SENTENÇAS MANIPULATIVAS: A Problemática com o art. 27 da Lei n. 9.868/99

Por Gabriel Afonso Carvalho Fonseca | 28/02/2016 | Direito

SENTENÇAS MANIPULATIVAS: A Problemática com o art. 27 da Lei n. 9.868/99[1]

 

 

Gabriel Afonso Carvalho Fonseca[2]

                                                                                                                                 Gabriel Cruz[3]

                                                                                    

1.SINOPSE DO CASE:

 

O cidadão e morador João, a se ver prejudicado por uma Lei Municipal (2.222/13), que determinava uma nova taxa de cobrança do Imposto de Propriedade Territorial Urbana (IPTU) em 30 % fixada para o prazo de 30 dias, ingressou em Juízo na comarca de Francisco I (município o qual morava) com uma mandado de segurança objetivando com tal atitude ficar isento do pagamento desse tributo. Com isso, João argumentou com base no artigo 150, III, b da Constituição Federal, alegando ainda que o município criado por uma Lei Estadual (11.472/12) que desmembrou o município Bento XVI, viria de contra a Constituição.

Essa Lei, que desmembrara o município de Bento XVI, segundo o alegado pelo autor (João) viria de contra a constituição por violar o artigo 18, parágrafo 4, por não ter havido nenhum plebiscito; Com isso, ocorrera então que o município de Francisco I não deveria mais ser visto como tal e pediu o João que fosse isento da taxa. Analisando o pedido, o Juiz da comarca de Francisco I o acolheu e isentou-o do pagamento das taxas. Porém, tendo em vista a segurança jurídica e os interesses sociais envolvidos, ele declarou inconstitucional ambas as leis sem declarar sua nulidade.

Quanto à lei criadora do município, sua nulidade fora estabelecida para o próximo pleito eleitoral, pelo fato de já ter tido prefeito eleito e poder legislativo constituído.

2.IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO:

O instrumento utilizado por João foi adequado?

O instrumento que utilizara João é a chamada mandado de segurança, que segundo Bernardo Fernandes (2012) a mesma vem a ser uma garantia constitucional do indivíduo (cidadão) que em caso de deter seu direito ferido ou a eminência desse sinistro, pode vir o cidadão a entrar com essa medida contra o Estado. ‘’Podemos conceituar mandado de segurança como uma ação constitucional de natureza civil e procedimento especial, que visa a proteger direito líquido e certo lesionado ou ameaçado de lesão’’ (FERNANDES, 2012, p.461).

Afirma ainda o mesmo (2012) que esse mandado de segurança não é cabível de habeas corpus e nem habeas data em virtude de ser direcionado a uma ilegalidade praticada por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica exercendo funções ou atribuições públicas (podendo também se tratar do abuso de poder). Prossegue o mesmo afirmando que o mandado de segurança se apresenta ‘’como verdadeira garantia fundamental, entre outras atinentes ao nosso Estado Democrático de Direito’’ (FERNANDES, 2012, p. 461). Com isso, percebe-se que João, ao ingressar em juízo por conta da eminência de deter seu direito lesado, percebe-se que está dentro dos requisitos para que se possa propor a medida de segurança, ‘’lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo. Nesses termos o mandado de segurança poderá ser tanto repressivo quanto preventivo.’’ (FERNANDES, 2012, p. 465).

Tendo em vista apenas essa breve explicação a respeito do mandado de segurança, pode-se ter como resposta única e precisa que sim, o João agiu de forma correta. Porém, ao observar argumentos interessantes presentes na própria continuação das condições para que se possa instituir mandado de segurança do Bernardo Fernandes, ao abordar os casos em que não deve ocorrer mandado de segurança, pode-se ter uma outra resposta não exatamente contrária, mas que revela um outro entendimento baseado no STF focado mais na ação ou omissão da ilegalidade ou ato abusivo, pois, pelo fato de estar presente na obra do autor já citado que ‘’Nesses termos, o art. 5°, da Lei n° 12.016/09, irá explicitar que não se concederá mandado de segurança quando se tratar: 4) Súmula n° 266 do STF: não cabe mandado de segurança contra lei em tese’’ (FERNANDES, 2012, p.472). Prosseguindo no raciocínio do mesmo (2012), lei em tese significa aquela lei que ainda não veio a produzir seus efeitos, voltando para o caso, não houve de fato um ato (comissivo ou omissivo) ilegal ou abusivo que venha a ter lesado direito certo e líquido, nota-se pelo prazo dado para a lei começar a viger, portanto, sob essa ótica desta súmula do STF, não há de se falar em mandado de segurança.

