores momentos, Pinheiro Ferreira sempre demonstrou.
Ainda no Brasil, em 1821, é escolhido por D. João VI para Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, regressando a Lisboa com o monarca para juramento das bases da Constituição e, em 4 de Julho daquele ano é ele quem lê o discurso do rei, presumindo que tenha sido o próprio Pinheiro Ferreira a redigir esta intervenção a qual não teria sido bem recebida, dadas as ideias nela contidas, designadamente quando se afirmava: “que o exercício da soberania consistindo no exercício do poder legislativo, não pode residir separadamente em nenhuma das partes integrantes do governo, mas sim na reunião do monarca e deputados eleitos pelos povos”.
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Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
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[1] Silvestre Pinheiro Ferreira “Manual do Cidadãoem um Governo Representativo”, Primeira Conferência p.1.
[2] Dicionário Prático Ilustrado, Pinheiro Ferreira (Silvestre), p. 1864.
[3] Lisboa, José António, Elogio Histórico do Conselheiro Silvestre Pinheiro Ferreira, in Revista trimestral da História e Geografia do IHGB, Tomo 4, pp. 169, 170 e 195.
Nota: Na mesma cerimónia, o elogio póstumo feito pelo Conselheiro José António Lisboa, amigo e companheiro do publicista, teria a oportunidade de, exemplarmente, tecer outros comentários, dos quais, pela sua pertinência nos tempos actuais e, até, numa perspectiva pedagógica, estimula a transcrever-se “Ainda era discípulo, e já dava lições de philosophia, e tanto se distinguia pela sua exactidão, clareza e profundidade, que muitas vezes excitou o ciúme dos mesmos lentes.” E, mais adiante, a propósito da sua actividade político-diplomática: “Foi aos incessantes e eficazes avisos do Conselheiro Silvestre Pinheiro que o Senhor D. João VI deveu a sua salvação, e evitou a sorte que o imperador dos Francezes lhe destinava... “O amigo de Silvestre enumera depois algumas das principais obras escritas pelo nosso Filósofo, começando esta referência com o seguinte passo:
“Quereis saber senhores a profundidade e vastidão dos seus conhecimentos em Philosophia? Lêde as suas Prelecções Philosóphicas (... em jurisprudência? Lêde as Declarações dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão... “ E, concluindo o seu elogio, António Lisboa, afirma:
“Perdeu Portugal um dos mais avalisados sábios, que fazia a sua glória e ufania; o Instituto Histórico e Geográfico do Brazil ficou privado dos trabalhos e interessantes escriptos com que o Conselheiro Pinheiro sempre mimoseava esta interessante associação que tanto respeito e consideração lhe merecia; e o mundo literário perdeu uma das suas mais eminentes notabilidades. Lamentemos, Senhores, a perda de tão ilustre e respeitável sócio, e honrando a memória de tão insigne varão, dediquemos-lhe o tributo do nosso profundo sentimento e eterna saudade.”
[4] Drauzio Varella,”Estação Carandiru”, p. 20.
[5] Tobias Monteiro, História do Império do Brasil – A Elaboração da Independência, 2ª. Ed. Tomo I, P. 104.
[6] José Honório Rodrigues, “Independência, Revolução e Contra-Revolução: Economia e Sociedade”, Vol. 2, p. 86.
[7] Op. Cit. P. 125. (Ainda nesta obra, veja-se mais à frente, a propósito do Brasil, o que José Honório Rodrigues, investigou:
“Num estudo político sobre o Brasil, a apresentação às Cortes, logo que D. João VI voltou a Portugal, o Conselheiro Silvestre Pinheiro Ferreira, que ouvira e tratara com grande número de pessoas de todas as classes, dizia que o desejo comum de todos era que o Brasil tivesse um governo Central. O povo não possuía esta generalíssima ideia de um governo-geral, senão por uma espécie de instinto; Foi a classe pensante que se adiantou a marcar o modo de estabelecimento daquele governo. O povo, explicava, é uma classe, no Brasil, proporcionalmente muito menor do que na Europa, porque tirada a classe dos escravos e libertos, quase todo o resto se compõe de homens que receberam aquele grau de educação que nos outros países eleva certa classe acima do que se chama povo! Como se vê, havia escravos, libertos, povo (indefinido, nem escravos nem libertos, talvez caixeiros, artífices, pequenos funcionários) e uma classe educada: esta a estrutura social exposta por Silvestre Pinheiro Ferreira.” P. 133.
