SE NÃO LUTA, NÃO ESTUDA!

Por Maria Aparecida de Oliveira Souza | 21/07/2014 | Educação

Desde pequena sempre convivi com o mundo da leitura. Minha mãe sempre trabalhou na roça, com meu pai e como tinha que fazer as coisas de casa e, por eu ser pequena, meu pai tinha que me colocar para dormir e não sabia cantar músicas de ninar. Então, ele lia para mim Literatura de Cordel. Sabe o que é mais engraçado? É eu amava o som da voz dele, e enquanto ele estava lendo, eu não dormia, e se ele parasse, eu chorava. E ele voltava a ler. Mamãe quando ia ver eu ainda não estava dormindo, aí ela dava uma bronca e ela mesma cantava para eu dormir. 

            Eu fui alfabetizada com 5 anos pela minha mãe e pelo meu pai. Quando eu tinha 6 anos, fui matriculada na escola particular Nossa Senhora Aparecida, pois as escolas públicas só pegavam crianças a partir dos 7 anos de idade.  Como eu já sabia ler com grande desenvoltura, não tinha como estudar em escola pública.

            Quando fui estudar nesta escola eu era bem pequena e nunca conseguia acompanhar a turma. Ficava atrasada na hora de copiar a tarefa; às vezes ia para casa sem copiar a tarefa, pois não conseguia terminar a tempo. Então, minha mãe foi até à escola falar porque eu não estava levando exercício de casa; foi aí que o professor Domingo Ferreira disse que eu era muito desatenta e não coseguia terminar a tempo. Aí, ele perguntou se podia me deixar de joelho no pé do quadro até que eu copiasse tudo ou me desse umas boladas, pois era assim que ele chamava as batidas com a palmatória feita de madeira. Eu fui salva por minha mãe que era contra estes tipos de castigos; mais uma vez por causa da tabuada que não soube responder; ganhei uma bolada, mas foi a única vez que aconteceu. Mas, os meus colegas não tiveram a mesma sorte e sempre que aprontavam ganhavam bolo e ficavam de joelhos em cima de grãos, no pé da lousa.

            Estudei pouco tempo nesta escola e depois mudamos de Rio Maria para o município de Trairão, na comunidade de Bela Vista do Caracol. Passei a viver em uma vicinal chamada 27 e lá comecei a estudar em uma escola chamada...                                     Eu morava a 6 km da escola, e todo dia fazia um percurso de 12 km a pé, todo dia, mas como eu era muito pequena, com meu irmão a brincar pelo caminho e com isso começamos a chegar de noite em casa. Isso foi o suficiente para meu pai nos tirar da escola com 7 anos, na metade da 2ª série.

Passei um bom tempo sem estudar, até que meus pais mudaram-se para outra vicinal chamada 29. Nesta nova morada o percurso para esta nova escola era de 6 km. Como a escola Nicias Ribeiro era considerada perto; meu pai colocou meu irmão que foi mandado de volta à escola, mas como eu tinha 11 anos, meu pai disse que eu estava muito velha para voltar às aulas e também disse que mulher que voltava às aulas com minha idade e tamanho só prestava para namorar o professor. Para meu azar eu era bem alta para minha idade, é isso só piorava minha situação. Depois de um ano, este professor foi embora e veio a irmã dele. Como meu irmão já estudava, a professora ficou sabendo que ele tinha uma irmã, pelo fato de ele nunca chegar sem nenhum erro nas tarefas, então aproximou dos meus pais e com isso ela conseguiu a confiança deles. Foi neste momento que ela descobriu o porquê de eu estar fora da escola. Então, juntou força com minha mãe e depois de longos 6 meses, até que ele aceitou. Depois que elas conseguiram, ele me falou que no dia que ele soubesse que estava envolvida com patotinha de amigos ou namorico apanharia e sairia da escola e, se por acaso, tivesse idade casaria e sairia da escola, já que toda mulher casada que voltava à escola era só para trair o marido.

