Seria o Relógio a Mãe das Máquinas?
Por Julio Cesar Souza Santos | 17/10/2016 | HistóriaQual a Importância do Pêndulo Introduzido Por Galileu? Quando Houve Efetivamente a Difusão dos Relógios? O Que Tornou Possível a Criação de Outras Máquinas Portáteis?
Precisamente porque o relógio não começou por ser um instrumento prático feito para corresponder a um único objetivo, é que ele estava destinado a ser “a mãe das máquinas”. Pois, os fabricantes de relógios foram os primeiros a aplicar – de forma consciente – as teorias da mecânica e da física no fabrico de máquinas.
Assim, eles se tornaram os pioneiros na produção de instrumentos científicos e os seus legados foram as tecnologias básicas das máquinas-ferramentas. Os dois exemplos principais são a engrenagem (ou roda dentada) e o parafuso.
A introdução do pêndulo (por Galileu) tornou possível a exatidão dos relógios, mas isso só se conseguia com as rodas dentadas divididas e cortadas com precisão. Os relojoeiros aperfeiçoaram técnicas precisas para dividir a circunferência de uma placa de metal circular em unidades iguais e para cortar os dentes da engrenagem com um perfil eficiente. Os relógios também exigiam parafusos de precisão, o que por sua vez exigia o aperfeiçoamento do torno.
Um cientista grego (Hero) concebeu ferramentas para cortar parafusos, embora durante muito tempo fosse considerado uma operação difícil. E, até meados do século XIX – altura em que os parafusos foram feitos com bicos – era sempre necessário preparar um orifício com todo o comprimento do parafuso. Na Idade Média os parafusos de metal foram raros e, durante muitos séculos, eles foram usados na prensa para fazer vinho ou na irrigação.
O relógio mais antigo do mundo (1380) – que ainda funciona na Inglaterra – foi feito sem uma única rosca de parafuso, sua estrutura de ferro é unida por rebites e grande parte da sua construção foi obra de um ferreiro. Mas, a difusão dos relógios só veio com o fabrico de relógios menores e portáteis.
Para serem fornecidos a mosteiros, edifícios municipais, palácios e cidadãos os relógios tinham de ser feitos em tamanhos adequados, tanto para casas modestas quanto para as lojas de artesãos.
Claro que pequenos relógios não podiam ser feitos à marteladas ou forjados por um ferreiro e, para montá-los sem quebrá-los, eram necessários parafusos, os quais tornaram possíveis uma infinidade de outras máquinas portáteis. Óbvio que relógios menores atraíam um vasto mercado, cujas exigências foram motivos para fabricar relógios baratos que as pessoas pudessem comprar.
Na verdade, o relógio instigou os homens a transpor as fronteiras da religião, da língua e até da política. Antes da colonização do Novo Mundo, os movimentos dos artífices exerciam uma influência muito desproporcional ao seu número, pois antes do transporte movido a energia e da produção em massa eram os próprios artífices e não os produtos quem viajava.
Quando os relógios ainda eram máquinas gigantescas no cimo de torres, tinham de ser erguidos onde fossem usados. No início não havia demanda por mais do que um relógio por cada comunidade, o que significava que o fabricante de relógios tinha de ser um viajante.
O 1º relógio mecânico público de Gênova foi construído em Milão em 1353 e o relógio que ainda pode ser visto na Praça San Marco (Veneza) foi – na verdade – levado para lá da cidade de Reggio. E, depois de os relógios terem sido reduzidos a pequenas máquinas houve novas razões para serem feitos próximos dos seus clientes.
Antes do fim do século XV não havia grandes centros de relojoaria na Europa e, dessa forma, o futuro dessas máquinas encontrava-se isolado por montanhas na Suíça e, por mar, na Inglaterra. Em ambos os países existiam pontos de encontro entre artífices de toda Europa a fim de intercambiar seus talentos.
Assim como quatro séculos depois as perseguições nazistas e fascistas transformaram os EUA num centro mundial de ciência e tecnologia, Genebra tirou proveito da ciência e da tecnologia do seu tempo e tornou-se um centro mundial de relojoaria.
No ano de 1600, a cidade suíça de Genebra contava com 25 mestres relojoeiros e um número considerável de aprendizes e artífices. E, antes de terminar o século XVII, mais de 100 mestres e uns 400 artífices produziam cerca de 5 mil relógios por ano.
A Inglaterra protestante se tornou lugar de refúgio progresso da relojoaria, pois embora não fosse uma terra de pioneiros, para ela convergiu grande número de empreendedores estrangeiros. Um desses estrangeiros (Lewis Cuper) saiu da Alemanha para se tornar um eminente relojoeiro na Inglaterra, utilizando a técnica da especialização e da divisão do trabalho entre os aprendizes. Consta que em 1786 foram exportados 80 mil relógios de vários tipos para a Holanda, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Rússia, Espanha, Itália, China e Turquia.
Na história da humanidade os filósofos sempre procuraram modos de controlar o universo e, apesar do seu desdém pelos que projetavam o Criador do universo na imagem do homem, os teólogos não se cansavam de perscrutar o próprio homem tentando encontrar pistas que os conduzissem a Deus.
Mas, agora o homem era um construtor de relógios, um construtor de máquinas que funcionavam sozinhas. Uma vez posto para funcionar o relógio parecia funcionar com “vida própria” e, por isso mesmo, alguns se perguntavam se o universo não poderia ser um imenso relógio posto em movimento pelo próprio Criador? Essa possibilidade inconcebível antes de o relógio mecânico entrar em cena tornar-se-ia a principal estação no caminho da Física moderna.
Esta fértil “mãe” das máquinas era o elo que faltava entre os esforços do homem para dominar seu universo físico e a sua reverência perante seu Criador. No século XVII, o físico Robert Boyle viu o universo como uma grande peça de mecanismo de relógio. O universo de Newton não tardou a promover Deus de relojoeiro a mestre mecânico e matemático. Agora, as leis universais que regiam os relógios portáteis regiam também os movimentos da Terra, do Sol e de todos os planetas.