Sentimento sem Adeus

Por Ide Ramacini Betonico | 22/03/2009 | Contos

.Queria sentir aquela alegria contagiante.Olhava admirada os cabelos cobertos por confetes que pareciam bolos confeitados,as serpentinas eram tiras intermináveis. O cheiro de lança-perfume impregnava o salão e chegava  a mim,que inebriada desejava entoar compassadas marchinhas e de mãos dadas  ansiava por rodopiar com os cabelos de bolos confeitados.

-Não, hoje não, aquele porteiro com cara de lua e bigode de vassoura iria impedir minha entrada. Só associados entravam. .Meu coração ficava minúsculo e batia como o ritmo das marchinhas.Adormeci,contando as figuras estilizadas,as bailarinas,as odaliscas,os palhaços.Por uma noite eu fui o que queria

Apressada, minha mãe adentra pelo quarto ao encontro de minha ansiedade:

-Consegui! Conversei com o Sr Antônio ,o porteiro..Veio- me à lembrança o homem sisudo com a cara de lua.

-Ele irá  levá-la para dentro do salão.Eu flutuava.O meu mundo interior estava feliz e salpicado por confetes. Na minha credulidade infantil, sorria, por saber que por pura bondade do bigode de vassoura, eu breve faria parte daquele mundo esfuziante.

Dois vestidos de anjos usados,por mim e minha irmã, no dia de Nossa Senhora, ganhavam aos poucos forma de fantasia de palhaço: uma perna de cetim de cor azul,outra amarela.Animada, mamãe fez um enorme laço com papel crepom de cor vermelha e enfeitou meu colo.Piamente, acreditei ter a mais linda fantasia que uma menina pudesse sonhar. Com um traçado feito com batom vermelho,delicadamente, desenhou um coração nos meus lábios.Com um carvão um bigode.

Sozinha, desci o longo percurso O sol escaldante, queimava meu rosto. Nas ruas vazias as pedras brilhavam, abrindo alas à minha passagem. Galhardamente caminhava estonteante de felicidade. O som das marchinhas se aproximava,acelerei meus passos. Aspirava o ar como se quisesse me intimidar com o aroma do lança-perfume.

Postura ereta, com olhar inquisitivo dirigi-me ao cara de lua:

-Por favor, hoje posso entrar?

-Não me conhece? Minha mãe...

-Como?Quem é você?Sua família pertence ao Clube?

Perplexa, senti  lágrimas correrem e me borrarem as faces. A dor, um abandono cruel fez-me sentir terrivelmente desajeitada e feia. Desencantada, levantei a cabeça para encarar a vida que se mostrou cruel.No meu pequeno e simples mundo, situei-me num ponto que fica entre menina e mulher. O que me deixou mais propensa a ser Mulher.  Aquele pré-climaxmostra-se aindana minha expressão de mulher que ri da vida e gargalha pela vida. A que respeita a ilusão alheia. Sei, hoje, como aquela perplexidade foi para mim  um adiamento, por pressentir naquele desmoronar de fantasias o intenso prazer de viver.O que senti  já  me condicionava para o que hoje sou.Um sentimento que nunca me deu adeus.