O que são sentenças manipulativas/ sentenças manipulativas?

Segundo Gilmar Mendes (2009), as tais sentenças manipulativas são utilizadas pela Corte Constitucional para não determinar a inconstitucionalidade das normas as quais são lhe submetidas, eles, através de tal sentença manifestam a aceitação. Prosseguindo no raciocínio do mesmo (2009), a Corte Constitucional age como legislador positivo ao adicionar ou substituir ao ordenamento preceitos que a adéqüe a constituição, por isso manipulativas.

Nas palavras do próprio, ‘’Quanto as chamadas decisões manipuladoras ou normativas, assim se consideram as sentenças de aceitação em que a Corte Constitucional não se limita a declarar a inconstitucionalidade das normas que lhe são submetidas, mas, agindo como legislador positivo, modifica diretamente o ordenamento jurídico’’ (MENDES, 2009, p. 147). Complementa o mesmo, o seu próprio raciocínio afirmando que ‘’Daí a existência das chamadas sentenças aditivas e substitutivas, como subespécies das decisões normativas ou manipuladoras’’ (MENDES, 2009, p.147).

No que diz respeito às sentenças intermediárias, pode-se usar um fragmento da obra de Bernardo Fernandes que explicita que ‘’as sentenças intermediárias são o conjunto de decisões (tipologias) as quais o órgão do Poder Judiciário, que controla a constitucionalidade, relativiza o tradicional binômio ‘’constitucionalidade/inconstitucionalidade’’ (FERNANDES, 2012, p. 1234).

Existe previsão constitucional/legal?

Sim, no que diz respeito ao artigo 27 da Lei n° 9868/99 que afirma que: Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. (informação disposta no artigo da própria Lei).

É o que ficou conhecido como ‘’declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade ou declaração de incompatibilidade’’, termo retirado da obra do autor Emílio Peluso Néder Meyer, cujo próprio vem a explicar que ‘’A problemática de uma separação entre inconstitucionalidade e nulidade foi enfrentada pela Corte Constitucional alemã com a criação de uma sentença intermediária específica’’ (MEYER, 2008, p.132). Prosseguindo no raciocínio do mesmo ‘’ trata-se da declaração de inconstitucionalidade sem pronuncia de nulidade ou declaração de incompatibilidade. Por meio desta, o tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma, porém não a retira do ordenamento jurídico’’ (MEYER, 2008, p.132). Isso, levando-se em conta, segundo o autor já referenciado (2008), que a ausência dessa lei geraria mais danos, prejuízos do que a presença da lei inconstitucional no ordenamento.

Há essa previsão constitucional, isso é tido como legal, porém, com base no autor já citado acima (2008), deve-se levar em conta que são apenas em casos excepcionais. Como especifica o próprio ‘’Isso significa que, em certos casos, o órgão jurisdicional estaria diante do impasse de rever as decisões tomadas pelo Poder Legislativo, gerando repercussões no orçamento e levando em consideração razões de outras ordens que não apenas as jurídicas’’ (MEYER, 2008, p.133). No que tange a questão principal deste presente projeto, isso tornará a ser abordado levantando maiores fundamentações.

Elas poderão ser utilizadas em qualquer modalidade de controle?

