Sigilo Fiscal

Por Merluse Schuck | 06/12/2007 | Direito

Merluse Inês Treib Schuck: Aluna do Curso de Direito da Universidade  do Vale do Taquari de Ensino Superior - UNIVATES.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Legislação 3. Sigilo Fiscal e Sigilo Bancário 4. Conclusões.

1 INTRODUÇÃO

A necessidade de preservação do sigilo fiscal tem como objetivo principal evitar a invasão da privacidade, seja da pessoa natural, seja da pessoa jurídica. Quando divulgadas as informações sigilosas sobre a condição econômica e financeira de determinado contribuinte, e estando as mesmas em poder e sob a guarda do fisco, poderá acarretar em graves conseqüências, que vão desde situações incômodas pelas quais pode passar um cidadão, culminando em prejuízos irreparáveis ou até mesmo com a própria falência, em se tratando de pessoa jurídica.

Em certas profissões manter o sigilo sobre as informações privadas dos cidadãos, as quais são obtidas em conseqüência de sua função, é inerente à profissão, porém, em decorrência das relações econômicas e sociais existentes, houve a necessidade das pessoas terem que negociar com instituições financeiras e bancos, tendo que, portanto, dividir informações sobre sua via privada e seus negócios. As instituições financeiras e os bancos necessitam adquirir a confiança de seus clientes com o apoio da legislação vigente, garantindo assim o sigilo das informações que lhes são confiadas pelos clientes (1).

Em contrapartida, o Estado recebe dos seus contribuintes informações importantes sobre negócios, bens e atividades e que devem ser mantidas em sigilo, pois dizem respeito somente a essas pessoas. No entanto, com respeito à fiscalização em matéria tributária vem à questão relativa ao sigilo bancário e as probabilidades de não considerá-lo no interesse do fisco (2).

A origem do sigilo fiscal e bancário decorrem do dever de sigilo funcional, pois quando as informações são prestadas ao Estado ou a determinadas instituições devem ser protegidas, em razão de ofício.

Atualmente, o direito à intimidade e ao sigilo de informações, que estão previstos na Constituição Federal, é garantido como medida de segurança. Porém, revestindo de excepcionalidade a divulgação de dados que os clientes tenham confiado a instituições financeiras, bem como a de dados que tenham sido obtidos pelo agente fiscal no exercício de suas atribuições, pois o sigilo garante ao indivíduo a indevassabilidade de informações que exponham ao público a sua vida privada (3).

2 LEGISLAÇÃO

Por se tratar de princípio protegido entre os direitos fundamentais do cidadão, o sigilo fiscal recebe proteção constitucional, conforme disposição expressa na Constituição Federal de 1988:

Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;  [...]

No mesmo sentido os artigos 198 e 199 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5172/66), dispõem a respeito do tema, com as alterações ocorridas pela Lei Complementar n. 104, de janeiro de 2001:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:

I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;

II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.

§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:

I – representações fiscais para fins penais;

II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;

III – parcelamento ou moratória.

Art. 199 - A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

O Sigilo Fiscal do contribuinte é considerado inviolável, constituindo um direito fundamental, porém, existem exceções nas hipóteses de requisição Judicial, do Ministério Público e quando da troca de informações entre as Fazendas Públicas da União, dos Estados e dos Municípios, quando for exclusivamente ao interesse do serviço público.

Também há previsão no art. 1o da Lei Complementar no 105/2001, porém, conforme o § 3º: Não constitui violação do dever de sigilo: I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; II - o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; III – o fornecimento das informações de que trata o § 2o do art. 11 da Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996; IV – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa; V – a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados; VI – a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2o, 3o, 4o, 5o, 6o, 7o e 9o desta Lei Complementar.

A Portaria SRF 580 de 12 de junho de 2001 estabelece procedimentos para preservar o caráter sigiloso de informações protegidas por sigilo fiscal, nos casos de fornecimento admitidos em lei, nas hipóteses dos arts. 198 e 199 do Código Tributário Nacional

O resumo das normas aqui realizado, não acaba a produção legislativa relacionada com a matéria, fornece apenas os elementos necessários para a delimitação da abrangência do sigilo fiscal. Será necessária a valorização e um sentido de interpretação, deduzidos do trabalho do legislador, que irá permitir, com um pouco de segurança, desvendar os caminhos deste tema, ou seja, a abrangência do sigilo fiscal (4).

3 SIGILO FISCAL E SIGILO BANCÁRIO

Conforme James Marins existe uma grande dificuldade em demonstrar, com relação à atividade fiscalizadora tributária, os limites entre as prerrogativas do Estado e as garantias dos cidadãos, atribuindo-se ao fato de haver expressa disciplina constitucional, as quais dão margem a interpretações diversas (5).

Cabe salientar que existem dois grupos de valores constitucionais em choque, a inviolabilidade da intimidade e o dever de fiscalização, não podendo em sua aplicação serem anulados, havendo a necessidade de se encontrar um ponto de equilíbrio, ou seja, um limite entre o dever fiscalizatório do Estado e o sigilo que está previsto na Constituição Federal.

