SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA: CONSTRUÇÃO...

Por Vânia monteiro Beserra da Silva | 10/11/2016 | Política

SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA: CONSTRUÇÃO HISTÓRICA ATÉ A CONQUISTA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Resumo

 O artigo em questão tem por objetivo apresentar, de forma breve, o processo histórico da política de saúde no Brasil, explicitando os antecedentes estatais no setor até os dias atuais, articulando às determinações sócio-históricas. Enfocar-se-á o início das primeiras ações e campanhas voltadas para o setor saúde que eram ofertadas de forma bastante limitada e fragmentada. As primeiras medidas protetivas do estado deram-se na década de 1930, privilegiando a saúde privada através da condicionante participação na Previdência Social. Este modelo em que se privilegiava a saúde privada deu continuidade com a ditadura que se instalou de 1964 até meados de 1970. A década de 1980 foi um período de grande importância para a Reforma que ocorreu no seio do Estado, o grande movimento social foi fundamental para garantir novas propostas para o Sistema de Saúde Brasileiro, transformando a saúde em uma questão política de responsabilidade do Estado, culminando na criação do novo sistema público de saúde - SUS.

Introdução

Desde as particularidades históricas da sociedade brasileira, a população já vivenciava drásticas situações em relação a saúde no Brasil, existiram poucos médicos, não havia saneamento básico e as poucas ações que surgiram foram através de campanhas limitadas.

A inexistência de um modelo sanitário para o Brasil afetou profundamente inúmeras pessoas que necessitavam de um sistema público de saúde democrático em decorrência das graves doenças e epidemias que perpassaram por inúmeras cidades Brasileiras.   As primeiras formas de intervenção basearam-se no uso da força e repressão.

Esses aspectos foram traços marcantes e determinantes para a consolidação dos movimentos sociais que lutaram para que a saúde fosse incorporada na agenda política do Estado. As primeiras ações e medidas estatais protetivas ocorreram com o advento do capitalismo industrial em decorrência da urbanização que estava cada vez mais adquirindo visibilidade e o tema saúde foi colocado na pauta das reivindicações com mais afinco.

Obstante a isto, os serviços de saúde não foram tão favoráveis à população, pois, o modelo de Saúde adotado no Brasil tinha características eminentemente privada através da chamada cidadania regulada , ou seja,quem trabalhava com carteira assinada. A assistência médica previdenciária foi marcada pela lógica capitalista, o que gerou desvalorização da saúde pública.

O Movimento de Reforma Sanitária e a Constituição Federal de 1988 foram marcos imprescindível e determinante para a mudança do sistema de saúde brasileiro e para a criação do Sistema Único de Saúde. O foco das ações e serviços do novo sistema implantado se pauta na equidade e universalidade, ultrapassando a desigualdade médica hospitalar presente nos anos anteriores. 

1 Histórico da Política de Saúde no Brasil

O Brasil, no que diz respeito a saúde, tem seu processo sócio-histórico marcado por profundas crises, permanecendo muitas destas até os dias atuais. Tal fato conta com influências do contexto político e social enfrentado pelo país desde o seu descobrimento pela elite europeia.

No Brasil Colônia (1500- 1889) a população não tinha um modelo de atenção à saúde, houve falta total de saneamento básico e insuficiência de médicos e hospitais. A saúde era exercida por curandeiros, índios e africanos que substituíam os poucos médicos que existiam. Salles (1971) ressalta, que no Brasil Colônia e no Brasil Império a carência de profissionais era notória, na cidade do Rio de Janeiro só existiram quatro médicos, em outros estados esses eram inexistentes, fato que levou ao surgimento dos Boticários (farmacêuticos).

Dessa forma, a falta de um modelo sanitário para o Brasil, deixou inúmeras cidades passivas de epidemias e das graves doenças que atingiram grande parte da população. Diante disso, algumas iniciativas surgiram, o governo propôs um modelo de intervenção (sanitarismo campanhista) para combater as epidemias baseando-se no uso da força e da autoridade, o que gerou revolta em parte da população.

A economia brasileira era dominada pela agricultura agroexportadora, especificamente a monocultura cafeeira, portanto exigia-se do sistema de saúde, uma política de saneamento destinada aos espaços de circulação de mercadorias, bem como, na erradicação e controle das doenças. A lógica era não prejudicar a exportação, controlando assim as epidemias. Desde o século XIX até o início dos anos 1960, predominou o modelo sanitarista campanhista (MENDES, 1991). A agricultura era a atividade hegemônica por este motivo as ações de combate às epidemias deslocaram-se também para o campo.

