Seis passos básicos para o desenvolvimento de ações de prevenção ao suicídio nas instituições de segurança pública
Por Aparecido da Cruz | 13/08/2019 | CrescimentoSeis passos básicos para o desenvolvimento de ações de prevenção ao suicídio nas instituições de segurança pública
*Aparecido da Cruz
As políticas de segurança pública não incluem a saúde mental dos agentes e militares. Percebemos que esses profissionais, de maneira geral, vivem à margem dos programas existentes na área. Os resultados do estudo coordenado por nós mostram que 80% dos policiais não se sentem reconhecidos pela sociedade nem pelos seus superiores. Para o poder público, o investimento é só material: na compra de viatura e na construção de quartéis e delegacias. “Os governantes não enxergam o policial como ser humano, por isso ele se sente cada vez mais descartável e adoentado.” Dayse Miranda
I - Introdução
O suicídio é um desafio para toda a sociedade e principalmente para as instituições de segurança pública, que em seu cotidiano lida com uma serie de fatores que podem ser associados a um potencial gatilho para a prática ou o pensamento suicida entre seus colaboradores. A resposta das instituições, não pode ser o silêncio nem atirar para todos os lados, mas empreender esforços para entender o problema e interessar-se por sua eliminação ou redução em suas respectivas corporações.
A chance de uma instituição lograr êxito nesta batalha depende muito de alcançar às pessoas que precisam de ajuda e para tal dependem de atuar de forma preventiva, atenuando o sofrimento, desenvolvendo a resiliência humana e principalmente, criando mecanismos eficazes de identificação e controle das situações de vulnerabilidade.
É preciso entender ainda que, quando falamos de “suicídios institucionais”, ou seja, próprios de determinado tipo de instituição ou segmento social ou profissional, é preciso observar quatro premissas básicas, a saber:
a – Suicídios globais/gerais, regionais e locais e suas nuances
Exemplo: São Paulo 2000 suicídios ano, média de 6 suicídios dia.
b – Suicídios “próprios” – Segurança Pública
c - Suicídios mistos – Reflexo de ambos os nichos vivenciais que pode se manifestar em ambiente diverso do profissional.
d – Abordagens técnico profissionais.
Exemplo: Tratativa própria para profissionais que lidarão com o evento propriamente dito, como bombeiros e profissionais de urgência e emergência.
A justificativa de considerar estes quatro pontos reside em que as vezes, estamos, ou poderemos estar tratando de forma muito genérica, situações especificas, perdendo com isto a oportunidade de uma intervenção bem sucedida e melhor elaborada.
Quando nos debruçamos sobre o assunto com a atenção devida que este merece e com a especificidade que lhe deve ser norteada, é possível entender os passos que se seguem, como ferramentas de prevenção e melhoria da qualidade de vida aos colaboradores de nossa querida segurança pública.
II – 6 Passos básicos
Passo 1 – Introspecção institucional
É preciso olhar para dentro, examinar dentro e resolver dentro para refletir fora da instituição. È necessário fazer a lição de casa, observando comportamentos e diligenciando situações, não só de forma bombeiril, apagando incêndios, ou promovendo uma cultura de reativismo, mas antecipando-se aos fatos com profissionalismo e conhecimento pleno.
A maior parte das instituições de segurança pública, são instituições centenárias, possuindo em seu cabedal, milhares de ótimos profissionais e produções acadêmicas fantásticas, trazendo em seu bojo a historia, legado e memórias institucionais que podem e devem servir de base para o desenvolvimento não só dos perfis operacionais desejados, mas e também humanos, pois afinal, não é a farda, a viatura, os equipamentos e o uniforme do agente de segurança e sim a pessoa humana que está ali, por trás ou por dentro do aparato disponível a sociedade.
Acredito que se as instituições realizarem esta introspecção, perceberão que há muito a aprender consigo mesma e com sua própria realidade, sem, contudo, fechar-se nas caixas do achismo ou verdades absolutas, mas coadunando expertise interno e externo, de forma interinstitucional, ativando uma ampla rede de conhecimento sobre a temática e outras formas de cooperação eficaz.
Passo 2 – Fortalecimentos dos elos das redes de proteção
São considerados elos indispensáveis das redes de proteção, dentre outros, a família, os grupos sociais e religiosos e as próprias instituições, quando estas reduzem seus níveis de “toxidade” e atuam no fortalecimento da proteção humana integral.
O desenvolvimento e fortalecimento dos elos das redes de proteção são um suporte institucional que detém um importante papel na promoção da saúde em seu sentido mais amplo, proporcionando resiliência em contextos estressores e, portanto, redução das vulnerabilidades para diversos tipos de agravo a saúde física, mental e espiritual.
Passo 3 – Cadeias de comando uniforme e não disforme
Pessoas são pessoas, com seus jeitos, trejeitos e sujeitos, no entanto, ao assumir um papel institucional, precisam desenvolver-se melhor como pessoas que atuam com pessoas e não com ou como máquinas.
Como bem diz em seus discursos o General Campos, atual Secretário de Segurança Pública de São Paulo, ”é preciso olhar no olho e ver a alma”, ou seja, é preciso conhecer bem as pessoas com que se relaciona profissionalmente, a ponto de pelas “janelas da alma” identificar possíveis dificuldades e identificando-as ser luz em meio à escuridão, caminho certo em meio a confusão, refúgio seguro em meio a guerra e saída plena para quem acha ou se sente encurralado por situações da vida.
