Serviços públicos - possibilidade de suspensão
Por ELAINE MARIA DA SILVA BRAZ | 02/04/2012 | DireitoSUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 HIPÓTESES DE SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO
3 A SUSPENSÃO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO PELO SEU NÃO SEU NÃO PAGAMENTO PELO USUÁRIO E O CDC
4 QUANDO A INADIMPLÊNCIA É DE ENTE FEDERADO: HÁ POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO?
5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
6 CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal demonstra logo no seu preâmbulo a preocupação com a harmonia social e a solução pacífica dos conflitos, bem como, no art. 1º da CF, os fundamentos do Estado Democrático de Direito, como a cidadania e a dignidade da pessoa humana (incisos II e III). Dessa forma, não apenas pelos artigos iniciais, mas por todo o texto, a Carta Política de 1988 é considerada a Constituição Cidadã, prezando os direitos e garantias fundamentais, as instituições democráticas e a organização do Estado, na forma do art. 37, caput, que traz os princípios da Administração Pública, que são a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A observância destes princípios por parte da Administração Pública direta ou indireta tem por objetivo alcançar o melhor exercício das atividades do Estado em seus diferentes níveis (União, estados e municípios). Tais atividades podem ser desenvolvidas através da centralização, desconcentração e pela descentralização dos serviços, onde o Poder Público cria uma pessoa jurídica de direito público ou concede à uma empresa privada a possibilidade de executar determinado serviço público, por meio de um contrato administrativo ou ato administrativo, se transfere a um particular a execução dos serviços públicos, porém, o Poder Público conserva a sua titularidade.
2 HIPÓTESES DE SUSPENSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO
O serviço público tem alguns princípios que lhe são peculiares, tais como o da generalidade, que significa dizer que este deverá alcançar o maior número de pessoas possível; o da continuidade, que quer dizer que a prestação do serviço público deve ser feita de forma contínua, para evitar-se o caos; a eficiência, de forma a satisfazer aos usuários daquele serviço com a satisfação esperada, utilizando-se de novas tecnologias, e modicidade, que se traduz na remuneração do serviço público ser de acordo com o poder aquisitivo daquele usuário, para que o mesmo não seja privado da utilização do serviço. Dentro desses princípios, podemos verificar a norma disposta no art. 175, IV, da Constituição Federal, onde os serviços públicos devem ser prestados de forma adequada.
Feitas as ponderações acerca do serviço público, entramos numa seara bastante nebulosa, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, que é a questão da possibilidade de suspensão do serviço público. Num primeiro momento, estamos tentados a responder que não é possível tal suspensão até mesmo por conta do principio da continuidade, ora aludido. Entretanto, o professor José dos Santos Carvalho Filho[1] assevera que “o assunto deve ser examinado sob dois ângulos” e acrescenta:
O primeiro consiste na hipótese em que o usuário do serviço deixa de observar os requisitos técnicos para a prestação. Neste caso, o Poder Público pode suspender a prestação do serviço, pois que, se lhe incumbe prestá-lo, compete ao particular beneficiário aparelhar-se devidamente para possibilitar a prestação. Readequando-se às necessidades técnicas ensejadoras do recebimento do serviço, o usuário tem o direito a vê-lo restabelecido.
O que se extrai da leitura da obra do professor “Carvalhinho” é que se deve fazer uma distinção entre os serviços públicos que são obrigatórios por natureza e outros que são facultativos, escolhidos pelos usuários e, a partir desta distinção é que saberemos se o serviço poderá ou não ser suspenso. Neste sentido, o doutrinador[2] expressa que:
Se o serviço for facultativo, o Poder Público pode suspender-lhe a prestação no caso de não pagamento, o que grada coerência com a facultatividade em sua obtenção. É o que sucede, por exemplo, com os serviços prestados por concessionárias, cuja suspensão é expressamente autorizada pela Lei 8987/95, que dispõe sobre concessões de serviços públicos (art. 6º, § 3º, II). Tratando-se, no entanto, de serviço compulsório , não será permitida a suspensão, e isso não somente porque o Estado impôs coercitivamente, como também porque, sendo remunerado por taxa, tem a Fazenda mecanismos privilegiados para a cobrança da dívida. Tais soluções são as que nos parecem mais compatíveis na relação Estado-usuário.
