Segurança alimentar: agroecologia, uma alternativa (Parte IV)

Por Romão Miranda Vidal | 12/02/2010 | Sociedade

Segurança alimentar: agroecologia, uma alternativa (Parte IV)

Este artigo está estribado em trabalho publicado pelos Srs. MIGUEL ALTIERI, PETER ROSSETE e LORI ANN THRUPP - REVISTA DEL SUR - JULHO/AGOSTO DE 2002 - URUGUAI

OS PEQUENOS TAMBÉM SENTEM FOME

O que é mais contundente: a fome ou a pobreza?

Vamos então por parte: a fome. Ela é triste, avassaladora, cruel e chega a matar. Quem lê textos bíblicos entende o porquê de até hoje Israel e Palestina não se entenderem. Qual a causa originária? Um prato de ervilhas provavelmente em que a primogenitura estava em jogo. Mas a fome também se fez presente.
A fome como hoje está sendo tratada pode ser interpretada de várias formas. Uma pessoa que receba R$ 50,00 continuará passando fome da mesma forma que estava antes de recebê-lo. Por que continuaria passando fome? Porque conforme a região, não se tem nem comida para comprar. Ou alguém entende que o simples fato de se distribuir um vetor que dê direito a comprar comida em uma região seca e paupérrima faz as coisas funcionarem como em um conto de fadas?
A fome é mais contundente por vários motivos. Mesmo tendo os R$ 50,00 por mês, o que se pode comprar em uma região em que até a água é vendida?

Já a pobreza, quando existente, pode produzir alimentos por parcelas menores que sejam. Um terreno com 100 metros quadrados produz alguns quilos de alimentos. A AGROECOLOGIA que o diga. Então, pobreza é uma coisa, não se vive com menos de US$ 1,00 por dia, mas pode-se comer.

A AGROECOLOGIA se apresenta como uma alternativa para se iniciar um processo de recuperação. Recuperação esta que se volta para os sistemas de produção, diferentemente do que prega a REVOLUÇÃO VERDE, em que o emprego maciço de tecnologias pesadas exclui por assim dizer o pequeno produtor. Há a necessidade premente de se voltar alguns passos e ver como nossos antepassados procediam. E não só nos antepassados podemos encontrar exemplos, mas também nas populações nativas.

É sabido que este processo o qual a AGROECOLOGIA se predispõe a reavivar (modos e formas de produção de alimentos, digamos ecológicos), torna-se difícil de ser implementado em uma exploração agropecuária de escala. Mas se não o é em tal proporcionalidade, por certo o será para os pequenos que também sentem fome.

A AGROECOLOGIA, antes de ser vista pelo prisma da utopia e da contestação, é na realidade a forma mais humana e econômica do pequeno buscar a sua auto-sustentação e suficiência em termos alimentares e sociais. Não se faz necessário aqui desfiar o rosário de enunciados e posicionamentos dos defensores da AGROECOLOGIA, mas o simples fato dela se apresentar como uma das inúmeras alternativas para que os cidadãos da NAÇÃO DOS COM FOME consigam enxergar um novo horizonte. Já é o bastante.

Não fará mais nenhum sentido agora criticar o que até não foi feito, e o que então se fez em termos de FOME ZERO. Pois da forma como se apresentou, ante lágrimas presidenciais refletidas na calva do então responsável pela saciedade de comida, o que se tem é mais que um emaranhado de idéias, conceitos e posições.
O momento então é de se buscar de forma responsável (inexistente até então) o caminho para utilizar todas as experiências práticas e viáveis que a AGROECOLOGIA apresenta, para que se inclua nesta jornada os pequenos que também sentem fome. Pequenos no sentido de produtores rurais e até suburbanos.

Arrisco e humildemente sugiro que se mantenha esta posição de alimentar os famintos do Piauí. Mas que esta posição assistencialista se defina em termos de duração e que apresente as alternativas para que este povo se posicione na busca alternativa da sua comida e solução para a sua pobreza. Mas também o faço no sentido de se buscar nos estados em que existem PROGRAMAS DE AGROECOLOGIA, capitaneados por empresas de crédito, assistência técnica, por ONG s, por estabelecimentos de ensino superior, um processo de "famintologia" (o Aurélio se virou no túmulo), em que se pesquise o porquê da existência da fome. Não adianta discursar que os famintos fazem parte dos excluídos. Isto é discurso de campanha política. Tem-se que pesquisar a razão que os levaram a esta situação de penúria alimentar e, a partir destes diagnósticos, tentar (re) invertê-la e evitar que novas situações venham a surgir.