Então, eu voltei às aulas com 12 anos, já bem atrasada, as aulas tinham começado; tive que correr atrás do prejuízo, mas o bom era que meu pai me ajudava com as tarefas de casa e a paciência que ele não tinha quando me alfabetizou; agora se interessava e me ajudava, mesmo porque trabalhava o dia inteiro. Às vezes, eu estava tão ansiosa que nem esperava ele banhar e ele nunca dizia que estava cansado, sempre sorria e sentava para me orientar. Como ele sabia as quatro operações e sempre lia para se manter atualizado, eu só precisava prestar muita atenção às aulas da professora Janete do Nascimento e dizer para ele o que ela queria que eu fizesse.

O tempo passou e cheguei à 4ª série e tive que mudar para escola Bela Vista do Caracol, que era a mais próxima de da minha casa e ficava apenas a 8 km de casa que, de caminhão Pau de Arara, íamos até à escola. No inverno tínhamos que empurrar o carro nas ladeiras que não era poucas; tínhamos que levar a farda na sacola; vestir na escola; depois de um banho. No verão, a poeira nos deixava com gripe por muito tempo ou às vezes com renite alérgica. Como o sofrimento era muito grande e tínhamos que levantar de madrugada e andar 3 km para pegar o carro e andar mais 8 km para pode chegar a tempo de entrar na sala, às 7 horas 30 mim. Quando chegávamos em casa, meus pais já estavam esperando para irmos trabalhar na roça, às vezes na extração de palmito ou na produção de farinha ou até mesmo ficar em casa cuidando do meus irmãos. Por isso, meu irmão não conseguiu aguentar a pressão e acabou desistindo na metade do ano da 5ª série, então meus pais mudaram para a faixa da BR 163 para eu poder continuar estudando.

O tempo passou e conclui a 8ª série e então passei a estudar na escola José Megale, um prédio emprestado para a escola Everaldo Martin, uma estadual onde funciona o segundo grau regular e modular. Na minha comunidade o Ensino Médio funcionava à noite e o trato do meu pai ainda funcionava; se desobedecesse estaria fora da escola, com o coro quente; por isso eu não podia vacilar, então continuei estudando.

Com o passar do tempo, meu pai começou a dizer que, se eu terminasse os estudos, eu poderia cursar uma faculdade, mas quando terminei ele me deu de presente um lindo anel e a pior de todas as notícias, esta veio me pegar de surpresa, pois até ali eu não tinha percebido que ele não acreditava que eu terminaria os estudos e cumpri o trato. Depois de tudo, ele me falou que eu não iria mais estudar, meu mundo caiu naquele momento.

Passei um ano parada, sem fazer nada, ou seja, só trabalhando em casa e na roça. Como eu tinha trabalhado 6 meses substituindo uma professora na Escola Alexandre Primo, a diretora e os pais gostaram do meu trabalho e me ofereceu para trabalhar como professora e responsável da Escola Nicias Ribeiro. Mas, como eu já conhecia esta escola não aceitei, pois lá os professores só faziam o que alguns pais queriam; muitas vezes os filhos queriam fazer o que bem entendia, e quando o professor chamava à atenção, a criança saia da escola, ia em casa chamar os pais, e estes vinham e humilhavam a professora na frente dos alunos. E mesmo que os outros pais não gostassem, não faziam nada, pois tinham medo de retaliação, então preferiam ficar quietos, já que nem a direção da escola podia fazer nada, pois estes pais tinham apoio do mais alto poder do município. Se um desses pais falasse algo, qualquer empregado desta região perdia o pescoço. Por este motivo não quis aceitar o trabalho. Depois me ofereceram trabalho na escola Bela Vista do Caracol e eu aceitei, já que era a mesma escola na qual eu estudei, da 2ª série até a 8ª série, no 1º grau; e da 2ª até a 4ª série, com direção e da 5ª série a 8ª estudando nela. Com isso recebi a grande oportunidade de aluna dos professores de lá, ser colega de trabalho delas. Então me deram a turma de 4ª série e duas semanas antes das aulas começarem fomos, eu e todos os funcionários, chamados para ornamentar a sala e fazer planejamento anual e plano de aula. Todos os novatos foram informados como eram suas turmas e a minha turma sempre que eu perguntava como era, eles se limitaram a falar quantos eram e nada mais disseram, pois sempre alegavam estarem ocupados e sempre fugiam das perguntas. As aulas começaram, e no primeiro dia, todas as mães vieram entregar seus filhos na escola, e cada uma por sua vez me diziam, todas ao mesmo tempo, não quero que meu filho sente perto do filho de fulana.  Quando terminaram foram embora e eu saudei os alunos e poucos responderam, depois me olharam e, a maioria deles, virou a cadeira, formando grupinhos e me ignoraram. Foi aí que entendi o porquê de ninguém querer falar sobre a turma. Todo o meu planejamento não serviu de nada; tive que mudar tudo e  fazer todos os meus planos com base na minha nova realidade.