3 A SUSPENSÃO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO PELO SEU NÃO SEU
NÃO PAGAMENTO PELO USUÁRIO E O CDC
O regime de concessão e permissão da prestação dos serviços públicos é regulado pela Lei 8.987/95, e muito embora a continuidade seja um dos princípios dessas atividades, o art. 6º, §3º, III, onde prevê a possibilidade de interrupção do serviço público, em que, uma vez comprovada a inadimplência do usuário, não se caracteriza como descontinuidade, porque se deve considerar o interesse da coletividade, porém, um aviso prévio deve ser feito ao usuário antes da suspensão do fornecimento do serviço.
O Código de defesa do Consumidor surgiu para dar mais equilíbrio na relação de consumo, uma vez que o consumidor tem um histórico de fragilidade na cadeia produtiva, seja pelo fato de não dispor dos meios de produção, seja na vulnerabilidade tecnológica ou pela sua hipossuficiência econômica. Para coibir os abusos, evidenciar os direitos, propriamente ditos, do consumidor, protegendo-o, o CDC estabelece os princípios da relação de consumo que, segundo Maria Eugenia Reis Finkelstein[3] “permitem que se chegue a um entendimento harmônico no que tange às regras aplicáveis. Esse ponto é, sem dúvida, o desenvolvimento da Política Nacional das Relações de Consumo, destacando-se a consagração da hipossuficiência e da vulnerabilidade do consumidor”. É a norma disposta no art. 4º do CDC, que apresenta os princípios da vulnerabilidade, da ação governamental no sentido de proteger o consumidor de forma efetiva , a harmonização dos interesses de fornecedores e consumidores, educação e informação, controle de qualidade e mecanismos de atendimento pelas próprias empresas, coibição e repressão de abusos e racionalização e melhoria dos serviços públicos.
Da mesma forma, os direitos básicos do consumidor são previstos no art. 6º da legislação consumerista, dentre os quais, merecem destaque a informação adequada sobre os sobre os diferentes produtos e serviços, com as especificações corretas de composição, qualidade, preço e riscos que apresentem (inc. III); proteção contra clausulas injustas, onde o consumidor pode pleitear a nulidade da cláusula (inc. V); prevenção efetiva e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (inc. VI); facilitação da defesa dos direitos, admitindo a inversão do ônus da prova, quando for verossímil a alegação ou verificada a hipossuficiência do consumidor (inc.VIII) e prestação dos serviços públicos de forma adequada e eficaz (inc. IX).
Por outro lado, por mais que o consumidor seja protegido, o direito não pode permitir o inadimplemento contratual sem justo motivo. Desta forma, uma vez que o serviço público foi devidamente prestado, é devida a contraprestação por parte do usuário, com o efetivo pagamento pelo serviço, uma vez que o ordenamento jurídico repudia o enriquecimento ilícito, tanto por parte do prestador quanto por parte do usuário.
4 QUANDO A INADIMPLÊNCIA É DE ENTE FEDERADO: HÁ POSSIBILIDADE
DE SUSPENSÃO?
Tema que não encontra mansidão entre a doutrina e a jurisprudência é a questão da inadimplência quando esta se dá por parte da Administração Pública. Num primeiro momento, tem-se que o serviço público não pode deixar de ser prestado por conta da inadimplência do Poder Público, tendo em vista o interesse público e a coletividade, que neste caso, irá se sobrepor ao interesse particular.
Entretanto, os Tribunais já estão se movimentando nos sentido de “mitigar” o interesse público, de forma ser possível a suspensão do serviço público, desde que esta suspensão não atinja serviços essenciais e indispensáveis à população, sendo levado em consideração o principio da proporcionalidade, bem como a utilização dos meios adequados, com razoabilidade observando também o menor sacrifício sofrido pelos seus usuários como escolas e hospitais. Neste sentido, texto publicado na rede mundial de computadores[4]:
Mais acertada foi outra decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 460.271-SP, 2ª T., cuja relatora foi a eminente Ministra Eliana Calmon, em 06/05/2004 (Jurisprudência do STJ nº 20, maio de 2004), onde se procurou conciliar a situação de inadimplência e a natureza do devedor. Em sendo inadimplente o Município na obrigação do pagamento de contas de energia elétrica, ficou decidido que a suspensão do serviço poderá atingir certos órgãos, como o ginásio de esportes, o depósito, almoxarifado, paço municipal, a Câmara Municipal. Todavia não poderia alcançar os serviços essenciais como escolas, hospitais, repartições públicas.