A resposta é sim para esta pergunta, deve-se levar em consideração que os tipos de controle a serem analisados se baseiam em dois tipos: Controle difuso e Controle concentrado. Segundo Bernardo Fernandes ‘’esse controle de atos normativos em relação à Constituição seria feito pelo Poder Judiciário e, no caso norte-americano, por todo os seus membros (todos os juízes e tribunais) de forma hodiernamente chamada de difusa.’’ (FERNANDES, 2012, p.1106). Com relação a esse controle difuso, será melhor fundamentado no momento em que se farão as fundamentações adequadas para a questão principal do projeto, porém, apenas pelo que já fora relatado, percebe-se que tal pratica é sim admitida sob a ótica deste controle, pois há a previsão legal (art. 27 Lei n° 9868/99) e esse controle pode vir a ser efetivado por todos os membros do Poder judiciário.

No que diz respeito ao controle concentrado afirma Bernardo Fernandes que ‘’a criação de um órgão próprio e específico de controle de constitucionalidade, denominado ‘’Corte’’ ou ‘’Tribunal Constitucional’’ que, diga-se, é o único órgão dotado de legitimidade para a análise da adequação de leis ou atos normativos em relação em relação à Constituição’’ (FERNANDES, 2012, p.1107). O mesmo dito acima a respeito de uma fundamentação mais aprofundada em relação ao controle difuso se repete aqui em relação ao concentrado, porém percebe-se que havendo a previsão normativa, é sim permitido esse tipo de dispositivo no controle concentrado, porém o único órgão que possui legitimidade de efetuar esse controle vem a ser o STF.

Quais os efeitos (objetivos, subjetivos e temporais) da decisão exarada pelo Juízo da Comarca de Francisco I?

Esses tais efeitos podem ser retirados com base na presente sinopse do caso fornecida. Em relação aos efeitos subjetivos, estes se referem os efeitos que envolvem as partes, no caso o indivíduo (João) que tendo em vista que seu direito seria lesado ingressou na justiça, gerando com isso com a decisão do juiz efeitos para as partes envolvidas no litígio, no caso João e o Estado. No que diz respeito aos efeitos temporais, no caso, pelo descrito na sinopse com relação ao juiz ter estabelecido esta nulidade para o próximo pleito, significa então que se trata de um efeito pró-futuro, ou seja, somente no próximo pleito.

Em relação a esse efeito temporal, isso ocorre devido à própria lei que segundo Carlos Marcílio (?) possibilitou ao STF que, levando-se em consideração a segurança jurídica e também o interesse social envolvidos no litígio, restringir com isso os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, podendo vir a produzir efeitos após o transito em julgado ou no momento em que o magistrado decidir. Com relação aos efeitos objetivos, pelo que explicita Gilmar Mendes (2009) de forma bem simples, com relação a esse caso se trata da simples formação de precedente judicial.

3.DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS:

 

3.1 É possível a utilização de sentenças intermediárias de inconstitucionalidade (sentenças manipulativas) no âmbito da prestação jurisdicional de âmbito constitucional pelo magistrado de 1° grau.

3.2 Não é possível a utilização de sentenças intermediárias de inconstitucionalidade (sentenças manipulativas) no âmbito da prestação jurisdicional de âmbito constitucional pelo magistrado de 1° grau.

4.DESCRIÇÃO DOS ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO:

 

4.1 Por tudo que já fora argumentado, deve-se ressaltar que esta decisão somente poderá ser possível tomando como base o controle difuso. Isso pode ser demonstrado no caso como um todo. João, ao tomar conhecimento de tal Lei editada pelos vereadores, tendo em vista a eminência de direito certo e líquido seu vir a ser atingido de forma injusta, ilegal, dispõe ele do seu direito de ação, que nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni ‘’Esse direito de ação, condicionado ou não, foi compreendido, inicialmente, como o direito à obtenção de uma sentença’’ (MARINONI, 2013, p. 31). Isso pelo fato, nas explicações do mesmo, ‘’O Estado, ao proibir a autotutela, assume o monopólio da jurisdição. Como conseqüência, ou seja, diante da proibição da autotutela, ofertou-se àquele que não podia mais realizar o seu interesse através da própria força o direito de recorrer à justiça, ou o direito de ação.’’ (MARINONI, 2013, p.31).

