SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: RELAÇÕES DE GÊNEROMANIFESTAS NO ESPAÇO ESCOLAR NA ILHA DE CACOAL-PA

Por Gabriela Costa Faval | 13/12/2016 | Educação

INTRODUÇÃO

A comunidade de Cacoal é um arquipélago localizado a 45 minutos do município de Cametá-Pa, composto por seis ilhas (Apapateua, Coroca, Quinquió, Quinquiozinho, Capiteua de Cacoal e Itanduba) e contendo aproximadamente 300 famílias rurais-ribeirinhas. A origem da comunidade é desconhecida, não havendo registros a respeito, porém, é relatado pelos moradores que uma grande olaria teria dado início às primeiras residências. Essa olaria veio a explodir posteriormente, espalhando “cacos” pela ilha principal, dando origem ao primeiro nome atribuído à localidade (Cacaual) que, mais adiante, foi modificado para Cacoal. Porém, desconhece-se como os primeiros trabalhadores da olaria chegaram à localidade. Na comunidade há duas escolas públicas, a E.M.E.F. São Benedito de Capiteua do Cacoal, localizada na ilha de mesmo nome e atendendo turmas multissérie da Educação Infantil e o Fundamental Menor e a outra – instituição principal –, .E.M.E.F. Prof. Francelino de Freitas, instalada na ilha central, que atende todos os níveis do Fundamental até o 9º ano e, inclusive, três turmas do Ensino Médio Modular da E.E.E.M. Profaª Osvaldina Muniz. Na localidade evidencia-se a predominância da religião católica, porém, há uma crescente presença de religiões protestantes como as igrejas Adventista, Quadrangular e Assembleia de Deus.

A escola principal tornou-se lócus da pesquisa devido às diversas situações de opressão e exclusão observadas durante minhas atividades na Coordenação Pedagógica, bem como manifestações cotidianas de uma sexualidade que passam despercebidas em sua compreensão e abrangência. Situações que perpassam o âmbito familiar e adentram ao espaço escolar, justificadas por uma diferenciação corporal, internalizada pelos próprios dominados como ordem biológica natural e que determinam uma superioridade masculina aceita e reproduzida, de geração a geração.

A sexualidade vem sendo objeto de investigação ao longo de 5 anos, incluindo o último ano de graduação na Universidade do Estado do Pará, resultando em dois projetos de extensão e pesquisa Eixo de Pesquisa e Extensão em Educação Sexual - EDUSEX, inserido ao Projeto Pará Leitura Vai-Quem-Quer – PLVQQ/NETRILHAS/UEPA, atuante na Escola Anexo Pedra Branca, comunidade do Poção, em Cotijuba e em áreas ribeirinhas próximas a Belém e o Grupo de Estudo e Trabalho em Educação Freireana e Sexualidade - GETEFS, vinculado ao Núcleo de Educação Popular Paulo Freire – NEP/UEPA, atuante nas escolas públicas da região metropolitana. Tais atividades facilitaram a identificação das situações manifestas no âmbito da escola e possibilitaram o aprofundamento investigativo da realidade local.

Diante de tal contexto social, identificado no convívio com moradores e educandos locais, foi cogitado enquanto problema de investigação: de que forma se estabelecem, histórica e culturalmente, as relações de gênero identificadas na comunidade de Cacoal, Município de Cametá-Pa e como a escola pode contribuir para a conscientização e critização desses sujeitos?

O objetivo geral deste estudo é compreender, histórica e culturalmente, as relações de gênero estabelecidas na comunidade de Cacoal, Município de Cametá-Pa apresentando possibilidades pedagógicas que propiciem a análise e a criticidade dos sujeitos envolvidos, identificando as mudanças surgidas a partir desses espaços dialógicos.