De igual modo é preciso reavaliar as ingerências das lideranças meramente políticas nos contextos de segurança pública, visando minimizar os impactos negativos de posições algozes e seus discursos inflamados contra os profissionais de segurança pública. Os termos pejorativos “robozinho do governo” e “pau mandado do estado”, podem não parecer, mas são altamente radioativos, dando margem para um pensamento de mediocridade, falta de valor e insignificância, convertendo-se em profunda frustração, falta de expectativa e posterior impotência, onde se cumpre a frase “onde morre o sonho, morre o ser humano”.
Passo 4 – Especificidade contextualizada
Como a instituição de segurança pública trata cada caso de suicídio? Trata genericamente, ou trata com especificidade e minúcia?
Há um serviço sério, imparcial, autônomo, capaz de trazer mais que dados estatísticos? Existe a preocupação em apurar se as causas de um suicídio podem estar atreladas a um problema interno ou a uma situação relacional hierárquica com prejuízo pessoal? Houve algum tipo de coação, ou assédio?
Essas e outras perguntas precisam ser respondidas, a fim de obtermos uma maior taxa de assertividade, corrigindo distorções e quando necessário identificando e extirpando possíveis envolvidos com a situação.
Passo 5 – Canal de confiança
Qual é o canal de confiança que a instituição disponibiliza a seus profissionais e como ele funciona?
Certa ocasião, acompanhando algumas pessoas que eram atendidas por um serviço de saúde em uma instituição de segurança pública, fiquei pasmo ao ser informado de que o que se conversava com o profissional de saúde e de “confiança” só não saia no boletim institucional porque ficaria muito escrachado.
Ou seja, às vezes este tipo de comportamento institucional insalubre, pernicioso e desumano pode ser o pingo que faltava no copo das dificuldades que o profissional pode estar enfrentando. Desenvolver, portanto, um canal de confiança, com profissionais probos e de confiança, ainda é um grande desafio a ser vencido pelas instituições de segurança pública a bem de todos os seus colaboradores e de toda a sociedade.
Passo 6 – Promoção e fortalecimento da resiliência humana
Para ver e sentir a vida, é preciso reforçar propósitos e objetivos, além de focar nos melhores momentos de nossa existência. Tal missão pode ser promovida e fortalecida através de ações simples e que ajudem no desenvolvimento da resiliência humana.
Não são poucas as leituras e materiais sobre o tema resiliência humana, a resiliência não é uma questão de mudar o fato ocorrido, mas sim de se posicionar frente a ele de tal forma que seja possível superá-lo, portanto, adaptação pode ser a palavra-chave frente ao problema ou fato estressor, o que deve remeter as instituições ao desenvolvimento de conteúdo em suas formações que fortaleçam esta necessidade que faz o ser humano mais forte e o profissional com mais e melhores resultados.
III – Conclusão
Este artigo teve como proposta colaborar na percepção institucional das instituições de segurança pública, quanto a sua responsabilidade de introspectar-se e com isso fortalecer os elos da proteção a vida e conseqüentemente promover a prevenção ao suicídio.
Buscou ainda fomentar, de forma muito breve e concisa, uma visão mais especifica, objetivando contribuir para uma práxis institucional mais integradora, inclusiva e acolhedora, bem como ao mesmo tempo, ao desenvolvimento de programas mais bem estruturados no enfrentamento a este inimigo silencioso denominado suicídio.
Não foi objetivo deste autor, minimizar ou esgotar um assunto de tão grande importância e alta complexidade, mas deixar sua colaboração para que estudos mais significativos possam ser desenvolvidos, uma vez que a experiência do autor está em sua vivência no segmento de segurança pública, ora como profissional operacional da área, ora como gestor ou ora como capelão atuante no segmento policial a anos.
Espera-se, portanto, que os passos elencados sugiram uma investigação também criteriosa sobre a tratativa que se dá ao tema nas instituições de segurança pública, atentando de maneira positiva para eliminar ou ao menos atenuar discrepâncias encontradas nas mesmas instituições. Pois a vida, por vezes sofrida, é um dom, no qual todos tem responsabilidades coletivas e individuais e as instituições triplicam tal responsabilidade, pois é em seu nome que os profissionais muitas vezes suportam seus revezes sem a devida cobertura psico socio e espiritual tão necessária a sua salubridade.
IV – Referencias Gerais
II Seminário Internacional de Segurança Pública e Gestão da Atividade Policial. Anotações do autor. 06 e 07 de agosto de 2019, São Paulo.
Brasil. Curso de Prevenção ao Suicídio. AVASUS. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.
CRUZ, APARECIDO. Capelania Policial 3i. Guarulhos: SOBRAPH, 2018.
CRUZ, APARECIDO. Livreto Primeiros Socorros pela Fé. Guarulhos: SOBRAPH, 2019.
Portal Metrópoles. Artigo Quando a policia adoece. Disponível em: https://www.metropoles.com/materias-especiais/gatilho-para-suicidio-doencas-mentais-viram-epidemia-entre-policiais?fbclid=IwAR3uHRf1GbwJOo25X5J0TEAu8svr6aObWe7UYGXG3f9e0QJb56uq_os-k_E Acesso em 29 de julho de 2019.
Winther, Lucia. Palestra na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Anotações pessoais do autor. 01 de agosto de 2019, São Paulo.
*Aparecido da Cruz é gestor de segurança pública e privada, profissional de educação física, capelão chefe da Capelania Policial 3i e autor do livreto “Primeiros Socorros pela Fé” distribuído a centenas de profissionais de segurança pública em todo o Brasil. É ainda, autor independente de dez livros, outras literaturas, diretor da Sociedade Amigos do Exército Brasileiro – SAEB e da SOBRAPH – Sociedade Brasileira de Proteção Humana.