A sugestão é que se inicie nos municípios onde existem PROGRAMAS DE AGROECOLOGIA, o combate à fome, em especial para os pequenos. É a forma mais racional de se produzir alimentos em um primeiro momento, de forma organizada, sustentada e dirigida. Não se poderá afirmar que todas as modalidades da AGROECOLOGIA serão aceitas de uma maneira geral. O que se tem que buscar é a essência da individualidade e particularidade de cada município e de cada comunidade. A generalização por si só é burra.

A AGROECOLOGIA como um dos caminhos auxiliares para o PROGRAMA FOME ZERO, poderá ser o que muitos ainda não enxergaram e provavelmente não venham a enxergar. É na simplicidade do amanho da terra, em combinação com fatores naturais presentes, usando-se determinados ensinamentos atávicos, mas melhorados no presente, que se pode produzir alimentos, municipal e distrital mente, sem a necessidade de caravanas políticas e dispêndios financeiros. O importante neste momento não é só a preocupação de alimentar. Acrescente-se a isto mais dois itens de preocupação: como alimentar e por quanto tempo manter-se uma política assistencialista de alimentação.

O BRASIL se apresenta ao mundo como arauto da solução das mazelas relacionadas com a fome. Chama para si a atenção do mundo, quando esquizofrenicamente sugere ao mundo que se una em uma campanha de combate à fome e à miséria. Ora, seria muito mais convincente se o BRASIL se apresentasse ao mundo munido, não de uma solução, mas sim de várias soluções de como se combater a fome. Tem-se por certo em um país como o nosso, situações, senão assemelhadas, ao menos parecidas com determinadas áreas do mundo onde a fome e a miséria se fazem presentes. Pois bem. E é notório que existem no BRASIL, já implantados e também em estudo, PROGRAMAS DE AGROECOLOGIA destinados a tais situações.

Então o que seria mais adequado? Pedir ou apresentar soluções?

As críticas não irão nos levar a lugar algum, e isto é real. O que interessa de momento é que as estruturas vivas de uma sociedade busquem em cada segmento produtivo a maneira mais adequada de se incrementar em cada município brasileiro, PROGRAMAS DE AGROECOLOGIA para combater a fome.

Na EUROPA e no JAPÃO, existem ao lado das estradas de ferro, pequenos canteiros de não mais de 10 metros quadrados. Eles estão situados próximos e quando não pegados aos trilhos. Pois bem, aos sábados e domingos, uma composição especial, parte de uma cidade, vai parando e deixando pessoas, que praticam ali, naqueles isolados e distantes canteiros, o cultivo de alimentos, temperos, flores ou que seja lá. Estas pessoas vivem em países já sem fronteiras agrícolas, mas buscam alternativas para a produção de alimentos. E o que mais chama a atenção é o fato de que praticam a AGROECOLOGIA como parte ciente e inerente do que estão fazendo, antes para si e depois para os outros. Pois é mais lógico poder produzir para primeiro se alimentar, para que se possa então produzir para alimentar os seus semelhantes.

A situação a ser buscada neste momento de fato não é a de distribuir este ou aquele identificador para se adquirir alimentos. Ao contrário. Buscar a forma mais dinâmica de produzir dentro de um micro universo, onde sabidamente se têm os conhecimentos da geografia da fome.

Caberá sim, aos grandes produtores, partidários ou não da REVOLUÇÃO VERDE, auxiliar e apoiar as medidas que hoje se colocam. Mas também há de se buscar o bom senso, de que antes será necessária a radiografia exata da situação, digo até mais uma radiografia tridimensional, para que se possa obter não só o quantitativo, mas o qualitativo do total a ser atendido, e como serão os procedimentos mediante esta radiografia tridimensional da fome.

Não deixem os pequenos morrerem de fome, enquanto os grandes em seus banquetes são partidários da bulimia.

Não deixem os pequenos sofrerem as dores físicas da fome, enquanto os grandes em seus banquetes recusam pratos quando o filé não está "ao ponto".

Não deixem os pequenos suplicarem restos de comida, enquanto a caravana ministerial e presidencial gasta algumas centenas de reais, que poderiam ser destinados, pelo menos simbolicamente, à compra de algumas toneladas de farinha de mandioca, feijão e arroz.

Não deixem os pequenos morrerem de fome, enquanto os grandes vivem a desperdiçar alimentos, pois a cada pequeno que morre de fome, morre também a esperança em um mundo mais justo.

Não deixem os pequenos escarafuncharem os lixões em busca de um naco de carne putrefata, enquanto os grandes continuam a não pensar que somos todos iguais perante DEUS e iguais perante a morte e na decomposição dos nossos cadáveres.

 Médico Veterináro Romão Miranda Vidal