5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Da análise do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 2003.37.00.007316-1/MA (TRF 1), em que são partes a União Federal )por seu procurador federal Manuel de Medeiros Dantas), e a Companhia Energética do Maranhão, tendo como origem o Juízo Federal da 5ª Vara do Maranhão e teve como Relator o Desembargador Federal Fagundes de Deus.
Neste caso especifico, trata-se de litígio que versa sobre a interrupção do fornecimento de energia elétrica ao Departamento de Policia Federal. O julgador mobiliza-se no sentido que admitir a suspensão do fornecimento de energia a um ente público que se encontra inadimplente, porém, faz uma ressalva com relação aos órgãos que prestam serviço público na área de educação, saúde e segurança pública, ferindo o nervo central da controvérsia.
Por este motivo, julgou ilícita a suspensão do serviço, argumentando que o interesse individual do fornecedor não deve se sobrepor ao interesse da coletividade, em virtude da essencialidade do serviço público.
No Recurso Especial nº 588.763 – MG (2003/0162458-3), em que são partes a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) e o Município de São Sebastião do Paraíso, que teve como relatora a Ministra Eliana Calmon (STJ), há o entendimento de que a inadimplência pode levar à suspensão do fornecimento do serviço, mesmo que o inadimplente seja pessoa jurídica de direito público, sendo admitido o corte no fornecimento de energia elétrica nas praças, ginásios de esportes, repartições públicas. O fornecimento nos hospitais e escolas deve ser mantido.
Com relação à Apelação Cível nº 0081593-30.2006.8.19.0004, em que são partes Ampla Energia e Serviços S.A. e Elza Hilário, julgado pela Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a Autora resta inconformada com os valores cobrados pela prestadora do serviço de energia elétrica e ajuíza ação cível para ver corrigidos os valores e ainda a condenação da empresa concessionária para não inclusão do nome da consumidora no cadastro de inadimplentes.
A diferença primordial entre os dois primeiros julgados e este ultimo é que, embora em ambos os casos temos uma relação de consumo, os dois primeiros versam sobre direito público e pelas suas normas são tratados, enquanto que o terceiro rege-se pelas normas do direito civil, mais precisamente, pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, permitindo até mesmo que haja reparação por dano moral em caso de ilícitos que extrapolem a esfera do aborrecimento cotidiano.
6 CONCLUSÃO
O serviço público não encontra na doutrina um conceito unânime, porém, não se discute que é inerente ao Estado, fornecido aos usuários diretamente, através da própria Administração Pública ou por terceiros, onde o Poder Público contrata com o particular, para que este realize o serviço, por sua conta e risco, sendo para tanto, remunerado através de tarifa.
A prestação do serviço público pode ser feita de forma coletiva, o que a doutrina denomina “uti universi”, aos quais citamos a segurança pública, prevenção e combate de doenças e iluminação pública; ou pode ter como usuário uma pessoa individual “uti singuli”, como por exemplo o fornecimento de serviço telefônico.
O serviço público é regido por alguns princípios constitucionais, onde deve ser observado sobre todos os princípios o da dignidade da pessoa humana, em que o serviço básico e essencial não pode ser suspenso sobre nenhum pretexto e ainda que haja inadimplência, esta deve ser muito bem revista, de forma que a suspensão do serviço não cause desordem ou caos.
Por este motivo, por exemplo, é que, em caso de greve, que é um direito constitucionalmente previsto, art. 37, inciso VII, deve-se ter um percentual mínimo do serviço em funcionamento.
BIBLIOGRAFIA:
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2009.
FINKELSTEIN, Maria Eugenia Reis & SACCO NETO, Fernando. Manual de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2010.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2009, pág. 318.
[2] Obra citada.
[3] FINKELSTEIN, Maria Eugenia Reis & SACCO NETO, Fernando. Manual de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2010, pág. 23.
[4] http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2612/A-suspensao-da-prestacao-do-servico-publico-quando-o-utente-e-o-Poder-Publico