Portanto, conforme se extrai do trecho da obra de James Marins, para ele, há necessidade de ordem judicial que autorize a quebra do sigilo, limitando-a:  

Dada a natureza fundamental desta garantia constitucional – qual seja o sigilo de dados que abarca tanto o sigilo bancário quanto o sigilo fiscal – não se pode conceber a possibilidade de, sob o manto da supremacia do interesse público e do poder fiscalizatório constitucional insculpido na Constituição Federal, permitir venha a se pretender a possibilidade de quebra dos sigilos bancário e fiscal sem que haja ordem judicial autorizativa. A rigor, inclusive, se faz equivocado enunciar sobre a rubrica interesse público pretensão que não encontre amparo constitucional. O interesse público não é o dos governantes de plantão, e sim o de toda a sociedade, cuja a manifestação mais concreta se dá justamente no Texto Magno (6).

 

Enquanto que para alguns doutrinadores, dentre os quais James Marins, o acesso da Administração tributária aos dados dos contribuintes necessita de autorização judiciária prévia, pois do contrário despreza a garantia fundamental do sigilo e extrapola o dever de fiscalização, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela possibilidade da quebra do sigilo bancário mediante simples procedimento fiscal administrativo, conforme pode ser verificado pelas decisões abaixo:          

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DEFICIÊNCIA RECURSAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. ARTIGO 6º DA LC 105/01 E 11, § 3º DA LEI Nº  9.311/96, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.174/2001.

1. A Lei 10.174/2001 ao revogar o § 3º do artigo 11 da Lei nº 9.311/91, permitiu ao Fisco a utilização da CPMF para instaurar procedimento administrativo-fiscal, possibilitando a cobrança de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos.

2. A alteração legislativa promovida pelo artigo 6º da Lei Complementar 105/01 prevê              a possibilidade de quebra sigilo bancário, sem autorização judicial.

3. Recurso especial provido.

(REsp.849113/SC-RECURSOESPECIAL-2006/0101976-8-Ministro CASTRO MEIRA DJ 28.09.2006 p. 245)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 545, DO CPC. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º DO CTN.

1. O art. 38 da Lei 4.595/64, revogado pela Lei Complementar 105/2001, previa a possibilidade de quebra do sigilo bancário apenas por decisão judicial.

2. Com o advento da Lei 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição, ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo vedado, a teor do que preceituava o § 3º da art. 11 da mencionada lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos.

3. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105/2001, cujo art, 6º dispõe: "Art. 6º  As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente."

4. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.

5. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos.

6. A exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência.

7. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal.

8. Agravo Regimental improvido.

(AgRg.noREsp.798061/SC-AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2005/0190981-6-Ministro LUIZ FUX-DJ 20.11.2006 p. 281.).

4 CONCLUSÕES  

Face às divergências existentes em relação ao tema, cabe mencionar o que observa Márcia Regina Ferreira apud Marins, “a quebra do sigilo bancário não pode ficar ao livre-arbítrio do agente fiscal, devendo passar pelo crivo do Poder Judiciário, para a análise do magistrado de que a hipótese é de grave lesão ao interesse público, a ponto de justificar a supremacia do interesse público face às garantias individuais, com a conseqüente violação do sigilo bancário”(7).

Conforme Marins, a parcialidade do Fisco impede que se espose entendimento no sentido de se quebrar de ofício o sigilo bancário ou fiscal, não podendo se retirar o direito dos cidadãos ao sigilo sem que haja efetiva valoração dos interesses em jogo, tarefa não possível de ser dada à Administração. “A possibilidade de se permitir que a mesma autoridade que alega o interesse relevante, e por isso parcial, avalie esse interesse consagra o arbítrio, sendo justamente o que recebeu a severa crítica do Barão de Montesquieu” (8).    

Em relação ao tema, Francesco Giannetti descreve a necessidade de se ter lei ordinária, na qual devem ser estabelecidos critérios rigorosos sobre como proceder para ter o acesso de dados bancários e fiscais, tendo em vista a evidente violência aos princípios constitucionais que protegem a vida privada e a intimidade, bem como a inconstitucionalidade do decreto 105/2001, que permite atos discricionários por parte do Poder Executivo, ausentes de razoabilidade e com desvio evidente de finalidade.

O sigilo das informações não é absoluto e ninguém deve se eximir de prestar informações que são de interesse público, quando necessários e indispensáveis à aplicação da lei tributária, porém deve ser de competência do Judiciário a quebra do sigilo pois, não se admite a possibilidade de arbítrio no que se refere à valoração do interesse público necessário para se ferir um direito fundamental.

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Notas:

1)PERUZZO, Renata; SOUZA, Jeiselaure R. de et al. A quebra dos sigilos bancário e fiscal. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=201>. Acesso em: 03 dez. 2007.

2)MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 245.

3)CASTRO, Aldemario Araújo. “Sigilo Fiscal: Delimitação”. Artigo. Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/artsigfis.htm> . Acesso em 03 dez. 2007.

4)CASTRO, Aldemario Araújo. “Sigilo Fiscal: Delimitação”. Artigo. Disponível em: <http://www.aldemario.adv.br/artsigfis.htm> . Acesso em 03 dez. 2007.

5)MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 245.

6)MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 247.

7) MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 251.

8) MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 254.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIANNETTI, Francesco. In: Pizolio, Reinaldo e Gavaldão, Jair (coord.). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Editoria Quartier Latin do Brasil, 2005.

MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo Tributário. São Paulo: Atlas, 2006.    

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.