Depois de um ano trabalhando, minha diretora me falou que eu tinha que fazer um curso superior ou perderia o trabalho. Chegando em casa falei para minha mãe que ficou bem preocupada, mas ela não tinha se preocupado à toa, pois sabia que seria quase impossível de convencer meu pai da necessidade de eu voltar a estudar. Mas, para minha surpresa a minha diretora me entregou uma ficha para que eu preenchesse e entregasse no dia seguinte, a qual era para eu fazer o vestibulinho da FAI, no Trairão. Eu mal podia acreditar na chance que tinha na mão, mas a alegria durou pouco. Foi aí que me lembrei que teria que enfrentar meu pai. Então, quando cheguei em casa, fui logo falar com meu pai. Era agora ou não, teria coragem de falar. Fui logo sentando na sala e comecei a dizer que tinha que voltar a estudar. Ele me olhou no rosto e disse que eu é que sabia, isso ele falava, pois sabia que eu era insegura, nunca fazia nada por medo do desafio ou mesmo por obediência.  Então eu disse: se é eu que sei, vou me matricular amanhã, foi o que eu disse a ele. Até então, ele não estava acreditando. No outro dia, levei a ficha preenchida para a diretora, e quando ela recebeu e viu, pensou que era uma brincadeira. Eu disse que não, mas eu não tinha muito tempo para estudar, já que eu era a única que faltava. Quando cheguei em casa, meu pai estava se pisando e logo que botei o pé em casa, ele veio logo perguntado se eu queria mesmo estudar e como confirmei que sim, ele disse que eu poderia estudar, mas teria que pagar os meus estudos, pois ele afirmava que mulher que se forma só servia pra sustentar marido preguiçoso. E como eu trabalhava já há um ano, tinha minhas reservas com as quais também ajudava minha família, não porque tinha necessidade, mas para ter um senso de responsabilidade e compromisso. Então, quando a conversa parecia ter acabado, ele olhou para mim e disse que eu teria minha festa de formatura e ele teria meu casamento com sendo a festa dele. Então levantei e estendi a mão e apertamos as mãos e fizemos um pacto. Quando ele ia saindo, falei que minha festa tinha data, a dele não, e ele sorrindo, disse: - você não pode perde nunca, hein!

Tudo estava lindo, até descobri que a prova seria no sábado, e como não estudava neste dia, então fui fazer a prova na casa da coordenadora. Como se a zebra não tinha ido pastar, era reprise de cena final de uma novela e jogo na net, todos os amigos e amigas reunidas, com cada grupo na torcida pelo que gostavam. Com cada turma gritando e querendo ouvir o que se passava na TV, tive que fazer a avaliação em pouco mais que 3 horas ou ficaria maluca. Apesar de terem me colocado em uma saleta de jantar onde toda hora passava gente conversando, enquanto meus colegas tiveram um dia para responder eu tinha somente umas quatro horas. Por causa do barulho não conseguia me concentrar e então respondi o mais rápido do que podia e com isso alcancei nota 75. Fiquei muito desapontada, mas feliz por estar no Curso de Letras, que era um dos meus sonhos. Sei que ficou curioso, mas vai ter que esperar a continuação da história, no próximo artigo, por enquanto me limito a dizer que terminei a Graduação, enquanto já sou professora há sete anos. Agora, estou fazendo uma Especialização em Docência para o Magistério Superior. Sabe o acordo do meu pai? Contarei isso e muito mais, só não tenho tempo agora.