Ao se dispor deste direito que é garantido a todos, propôs o João um mandado de segurança ingressando em Juízo na Comarca de Francisco I. Esse mandado de segurança, nas palavras de Fredie Didier JR. (2013) se trata de uma ação autônoma de impugnação que ‘’é o instrumento de impugnação da decisão judicial, pelo qual se dá origem a um processo novo, cujo objetivo é o de atacar/interferir em decisão judicial.’’ (DIDIER, 2013, p. 26). Prosseguindo nas explicações do mesmo ‘’São exemplos: a ação rescisória, a querela mullitatis, os embargos de terceiro, o mandado de segurança e o habeas corpus contra ato judicial e a reclamação constitucional.’’ (DIDIER, 2013, p.26).

Com toda essa abordagem, pode-se chegar à questão principal deste presente tópico, que se trata da possibilidade de um juiz de primeira instancia proferir sentença intermediária. Pode-se dizer que sim ao se referir ao controle difuso, o qual, retomando a explicação de Bernardo Fernandes (2012), trata-se de um controle o qual pode ser efetivado por todos os membros do Poder Judiciário, por isso recebe o nome de difuso. Com isso, um juiz de primeiro grau poderia efetivar esse controle, utilizando esse tipo de sentença, devendo-se levar em consideração que o artigo 27 da Lei 9868/99 que permite o uso desse tipo de sentença e no caso do controle difuso poderia um juiz de primeiro grau efetivá-lo.

Deve-se levar em conta o que afirma Emílio Meyer (2008), com relação a ser algo inspirado nos tribunais alemão e português e que se tratam de situações excepcionais o qual por via da segurança jurídica e do interesse social envolvido se optam por esse tipo de sentença. Com isso, é algo que detém previsão normativa, não vem de frente contra a Constituição e segundo o controle difuso (norte-americano), pode vir a ser implementado por um juiz de primeira instancia.

4.2 Não seria possível a utilização dessa tendo em vista o controle concentrado (austríaco). Nas palavras de Bernardo Fernandes ‘’esse controle engendrado por Kelsen não é realizado de modo incidental, mas de modo direto pela intitulada via principal, na qual o Tribunal Constitucional analisa se um ato normativo em tese contrária ou não a Constituição, não havendo, portanto, um ‘’real’’ caso concreto’’ (FERNANDES, 2012, p. 1107). É um controle que se faz de forma abstrata e como já explicitado (2012) só há um órgão, uma instancia que poderá efetivar esse tipo de controle e no caso dado, que poderia utilizar esse tipo de sentença e que seria o Supremo Tribunal Federal.

Como no presente caso, a sentença fora utilizada por um juiz de primeira instancia essa prática não poderia vir a ser permitida, pois apenas o STF estaria autorizado de proferir tal sentença. Outro argumento que desfavorece essa prática por um juiz de primeira instância se refere ao que está disposto no próprio artigo 27 da Lei 9868/99, o qual a própria afirma que o órgão competente para efetuar tal ato seria o próprio STF. Esse último argumento favorece muito ao controle concentrado.

5.DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES:

 

5.1Segurança Jurídica, Interesse popular, Competências determinadas em Lei.

5.2 Supremacia da Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

ARENHART, MARINONI, Sérgio Cruz, Luiz Guilherme, Curso de Processo Civil. Vol. 2. Thomson Reuters  Revista dos Tribunais, 11° edição, 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1998.

CUNHA, DIDIER, Leonardo Carneiro, Fredie JR.; CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. Vol. 3. Editora: JusPODIVM, 11° edição, 2013.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. Editora: JusPODIVM, 4° edição, 2012.

MARCÍLIO, Carlos Flávio Venâncio. CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 27 DA LEI 9868/99, disponível em: http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/article/viewFile/218/179, acessado em 3 de Setembro de 2013.

MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gonet. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. Editora: SARAIVA,  7° edição, 2009.

MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade. Editora: Método, 2008.



[1]Case apresentado à disciplina de Processo Constitucional, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 5° período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor, orientador.