Se a atividade licitada pela administração pública não consta do objeto social a empresa pode participar da licitação?

Por Miguel Teixeira Filho | 24/08/2008 | Direito

1. Introdução

A correlação entre o objeto social constante do contrato social ou estatuto da pessoa jurídica e a atividade a ser desempenhada no contrato resultante da licitação

O presente estudo tem por objetivo analisar o tratamento jurídico que deve ser observado quando o objeto social constante do contrato social ou estatuto da pessoa jurídica licitante não corresponde à atividade a ser desempenhada no futuro contrato em processo de licitação.

2. O tratamento jurídico aplicável

A questão do objeto social da pessoa jurídica frente a uma contratação sujeita a licitação, no âmbito da administração pública, exige análise cuidadosa, uma vez que muitos equívocos são cometidos no momento de julgamento das habilitações.

Em absoluto, a descrição da atividade no contrato social não pode se constituir numa amarra para a prática dos atos pela pessoa jurídica.

Conforme MARÇAL JUSTEN FILHO (Comentários à Lei de Licitações, 9a ed. Dialética, p. 303) no Direito Brasileiro não vigora o princípio da especialidade da pessoa jurídica, de tal modo que o contrato social não confere "poderes" para a pessoa jurídica praticar atos dentro de limites precisos. A pessoa jurídica tem personalidade jurídica ilimitada.

Lembra o administrativista que a fixação do objeto social destina-se, tão somente, a produzir efeitos de fiscalização da atividade dos administradores da sociedade.

Assim sendo, em princípio, ao menos para efeitos de fornecimento para a administração pública, ou a qualquer outra entidade de direito privado, nada impede que uma empresa cujo contrato social consigne que a atividade é, por exemplo, "compra e venda de materiais de construção", comercialize, além de material de construção, gêneros alimentícios, no mesmo estabelecimento ou em uma filial.

O que pode ocorrer é que tal empresa, por não ter a atividade de venda de gêneros alimentícios inserida no rol de suas atividades no contrato social, tenha algum embaraço no que diz respeito ao seu cadastro nos órgãos fiscais, etc. Mas, em princípio, sob o ponto de vista do direito societário, nada impede que pratique a atividade. Há, neste particular, uma prevalência do exercício de fato da atividade sobre a forma contratual.

O que se precisa averiguar, antes de tudo, é se a natureza jurídica da pessoa jurídica permite a prática da atividade.

E o que se entende por natureza jurídica?Natureza jurídica da pessoa jurídica é a classificação que se faz para diferenciar as sociedade comerciais das sociedades civis, diferenciar estas das associações civis e das fundações, ou ainda, diferenciar as pessoas jurídicas com fins lucrativos das sem fins lucrativos etc.

Ou seja, não se pode admitir que uma sociedade civil (que é o gênero que se dedica exclusivamente a prestação de serviços) pretenda participar de um certame em que o objeto é o fornecimento de mercadorias (que exigiria a natureza jurídica de sociedade comercial, por exemplo).

Ainda há a questão do exercício da atividade ser privativo de determinada categoria profissional. Por exemplo, não se pode pretender contratar uma sociedade de contabilistas para prestar serviços de assessoria jurídica, posto que tal atividade é privativa de advogados autônomos, inscritos na OAB, ou sociedade exclusivamente composta de advogados, também inscrita na OAB (conforme Lei Federal 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e OAB).

Fora destas hipóteses, não se pode pretender invalidar, demodo automático, a prática de determinada atividade por uma sociedade comercial pelo simples fato que aquela atividade não está inserida especificadamente no rol de suas atividades constantes do contrato social.

Vale ainda referência aos ensinamentos de JUSTEN FILHO (ob. loc. cit), para quem o problema do objeto social compatível com a natureza da atividade prevista no contrato a ser firmado se relaciona com qualificação técnica, sendo que, se uma pessoa jurídica apresenta experiência adequada e suficiente para o desempenho de certa atividade, a ausência de previsão expressa desta mesma atividade em seu contrato social não poderia ser empecilho para sua habilitação.

Deve assim, os órgãos julgadores dos procedimentos de licitação, proceder com extrema cautela para não inabilitar indevidamente pessoas jurídicas que poderiam formular, até mesmo, propostas mais vantajosas à Administração.

A orientação do Superior Tribunal de Justiça é que "As regras do edital de procedimento licitatório devem ser interpretadas de modo que, sem causar qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, possibilitem a participação do maior número possível de concorrentes, a fim de que seja possibilitado se encontrar, entre várias propostas, a mais vantajosa." (Mandado de Segurança 5.606-DF)

Obviamente, no exame de cada caso concreto não se pode deixar de considerar as exceções acima referidas, em que Lei específica restringe a atividade a determinadas categorias, ou ainda quando a natureza jurídica da pessoa jurídica é incompatível com a prestação do serviço ou fornecimento objeto do certame.
 
Agosto de 2.008.