Mais especificamente objetivou-se identificar os processos histórico-culturais que constituem as relações de gênero; refletir sobre as percepções que estes possuem acerca da própria sexualidade e das relações de poder estabelecidas pelas questões de gênero; e analisar, a partir da proposta pedagógica de utilização de espaços críticos-dialógicos, o posicionamento escolar a respeito das situações identificadas;

Para realizar essa investigação optou-se por uma pesquisa-ação, por objetivar a identificação de dados psicológicos, a contestação de estruturas sociais, a produção de mudanças ideológicas e de comportamento e a compreensão do objeto, na qual objetivou-se identificar e compreender os processos histórico-culturais que permeiam as redes de saberes que constituem as relações de gênero e a sexualidade locais e por objetivar a identificação de dados psicológicos, a contestação de estruturas sociais, a produção de mudanças ideológicas e de comportamento e a compreensão do objeto.

A abordagem qualitativa foi utilizada, pois se entende a necessidade de estimular os entrevistados a pensar livremente sobre a temática, buscando percepções e o entendimento sobre a natureza geral da questão pesquisada, abrindo-se espaço para sua interpretação, através do desenvolvimento de conceitos ideias e entendimentos a partir da padronização dos dados. (DANTAS e CAVALCANTE, 2006).

Trata-se de uma pesquisa indutiva, onde o pesquisador desenvolve ideias, conceitos e entendimentos a partir de padrões encontrados nos dados; e exploratória, focada na obtenção se Iinsights (muitas vezes imprevisíveis) que direcionam o andamento da pesquisa, conferindo-lhe possibilidades de transformação de seu direcionamento.

As entrevistas grupais também são características da abordagem qualitativa e não exigem uma quantidade maior de participantes, podendo ser feitas, inclusive, individualmente, sendo as informações  coletadas por meio de um roteiro sendo inicialmente gravadas e depois analisadas.

A necessidade de se entender a percepção dos sujeitos quanto à questão-problema, torna este tipo de abordagem ideal para a aplicação de uma pesquisa-ação.

Segundo Thiollent, a pesquisa-ação:

[...] é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 1986, p. 14).

A pesquisa-ação consiste em um processo de aprimoramento da prática. Inicia seus questionamentos do fenômeno habitual transitando, sistematicamente, até o filosófico. Por meio da pesquisa-ação se tratam de forma simultânea conhecimentos e mudanças sociais, de forma a unificar teoria e prática.

Para Thiollent (1986), a pesquisa-ação encontra um terreno favorável quando os pesquisadores não se limitam a aspectos acadêmicos e burocráticos e buscam pesquisas nas quais “[...] as pessoas pesquisadas tenham algo a ‘dizer’ e a ‘fazer’ [...] Com a pesquisa-ação os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados” (Idem, p.15).

Para o autor, a pesquisa-ação implica em uma metodologia de caráter participativo que exige o envolvimento de todos os sujeitos implicados nos problemas pesquisados, porém, para não ser confundida com uma pesquisa participativa, faz-se necessário que haja uma ação problemática por parte destes, ou seja, uma ação efetiva que requer “[...] investigação para ser conduzida e elaborada.” (TIHOLLENT, 1986, p.15).

Outro ponto relevante da pesquisa-ação é a participação ativa do pesquisador, não limitado a meramente observar ou descrever, mas usando uma forma de raciocínio projetivo e não explicativo, que requer dele um conhecimento prévio do qual partirão as discussões e soluções para as problemáticas identificadas. Sendo assim:

A forma de raciocínio projetivo é diferente das formas de raciocínio explicativo, que são relacionadas com a observação de fatos. No caso da projeção, pressupõe-se que o pesquisador dispõe de um conhecimento prévio a partir do qual serão resolvidos os problemas de concepção do objeto de acordo com regras ou critérios a serem concretizados na discussão com os usuários. Não é um método de obtenção de informação; é um método de “injeção” de informação na configuração do projeto. (Ibidem, p. 75)

Nas instituições escolares a pesquisa-ação deve atentar para as hierarquias presentes, de forma a não tornar-se instrumento de um grupo em detrimento do outro, principalmente quando um destes envolve representação do poder.

