Sexualidade E Militância Política

Por Luiz Carlos Cappellano | 28/11/2007 | Política

SEXUALIDADE E MILITÂNCIA POLÍTICA:

O conceito de cidadania, com o qual compactuamos na atualidade, é fruto das civilizações clássicas, Grécia e Roma. A idéia de que o ser humano é um "zoonpoliticon" foi apresentada e desenvolvida pelos socráticos, em especial por Aristóteles e foi depois sendo reelaborada no mundo romano, até que Trajano estendeu a cidadania a todos os nascidos dentro das fronteiras do Império.

Como sabemos, no quinto século antes de Cristo, o "século de Péricles", na cidade de Atenas - berço da democracia - o conceito de cidadania era restrito: o cidadão era o homem ateniense livre, com mais de 35 anos. Alguns chegaram a questionar o status do liberto, o qual, em tese, poderia tornar-se um cidadão, mas, jamais se questionou estender a cidadania à mulher.

Parece paradoxal que uma civilização que não apenas tolerou, mas estimulou a homossexualidade, tenha sido tão restritiva para com a figura feminina. Erastes e Eromenos caminhavam pelas ruas de mãos dadas, mas a mulher não deixava a reclusão do gineceu.

No mundo romano, a mulher patrícia não vivia uma situação muito diferente, imersa no universo doméstico e na criação dos filhos, mas, a cortesã adquirira o status de participação política na sociedade, o que fazia com que fosse invejada pelas matronas honestas. Sabe-se que a mulher de um cônsul chegou a solicitar em juízo o direito de prostituir-se e que Messalina, a imperatriz, prostituía-se num lupanar da Suburra, sob o pseudônimo de Licisca.

Por que as mulheres de "vida fácil" gozavam de um status social que era negado às esposas e às mães dos cidadãos? Por que interferiam tão profundamente nos destinos políticos do império, enquanto as matronas só interferiam nos destinos da sua prole?

Acreditamos que uma postura ativa frente à sexualidade tenha sido, desde sempre, um dos índices que evidenciam uma participação mais atuante em outras esferas da sociedade. Tal como o cidadão, a prostituta freqüenta as ruas, participa dos acontecimentos da cidade: em alguns eventos da sociedade romana como, por exemplo, nos festejos da deusa flora, a participação das cortesãs é algo que transcende à cidadania política, ascendendo à esfera do sagrado.

O sagrado e o profano são as duas faces de uma mesma moeda: as "bacanalis" eram festejos sagrados, dedicados ao deus Baco, nos quais se buscava a ascese através do êxtase provocado pelo sexo e o consumo de vinho. O deus Príapo, como sabemos, era representado por um falo imenso e o deus Hermes, que preside as encruzilhadas e é encarregado de fazer a ponte entre os homens e os deuses, é representado pelas hermas, colunas como o rosto do deus e a sua genitália.

Neste caminho, não há como deixar de fazer alusão ao carnaval, criado já na era cristã para substituir os antigos festejos pagãos: o "carnivalis" (o "adeus à carne") é o último momento no qual a lascívia é permitida, antes da quaresma, a preparação para a Páscoa. É interessante que estes festejos pagãos fizessem, desde sempre, parte do calendário cristão, e fossem acontecimentos "cívicos", na medida em que envolviam toda a cidade.

Santa Tereza D'ávila, uma das colunas sobre as quais se construiu a Igreja da Contra-reforma católica - e que povoou o universo barroco, sendo retratada por Gianlorenzo Bernini - relata os seus êxtases, as suas bodas místicas com Jesus, na sua obra "Castelos interiores": "...o anjo do senhor me possuiu e me arrebatou para sobre uma nuvem, então, me penetrou com sua seta incandescente e eu fui levada ao paraíso"... Não há necessidade de maiores comentários.

Como vemos, a sexualidade impregna todas as manifestações sociais, deixa o aconchego dos lares e a proteção das famosas quatro paredes (dentro das quais, como comentou Richard Parker em Corpos, prazeres e paixões, "tudo é permitido") e invade as ruas. Os desfiles de carnaval, os corsos, continuam a ser acontecimentos "cívicos" onde cidadania e sexualidade são questionadas, exercidas e expostas: o Cristo mendigo de Joãozinho Trinta, impugnado pela censura (1986), a genitália desnuda de Torez Bandeira (1992) e os festejos do "Brasil 500 anos" são apenas alguns exemplos de que hoje, assim como na cultura clássica, sexualidade e militância política continuam a estar relacionadas.

Luiz Carlos Cappellano
Professor Coordenador do Projeto de Orientação Sexual

Publicado em COPPE EM MOVIMENTO, boletim informativo da Coordenadoria Setorial de Programas e Projetos Especiais da SME-Campinas, ano I, nº 1, 1º semestre de 2000