Sermão do BOM LADRÃO - Pe. Antonio Vieira na Igreja da Misericórdia de Lisboa

Por Cirineu de Freitas Nunes | 30/08/2015 | Literatura

Sermão do BOM LADRÃO

             O sermão do Bom Ladrão foi pregado pelo Pe. Antonio Vieira na Igreja da Misericórdia de Lisboa, no ano de 1655 ao invés de ser na Capela Real, pois a esta fora direcionado o sermão.                      O intróito é a primeira das três partes de um sermão que diz o plano que se utilizará na análise, o intuito do Pe. Vieira era que basicamente  todos pudessem imitar ao Rei dos Reis. Inicia-se discorrendo sobre dois ladrões  que haviam sido condenados e executados através da crucifixão  (não tiveram direito à defesa). Narra  que quando o bom ladrão (Dimas) pediu a Cristo que se lembrasse dele no seu reino, o Senhor teve a lembrança de que ambos se vissem no Paraíso,  já aparece aqui uma passagem bíblica, uma vez que o Pe. Vieira se utiliza de várias dessas passagens que servirão de base para seus argumentos. A subjetividade, a emoção e o convencimento são expressados no texto através de figuras de linguagens: “Êste sermão, que hoje se prega na Misericórdia de Lisboa” Percebe-se aqui a presença da metonímia.
            A segunda parte de um sermão é o seu desenvolvimento o qual nos apresentará o sermão propriamente dito.
 Uma das características do barroco foi a preocupação com a religião como alívio para as angústias; a literatura barroca procurou conciliar o espiritualismo medieval com o materialismo do classicismo renascentista numa tentativa de equilibrar os contrários por exemplo:
O DIVINO E O HUMANO, O BEM E O MAL, O PECADO E A VIRTUDE, A VIDA TERRENA E A ETERNA, O SAGRADO E O PROFANO, O AMOR PURO E O PECADO, A DÚVIDA E A CERTEZA.
             “Nem os Reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os Reis. Isto é o que hei de pregar. Ave Maria.”
             Nesta citação nota-se o conjunto de idéias com a presença de antíteses bem como o reflexo das oposições acima citado.                     São várias as características barrocas que podem ser encontradas neste sermão que se  apresentam por marcas lingüísticas e floreios literários presentes em todo o texto  e também por fatores como a necessidade do perdão e as maneiras de se alcançá-lo. Para o Pe. Vieira sem a restituição do alheio não se poderia alcançar a salvação. Não se perdoava o pecado sem se restituir o roubado quando o ladrão tivesse possibilidade de o restituir. A restituição do alheio sob pena da salvação,  estavam sujeitos  tanto os  súditos quanto os reis.
           Os ladrões de quem fala o padre neste sermão não são os miseráveis a quem a pobreza obriga a agir de maneira incorreta mas os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera.        É narrado que Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu repreendeu um pirata que fora trazido à sua presença porque roubava os pescadores; porém o pirata respondeu que ele por roubar em uma barca era considerado um ladrão e que Alexandre ao usar uma armada para roubar era considerado imperador.                          O Pe. vieira insinua, metaforicamente, que os reis adquirem um passaporte para furtar.
               Vejamos agora alguns exemplos de uma característica da linguagem barroca que é o uso de frases interrogativas:

 “Ponhamos o exemplo da culpa onde a não pode haver. Pôs Deus a Adão no Paraíso com jurisdição e poder sobre todos os viventes e como senhorio absoluto de todas as coisas criadas, exceto somente uma árvore. Faltavam-lhe poucas letras a Adão para ladrão, e ao fruto para o furto que não lhe faltava nenhuma.. E quem foi que pagou o furto?” 
 Não guardou Adão o preceito, roubou o fruto e ficou sujeito, à pena de morte. Mas que fez Deus neste caso? Lançou-o logo do Paraíso, e cedeu-lhe a vida por muitos anos. Pois se Deus o lançou do Paraíso pelo furto que tinha cometido, porque não executou também nele a pena de morte, a que ficou sujeito? ...quando as pessoas são de tanta importância, e tão necessárias ao bem público, justo é que ainda que mereçam a morte, se lhes permita e conceda a vida.” 
            O vocabulário rico, as comparações, as metáforas, além da dubiedade de sentidos aparecem em muitas passagens do texto, mas há um trecho bastante longo, porém bastante interessante que se apresenta em mais evidência, é guando ele explica as  maneiras de furtar: no modo indicativo, imperativo, mandativo, optativo, permissivo, infinito; acrescenta ainda. que esses modos são conjugados em todas a pessoas e ainda furtam por todos os tempos (por todos os modos da arte). 

            A terceira parte de um  Sermão é a Peroração que é o momento que além de finalizá-lo, os ouvintes são conclamados a seguirem a prática das virtudes propostas como se percebe quando ele faz com que o ouvinte (em nosso caso: o leitor) pense sobre sua citação: “não se pode calar com boa consciência, ainda que seja com repugnância, é força que se diga” ou ainda quando ele narra baseado no que disse Cristo, que é melhor ir ao Paraíso manco, aleijado e cego, que com todos membros inteiros ao inferno.
            Finaliza fazendo uso de repetições, pedindo a Deus que ensinasse com o seu exemplo e inspirasse com a sua graça a todos os reis de tal forma que impedisse os furtos futuros e ainda restituíssem os passados para que no lugar de os ladrões os levassem ao inferno que fossem  ao Paraíso os ladrões juntamente aos reis.