Sexta Feira, 13

Por Orlando Rodrigues | 20/02/2008 | Contos

Não que eu seja supersticioso, mas aquela sexta feira, 13, amanhecera muito estranha. O dia estava encoberto, sem brilho. Parecia que o sol estava com medo de aparecer. Cheguei a imaginar tal situação. Como seria se o sol resolvesse não aparecer naquele dia reservado ao azar? O astro rei com medo do azar? Impossível. Logo ele, todo cheio de energia e de luz?

Fiquei pensando por uns tempos sem encontrar resposta. Porem, eu deduzi que se o astro rei se recusara a aparecer é porque boa coisa não estaria por vir. Se o sol não apareceu é porque vai chover muito nesta sexta feira. Isso justifica o tempo encoberto. Da janela de meu apartamento eu apenas observava o ambiente.

O apartamento, na verdade, uma kitinete, com quarto, sala, banheiro e uma pequena cozinha era alugado. Eu havia me separado recentemente e estava tentando recomeçar minha vida. Havia levado para lá algumas poucas mobílias e eletrodomésticos da partilha que fizemos, eu e minha ex, na separação amigável.

Passara das nove horas da manhã e eu não havia visto ainda nenhuma pessoa na rua. Nenhuma alma viva havia saído de casa. Como de costume, todo o dia pela manhã, antes de sair para meu trabalho, eu costumava observar as pessoas da janela de meu apartamento. Meu trabalho no banco me possibilitava sair para o trabalho mais tarde.

O prédio que eu morava ficava de frente a um parque, um belo parque, com um lago vistoso que o banhava. Era comum, nas primeiras horas da manhã, eu ver as pessoas saírem para passear, correr ou caminhar naquele parque. Moças; algumas muito lindas e seus corpos maravilhosos patinavam pela calçada vestindo shorts curtíssimos.

Os rapazes, alguns bem malhados, corriam ou faziam exercícios em barras e outros aparelhos disponíveis no parque. Tinha também as senhoras, algumas já bem idosas com o caminhar difícil, acompanhadas de seus respectivos senhores.

Havia, ainda, as mães com seus filhinhos no colo ou as babás, com bebês no carrinho e alguns homens gordinhos, mas, esforçados, tentando queimar gorduras em corridas intermináveis. Corriam sempre olhando para baixo para ver o chão e, às vezes, olhando para trás para ver as babás ou as lindas garotas nos patins.

Algumas vezes observei um desses homens gordinhos se engraçando para algumas babás. Algumas, dadivosas, davam atenção aos barrigudinhos corredores e esquecia da criança. Já as garotas de patins, se esmeravam sobre as rodinhas, para seduzir os rapazes malhados.

Os rapagões musculosos, evidentemente jogavam seu charme, exercitando-se em barras, fazendo abdominais ou alongando-se.

As senhoras idosas e os seus respectivos pares, em seu caminhar lento, observavam as pessoas, a natureza e conversavam sobre o tempo da juventude. Todos os dias pela manhã a cena se repetia, à exceção daquela sexta feira,13.

Muito estranho, até àquela hora da manhã ninguém havia saído de casa. Pensei em sair para o trabalho, mas eu estava sem carro e parecia que ia chover muito. Isso não é desculpa, pensei. Posso pegar um ônibus ou um táxi. Entretanto, não os vi. Não vira nenhum ônibus trafegando, nenhum táxi, nenhum automóvel ou motocicleta.

Liguei a TV para assistir ao noticiário ou algum programa de variedades. Talvez pudessem falar sobre a previsão do tempo ou mesmo apresentar alguma reportagem sobre a sexta, 13. Não dá outra, todo ano é a mesma coisa.

Os telejornais e os programas de variedades sempre exploram esse assunto, seja com bom humor ou sensacionalismo. Durante o dia inteiro abordam o assunto, para, no final da noite, mostrar um filme de terror. Sem falar naquelas seqüências com o serial killer. Um tal de Jason.

Surpresa. Os canais estavam fora do ar. Apenas um chuvisco na tela em qualquer canal que eu sintonizasse. Achei estranho e comecei a entrar em pânico. Fui até o aparelho de som para ligar o rádio.

Nenhuma estação no ar. Não adiantaria tentar outra coisa, pois era só o que estava funcionando naquele aparelho velho. Quero dizer, naquele momento, nada funcionava.

Meu Deus! Pensei. Sozinho, no meu apartamento, sem ter com quem conversar, resolvi pegar o telefone e ligar para alguns parentes e amigos. O telefone estava mudo. Nenhum som, nenhum chiado.

De uma coisa eu tinha certeza. Não haviam cortado o telefone. A conta estava paga há uma semana. Eu paguei a conta na lotérica, na semana anterior. Coincidentemente, em um dia de sexta feira, que não era a 13, para não dar azar.

A lotérica naquela ocasião estava cheia. Tinha premio acumulado da Mega Sena. Cheguei a fazer uma fezinha em um sorteio que iria correr naquele dia. Nem olhei para o bilhete. Não queria ficar com os números na cabeça o resto do dia, imaginando coisas. Dá uma frustração enorme quando a gente perde. Obviamente, não ganhei.

Assustado, voltei a janela. Nenhum carro transitando, nenhum som de buzina. O céu continuava encoberto. Ninguém estava na rua. Não havia pessoas no parque. Não havia cachorros latindo, nem gente conversando. Não havia crianças brincando. Não havia crianças chorando.

De pé, junto à janela de meu apartamento, estremeci. Já havia passado muito tempo e meu relógio ainda marcava nove horas e alguma coisa. O tempo parou, pensei assustado. Porém, sorri, logo em seguida.

Eu vi, através de meu relógio, que o tempo havia passado sim. Alguns traços haviam sido percorridos pelo marcador de minutos daquele meu analógico de pulso, presente de meu pai.

Que alívio. O tempo não havia parado. E nem havia passado tanto tempo. Apenas imaginei. Imaginei que a terra parou por alguns instantes. Imaginei que o sol não saiu, com medo do dia; que só seria dia, por causa do sol, se ele saísse. A chuva é que não caiu e nem haveria de cair. As pessoas, essas sim, estavam na rua, no parque, nos ônibus lotados e no táxi.

Liguei a TV e a TV ligou. Lógico. Não falavam de outra coisa, a não ser da sexta, 13. Tirei o telefone do gancho e deu sinal para que eu fizesse minha chamada.

Aliviado, retornei o fone ao gancho. Não quero falar com ninguém a essa hora da manhã. Percebi então, sobre a pequena mesa onde estava o aparelho, o comprovante de pagamento da conta telefônica.

Ao lado dele estava o bilhete da loteria federal. Aquele da fezinha, da semana anterior.

Quase morri de susto com o numero do bilhete: 131313.