Desta pesquisa exclui-se a utilização de amostras, por considerar-se a necessidade de conscientização da totalidade dos alunos pesquisados, mas definiremos como critério de participação o pertencimento à comunidade escolar lócus da pesquisa, visto que objetiva-se, também, a investigação de caráter educacional. Segundo Thiollent (1947, p. 61), a metodologia que exclui a utilização de amostras, objetiva “[...] exercer um efeito conscientizador e de mobilização em torno de uma ação coletiva, a pesquisa deve abranger o conjunto da população que será consultada sob a forma de questionários ou de discussões em grupos”.

Assim, a pesquisa-ação envolveu todos os membros integrantes da comunidade escolar investigada, garantindo o comprometimento dos participantes com os resultados da proposta.

A pesquisa-ação não tem um roteiro fixo a ser seguido. Segundo Thiollent (1986), contrariamente a outros tipos de pesquisa, a pesquisa-ação não segue uma série de fases rigidamente ordenadas, os pesquisadores sempre acabam alterando a ordem das fases de execução, em função de problemas imprevistos.

Para o autor os pontos que podem ser apresentados são a fase exploratória e a divulgação de resultados, pois “[...] há um constante vaivém entre várias preocupações a serem adaptadas em função das circunstâncias e da dinâmica interna do grupo de pesquisadores no seu relacionamento com a situação investigada.” (Ibidem, p.47).

Na fase exploratória identificaram-se o campo de pesquisa, os interessados e suas expectativas e se realizou um primeiro diagnóstico da situação. O ponto inicial desta fase ficou por conta da organização do pesquisador, sua disponibilidade e efetiva capacidade de trabalhar de acordo com o espírito da pesquisa-ação. Em seguida, verificou-se a viabilidade de uma intervenção desse tipo no meio pesquisado, considerando-se apoios e resistências e lançando-se a proposta da pesquisa com a habilidade necessária para sua aceitação por parte dos interessados.

Para Thiollent (1986) a pesquisa-ação deve desenvolver uma perspectiva de aprendizagem participativa, mediante uma colaboração ativa entre os sujeitos envolvidos. Os pesquisadores são distribuídos entre as tarefas (pesquisa de campo, teórica, planejamento, etc.) de acordo com a afinidade e competência, mas nunca é uma determinação estanque, devendo todos estar inseridos em todas as atividades.

A pesquisa foi realizada entre os meses de junho/2015 e abril/2016, na escola municipal localizada na maior ilha do arquipélago que constitui a comunidade de Cacoal, durante os períodos letivos correspondentes e a escolha do lócus da pesquisa deve-se ao fato de ter sido feita, anteriormente, observação cotidiana dos sujeitos e dos contextos escolares, identificando-se diversas problemáticas relacionadas à sexualidade.

Os sujeitos da pesquisa são moradores da comunidade de Cacoal vinculados à escola, ou seja, pertencentes à comunidade escolar. Estes foram agrupados por gênero e idade, resultando em quatro grupos principais assim distribuídos: Grupo 1 – constituído pelos pais e/ou responsáveis (homens), totalizando 23 participantes; Grupo 2 – constituído pelas mães e/ou responsáveis (mulheres) em um total de 16 participantes; Grupo 3 – constituído pelos adolescentes e jovens entre 14 e 20 anos, totalizando 18 participantes; e Grupo 4 – constituído pelas crianças entre 8 e 10 anos, em um total de 14 participantes. Constituem-se, também, sujeitos da pesquisa 14 professores, com idades variantes entre 23 e 50 anos, 8 funcionários escolares e os pais e/ou responsáveis, de acordo com a disponibilidade de participação na pesquisa. As falas foram registradas pelo seu grau de relevância para a pesquisa ou por representarem o pensamento de uma maioria e foram registradas usando-se pseudônimos de modo a preservar a verdadeira identidade dos depoentes.

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