Sereias

Por Ronie Martins | 20/04/2010 | Crônicas

SEREIAS

Ronie Von Rosa Martins

 

 

No sal. Amarrado ao receio. Da água, mar lágrima. Mistura. Amálgama de dúvidas. A certeza do medo. A suspeita. Corpo preso ao mastro. Paralisado. Movimento petrificado pelo abraço do cânhamo.

Os remos surdos. Os ouvidos outros. Todos mortos. A sinfonia. A música. Distância do braço que rema. Do braço que produz  e reproduz o que o sustenta.

E a música é vida. É opção. E criação além. Da representação, do reflexo, da imagem mesma, a pedra que devora o espelho.

E são lindas. Belas. Palavras soltas. Selvagens. Verbo em primeva forma. E saltam e cantam, discursam em línguas tão antigas, tão fantásticas...

Línguas que se enroscam ao caos, à criação. Língua oriunda do fluxo de todas as forças de todos os sonhos de todos os mares.

Espaço de  contato extremo. Sexo. Prazer. Explosão do corpo e do eu. Implosão do “logo existo”, muito além do mero “eu penso”.

Ulisses é o nome de todo eu.  Recuado em corpo, resumido em ação e movimento, ouve o canto da vida entre amarras e correntes postas.

O que interessa é o ofício.  A prática aqui proposta.

Música, beleza, cultura; desvios.

E a nave surda deve prosseguir sem ouvir. Velejar apenas no traço que o suor demarca.

Cumprir a meta. Objetivo alcançado. Repetir o movimento. Produzir resultado. Acumular poder nas correntes e pelas correntes.

A sereia é apenas um luxo. Objeto de contemplação. Arte como assim definem todos os Ulisses que no mastro recusam tudo que não for factível. Já aos outros... a negação do discurso. A palavra negada. Só o braço. O esforço. Os fins. Material produção.

Não há desvios aos braços. “Não escutem, não escutem!”, Grita poderoso o senhor na altura de sua própria clausura. “Braços! Braços!”

E a arte é só um eco que repica aqui e ali. E a sereia chora abandonada. Renegada.

Não há música para a massa. Não há sereias para todos.