Seis mil bastarão?

Por Central Press | 17/05/2013 | Sociedade

No final do século XIX o Brasil facilitou bastante a vinda dos europeus que, supostamente, trabalhariam nas lavouras, substituindo a mão de obra escrava em vias de ser libertada. O que aconteceu foi que esses imigrantes cumpriram sua própria agenda, dando vazão à vocação empreendedora, com grande proveito para o comércio e a incipiente indústria nacionais, uma minoria se resignou fazer o inicialmente programado. Importar mão-de-obra significa receber pessoas completas, com seus sonhos e aspirações, suas famílias e necessidades.

É essencial refletir sobre isso, quando ouvimos notícias sobre a contratação de médicos formados em outros países, já que, durante anos, a implantação de novos cursos de medicina, ou a ampliação de vagas nos existentes, foi dificultada supostamente por preocupação com a qualidade do ensino que se ofertaria.

Garantir formação de qualidade deve ser prioritário, tanto para as instituições de ensino, estudantes, professores, quanto para toda a sociedade. Seria criminoso permitir que se formasse qualquer profissional abaixo de padrões adequados à sua função.

Infelizmente, também havia outros motivos para a criação de obstáculos: talvez corporativismo dos que desejam manter o mercado reservado para poucos, talvez miopia, ou ambos.

Afirmava-se que o Brasil contava com o número de profissionais necessário e suficiente para atender à sua população, brandiam-se estatísticas e recomendações da Organização Mundial da Saúde para provar isso. Ocorre que a distribuição dos profissionais no território nacional é irregular; de nada adiantará a um prefeito de município distante, necessitando contratar médicos, saber que no Rio de Janeiro há 3,6 médicos por mil habitantes, e que isso é mais do que o dobro do que preconiza a OMS. A experiência mostra que muito poucos desses profissionais desejam sair dos grandes centros para viver na Amazônia profunda, mesmo com salários generosos.

É natural e humano que se prefira trabalhar em lugares que ofereçam boas condições de instalações, equipamentos e pessoal, e que possibilitem atualização constante, essencial para todos os profissionais, além de assegurar conforto, segurança, boas escolas e lazer aos familiares. Regiões mais remotas, as que têm maior carência de profissionais de saúde, não cumprem todos esses requisitos.

Entende-se a preferência por permanecer nos centros maiores, ainda que cumprindo jornadas em vários empregos para conseguir sobreviver. Mas há milhares, possivelmente milhões, de brasileiros praticamente desassistidos por falta de médicos em suas regiões.

O governo federal tenta resolver o problema com a contratação no exterior, cerca de seis mil deles, a princípio de Cuba, Portugal e Espanha. Solução adotada em muitos outros países, onde grande parte dos médicos é estrangeira. Há problemas na implantação, exige-se a realização de um exame de reconhecimento de diploma, o Revalida, que tem tido um índice de aprovação muito baixo. Órgãos de classe abominam a medida, mas apresentam, como única alternativa, a melhoria das condições de trabalho em nível não realizável sequer em médio prazo.

O país tem uma tradição de generosidade no acolhimento a estrangeiros, e esses profissionais necessários serão bem vindos, mas é completa ilusão considerar que virão para permanecer por muito tempo trabalhando em rincões distantes.

Está provado que o país tem uma enorme carência de médicos, e há milhares de jovens que sonham fazer um curso de medicina, muitos deles com a competência e a disciplina necessárias para isso, e que esbarram na falta de vagas.

Quando existem mais profissionais do que o estritamente necessário, e isso ocorre na maioria das profissões, é esse suposto excedente que garante as substituições, expansões e o atendimento aos locais e setores menos atraentes, mas tão importantes quanto os demais. A população destas regiões certamente merece.

Wanda Camargo, educadora e assessora da presidência das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.