SILÊNCIO E DISCURSO SOBERANO NA OBRA MACHADIANA

Por Lázaro Henrique Feliciano | 16/07/2016 | Literatura

SILÊNCIO E DISCURSO SOBERANO NA OBRA MACHADIANA: A LÓGICA DA DOMINAÇÃO EM DOM CASMURRO

RESUMO

 O presente artigo propõe-se à análise do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, pela ótica da representação da mulher. Para tanto, inicialmente é elucidado um estudo sobre a representação, o qual serve de base à identificação e ao mapeamento da lógica da dominação masculina na referida obra, numa perspectiva que visa descortinar certa violência tanto inerente à postura narrativa, quanto à construção simbólica.

 Palavras-chave: Representação da Mulher, Dominação masculina, Obra machadiana.

 “Mas se ele, como dizia Barthes, é o que fala no lugar de outro, não podemos deixar de indagar quem é, afinal, esse outro, que posição lhe é reservada na sociedade, e o que seu silêncio esconde.”

 (Regina Dalcastagnè)

INTRODUÇÃO

A obra literária Dom Casmurro, de Machado de Assis, é uma das mais conhecidas e discutidas da literatura brasileira. Tal obra é muitas vezes pensada em torno de discussões, tais como, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho, ou que ela relata pura e simplesmente as preocupações de um inveterado ciumento.

Essas discussões são válidas, embora sejam superficiais. Outro modo de pensar essa obra, entretanto, é o que se refere às possibilidades de fala da personagem Capitu, na medida em que se poderia especular o espaço de fala dessa personagem por meio de uma indagação como a seguinte: quais são as possibilidades de fala de Capitu, frente a um narrador masculino, intelectual, em meio aos valores de uma sociedade conservadora e patriarcal.

Nessa linha, há algum tempo nós escrevemos um artigo sobre a ascensão do discurso da mulher negra e escrava, enquanto sujeito subalterno, nos contos Pai contra mãe e O caso da vara, ambos de Machado de Assis. Nele, observa-se que no conto Pai contra mãe, tanto a personagem central, Candido Neves, quanto a personagem feminina, Arminda, são obviamente sujeitos subalternos. Entretanto, a personagem feminina ocupa uma posição de extrema subalternidade na narrativa. O que se tenta demonstrar, portanto, naquele artigo é certa subversão da personagem Arminda enquanto sujeito subalterno, a qual, num rasgo de desespero mesclado a protesto, alcança alguma representatividade (MIMEO, 2011).

Diante disso, na esteira de G. C. Spivak, nós poderíamos então indagar: Capitu enquanto sujeito subalterno pode falar? Ora, a partir da obra Pode o subalterno falar? poderíamos concluir, talvez, que o discurso dominante de Bentinho esmaga violentamente um provável discurso de Capitu ao não permitir que ela fale; e mais, resulta daí a defesa do seu próprio ponto de vista e não o dela. Em Dom Casmurro, a condição feminina de Capitu, em uma sociedade patriarcal, tal qual a do século XIX (pois esta é a sociedade que o microcosmo narrativo deste romance busca representar), reserva-lhe um lugar de fala não privilegiado.

Em torno disso, em um primeiro momento, exporemos alguns conceitos e questões a respeito da representação. À luz dos quais, pretendemos identificar o modo pelo qual as atitudes soberanas e despóticas de Bentinho silenciaram Capitu. A partir daí, primeiramente, buscaremos demonstrar as estratégias narrativas utilizadas pelo narrador para desmoralizar a imagem da referida personagem, fazendo disso a legitimação e uma espécie de confirmação da acusação de adultério e, posteriormente, falaremos da violência simbólica implícita no discurso do narrador, amparada num discurso patriarcal historicamente construído. Em seguida, tentaremos estabelecer uma relação entre a desmoralização operada e a violência simbólica, essas se revelando em dupla violência. Por último, pretendemos verificar nesse silêncio o espaço vazio do contraditório, o qual provoca o leitor, figurando como um espaço privilegiado de questionamento e de reescrita.

O silêncio de Capitu é, portanto, resultado de uma cultura androcêntrica, a qual se apoia na Igreja e no Estado. Por esse caminho, a nossa hipótese constrói-se na perspectiva de um texto que, embora desenvolva os costumes e ideias de seu tempo, é reduto de um silenciamento tão brutal que sufoca essa personagem e que lhe tira todo direito de esboçar qualquer argumento em sua defesa. Bentinho é absoluto.

Vimos, inicialmente nesse texto, o reduto de um silêncio tão intermitente, ressonante, e porque não dizer audível, e que salta aos ouvidos e olhos, que pretendíamos que houvesse nele um contraponto ao discurso dominante, de modo a estabelecer-se de fato uma batalha, a qual se daria no terreno textual – silêncio versus discurso, silenciamento/silenciador versus silenciado, sujeito soberano versus sujeito subalterno; entre o dito e o não dito, entre a assertiva veemente e cabal e a contrarresposta que nunca foi dita, ou escrita, e que se encontra inscrita nas entrelinhas do texto. Apesar disso, o destino já está consolidado: o silêncio é o lugar de Capitu, o espaço da não-fala.

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