[8] Wladimir Araújo, “Uma Proposta durante o Império: Cinco Reinos dentro do Brasil”, in Revista Da Leitura, Julho 1983.
[9] Claude Augé (Dir), Pinheiro Ferreira (Silvestre), “Nouveau Larousse Ilustré, Dictionaire Universel Encyclopédique, p. 899.
[10] Grande Enciclopédia Delta-Larousse, “Pinheiro Ferreira (Silvestre), p. 5349.
[11] Pinharanda Gomes (Org) Silvestre Pinheiro Ferreira, p. 2
[12] Enciclopédia Brasileira Mérito, “Ferreira, Silvestre Pinheiro”, p. 720
[13] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira”, p. 736
[14] Miguel Real (Dir.), “Prelecções Filosóficas” Introdução António Paim. Biografia e Bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira, por Inocêncio Francisco Silva, p. 14.
[15] A propósito dos Espingardeiros e da respectiva fábrica, veja-se a carta de 16 de Dezembro de 1804 escrita por Silvestre Pinheiro Ferreira, em Dresde para António de Araújo de Azevedo, transcrita por Maria Beatriz Nizza da Silva em “ Silvestre Pinheiro Ferreira: Ideologia e Teoria”, p.15 a 19:
“Limitando-me hoje ao principal destes negócios, devo informar a V.Exª. que Henrique Auschutz aceitou a incumbência de procurar pessoas, que se requererem para a Fundação da Nova Fábrica. (...) . De todas estas reflexões concluo que se os nossos oficiais não bastam para a fundação da nova fábrica: e se são precisos estrangeiros, não são certamente os de Kenneberg, que reúnem as qualidades necessárias para isso. Muito mais próprios seriam os prussianos; ou ainda melhor os de Hanôver, onde toda a casta de trabalhos desta natureza se acham suspensos, depois da evasão dos franceses. Respondendo ao que V.Exª deseja saber sobre a introdução das novas armas prussianas, de que há dois anos remeti uma descrição e desenho, terei a honra de assegurar-lhe, que a fabricação das ditas espingardas continua, como no princípio: mas não havendo sido calculadas para elas uma quantidade de outros petrechos de guerra, é necessário esperar que estes se consumam para se poder sem perda abolir o uso das antigas. (...) Lista das pessoas necessárias para uma fábrica de espingardas – 1 director; 3 ferreiros de canos; 1 amolador de canos; 2 serralheiros de fechos; 2 coronheiros; 2 ferreiros para as baionetas e varetas...”
[16] António Barão, Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, citado por Maria Luísa R.S. Coelho, “A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira”, p. 23
[17] Maria Luiza Cardoso Rangel de Sousa Coelho, A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira, p. 25
Nota: Ainda a este propósito, confirmar com a carta redigida por Silvestre Pinheiro Ferreira a um amigo, datada do Rio de Janeiro, em 17 de Novembro de 1811:
“Meu presadíssimo amigo. Duas cartas tenho recebido da sua amizade: e espero que tenha sido entregue das minhas. Sei que a te-las recebido terá tomado parte dos meus desgostos como eu o tenho tomado nos seus por he acto necessário inseparável da amizade. Assim, a notícia, que já lhe não será nova, da minha nomeação para a Junta do Comércio ter-lhe-hã sido agradável – porque sempre é uma prova de lembrança a afeição do nosso bom príncipe, que me defendeu elle só contra todos os seus Ministros.”
[18] Dr. J. A. Teixeira de Mello, Ephemerides Nacionais, p. 307.
[19] Maria Luísa Cardoso R.S. Coelho, A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira, p. 219.
[20] Silvestre Pinheiro Ferreira, Prelecções Filosóficas, Introdução de António Paim, p. 32.
[21] Silvestre Pinheiro Ferreira, Ideias Políticas: Cartas sobre a Revolução do Brasil, P. 21
[22] Vicente Barreto, Introdução ao pensamento político de Silvestre Pinheiro Ferreira, p. 16.
[23] António Paim, Silvestre Pinheiro Ferreira no Rio de Janeiro, in revista Brasileira de Filosofia, Vol. XLIV, Fasc. 187, p. 392-393.
[24] Cit. Por Maria Luiza Rangel Coelhoem A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira, p. 33-34.
[25] Maria Luiza Rangel Coelho, A Filosofia de Silvestre Pinheiro Ferreira, pp. 36-37.
[26] Idem Ibid., citando Teixeira de Vasconcelos, Glórias Portuguesas, p. 25.