Serra Pelada: A Nossa Corrida do Ouro

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 18/02/2025 | História

A História do Brasil é constituída de ciclos. Tivemos, por exemplo, o Ciclo do Café e o Ciclo da Cana-de-Açúcar, bem como o Ciclo do Ouro, há séculos. Mas, aquele e dito Ciclo do Ouro não significa que fosse A nossa Corrida do Ouro. A nossa Corrida do Ouro ocorreu num tempo recente: de 1979, no Pará, mais especificamente na Serra Pelada, até a década de 1990, quando foi extinta pelo Presidente Fernando Collor de Mello. 

Em 1979, um fazendeiro da região encontrou uma pepita de ouro, pela qual recebeu um valor considerável. Como dito metal fora achado numa região própria ao garimpo, a notícia se espalhou aos quatro cantos do Brasil. Aos poucos, foram chegando e tomando assento milhares de garimpeiros, provenientes, principalmente, de outros Estados das Regiões Norte e Nordeste. Mencionadas pessoas tinham o sonho maior de tornarem-se financeiramente independentes. 

O garimpo tem seus riscos, do quais irei mais abaixo falar. E tanto são os riscos, que, na época, a realidade dos acontecimentos também chegou a Brasília, mais especificamente ao General João Figueiredo, ditador militar “light” da época. Sem perder tempo, se dirigiu a Serra Pelada, e, percebendo o número cada vez maior de esfomeados a ser apegarem numa, ou numas eventuais pepitas de ouro que lhes alimentasse, disse que o garimpo não deveria ser proibido, mas, sim, regulamentado. Isso porque não tinha consciência do maior risco da atividade garimpeira: a contaminação por mercúrio. 

Por isso, não tomou medidas, como os equipamentos de proteção individual, existentes para quaisquer atividades de mineração, a fim de proteger os esforçados que se agarravam num fio de esperança. Ao revés: a sua “regulamentação” foi a implantação, no local, de uma agência da Caixa Econômica Federal, que seria o único posto onde, por determinação da ditadura, os garimpeiros poderiam trocar seus achados pelo dinheiro a que faziam jus (é interessante que, no próprio sistema capitalista, a ditadura queria impor com quem se podia contratar). Simultaneamente, a região, ao longo dos anos, começou a receber grupos que somavam cerca de cento e dezesseis mil garimpeiros, nas péssimas e insalubres condições daquela disputadíssima montanha. Para organizar o morticínio, nomeou-se a área do Município de Curionópolis (com Serra Pelada como distrito) em homenagem ao Major Sebastião Curió, militar que tinha lutado contra a Guerrilha do Araguaia e que passou a circular pelo local com bastante desenvoltura e autoridade, o que não foi suficiente para, junto aos solados enviados por Figueiredo, inibir os índices de homicídios no “maior garimpo a céu aberto do mundo”, e que chegavam a uma média de oitenta a cem por mês. 

Não obstante não terem sido oferecidos os equipamentos de proteção individual, principalmente em razão da contaminação por mercúrio, cujo uso pode ser líquido (quando se pretende separar as pepitas brutas de ouro dos demais minérios, ou “cozido”, com a mesma finalidade, deixando o ouro à mostra e fazendo com que os garimpeiros inalassem uma fumaça altamente tóxica e corrosiva) mister se faz dizer que a exposição ao dito metal ocasiona danos aos sistemas nervoso, neurológico e linfático, bem como câncer de diversas formas, além de uma menos provável morte imediata. Como a ditadura não conseguiu impedir significativamente a violência entre os próprios garimpeiros, também fracassou, por óbvio, em evitar a sua contaminação por um elemento dos mais perigosos da tabela periódica. 

Mas, com Figueiredo e sua política herdada de continuada distensão, todos tinham uma interpretação de que a liberdade total era a regra, mesmo que a saúde de milhares estivesse à deriva, e que as patrulhas militares não os impedissem de atentar uns contra os outros. Afinal, o que importava era o lucro garantido ao Regime, no único posto em que era permitida a troca. Sim, garimpeiros são livres para se envenenarem e se matarem, mas, para os militares da época, só o que importava era o contrato, compulsório, com os donos do Poder.