Com o processo de industrialização na década de 30 e a crescente urbanização, oriunda em grande parte de imigrantes italianos, tem-se o início da intervenção do Estado no setor, pois, a questão saúde apareceu fortemente na pauta das reivindicações do movimento operário. A saúde emerge como questão social no início do século XX, o movimento buscava transformá-la em uma questão política de responsabilidade do Estado.

A reforma Carlos Chagas de 1923 foi consequência do movimento dos ferroviários, na tentativa de ampliar o serviço de saúde para a sua categoria profissional, visto que se constituiu no seio do sistema previdenciário. Os benefícios eram proporcionais às contribuições e dentre estes se destacavam: assistência médica curativa; aposentadoria por tempo de serviço; distribuição de medicamentos; velhice; invalidez; pensão e auxílio funeral ( BRAVO, 1991).

Posteriormente, foram criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS), na tentativa de ampliar os serviços de saúde para outras categoriais de profissionais, desvalorizando uma cobertura ampla (Medicina previdenciária). O direito legal de acesso à saúde voltava-se para os trabalhadores formais com carteira assinada, o modelo assistencial pautava-se no “curativo” e a natureza dos prestadores era voltada para o setor privado, ou seja, empresas e empregadores sustentavam e contribuíam para o Ministério da Previdência Social.

Os Serviços de Saúde nesse período não foram tão favoráveis, pois, a previdência deu prioridade a reservas financeiras em detrimento da prestação de serviços. A assistência médica previdenciária adquiriu uma importância significativa a partir da década de 1950, viabilizando um crescente complexo médico- hospitalar.

No campo prático da solução, a saúde pública não teve efetividade, esta adquiriu caráter meramente privatista e complexo, o que ocasionou uma verdadeira desigualdade no acesso ao atendimento médico hospitalar, bem como, em relação aos grandes problemas sanitários que existiram no Brasil.

As tensões e conflitos oriundos face a um novo sistema de saúde foram totalmente reprimidos pela Ditadura Militar de 1964/1974. O Estado exerceu fortemente o seu poder de regulação, na perspectiva de suavizar os conflitos sociais e garantir a legitimidade do governo. Obstante a isto, esse período caracterizou-se pelo binômio repressão- assistência, acarretando o alijamento dos trabalhadores da cena política. A saúde precisava aderir a lógica capitalista, ocasionando assim a desvalorização e declínio da saúde pública (BRAVO, 1996).

Diante do agravamento das tensões e conflitos, viu-se a necessidade de se investir no setor da saúde. Bravo (1996) situa que as reformas realizadas na estrutura organizacional não conseguiram construir uma política de saúde democrática voltada para o setor público. As ações de saúde foram caracterizadas pela predominância da participação da previdência social, pautadas por ações curativas, comandadas pelo setor privado.

No período de redemocratização da sociedade Brasileira na década de 80, a saúde contou com a participação de novos sujeitos sociais que colocaram em pauta várias questões referentes às condições de vida da população, tendo como consequência amplo debate que permeou pela sociedade civil. O movimento de Reforma Sanitária ganhou ênfase no seio desse contexto conjuntural, Bravo (1996, p. 96) situa que:

As principais propostas por esses sujeitos coletivos foram a universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; reestruturação do setor através da estratégica do Sistema Unificado de Saúde; descentralização do processo decisório para as esferas estadual e municipal, financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão- Conselhos de Saúde.

Foram propostas de grande relevância para a construção de um sistema de saúde mais propício às reais necessidades da população. Momento ímpar que norteou o caminho da saúde pública para criação e consolidação do SUS mediante aprovação pelos Legisladores Constitucionais.

A 8ª Conferencia Nacional de Saúde foi o espaço onde essa discussão tomou maior força principalmente por ter sido a primeira conferencia aberta a participação popular. Esta foi então considerada um marco para que houvesse a consolidação do direito à saúde no país visto que foi a partir dela que se formaram as bases legais responsáveis por formar a seção “Da Saúde” na Constituição Federal de 1988, primeira constituinte a abranger esse segmento.

Nesse contexto de lutas e reivindicações por uma saúde digna, há a implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) que rompe com o modelo até então vigente e propõe um sistema totalmente público e de acesso universal. Com base nesses aspectos tem-se o então denominado Sistema Único de Saúde (SUS) contido na Constituição Federal de 1988 – artigos 196 ao 200 – que regulamenta a Saúde como um todo.

De acordo com o art. 198 a saúde pública é organizada pelas seguintes diretrizes

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988, 2011, p. 54)

Essas são as características principais do SUS que seguem em contraposição as características do sistema de saúde existente em épocas anteriores. Além desses aspectos a Constituição também apresenta princípios que norteiam os papeis das três esferas de governo de forma descentralizada.

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