Saúde e Meio Ambiente na perspectiva da Educação popular

Por Leidiane Moreira Alves | 19/03/2011 | Ambiental

SAÚDE E MEIO AMBIENTE NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO POPULAR

Leidiane Moreira Alves1
Zoraide Vieira Cruz2


Todo o processo educativo de transformação social exige que os verdadeiros protagonistas do processo seja indubitavelmente o próprio povo. Sendo assim, os trabalhadores de saúde assumem um papel coadjuvante para o alcance da tomada de decisão para consciência crítica. No intuito de discutir sobre a luta pelo enfrentamento das questões ambientais, o presente estudo teve como objetivos analisar o papel dos Agentes Comunitários de Saúde como educadores populares para a saúde e meio ambiente da comunidade no município de Potiraguá, discutir os conceitos de educação popular, saúde e meio ambiente e verificar as práticas de educação em saúde e meio ambiente desenvolvidas pelos Agentes Comunitários de Saúde. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e exploratório, realizada com 10 Agentes Comunitários de Saúde que integram as três Equipes de Saúde Família da sede do município de Potiraguá-BA. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a aplicação de um questionário e roda de conversa pautada na metodologia problematizadora. Como resultados, emergiram três categorias e oito subcategorias correspondentes aos objetivos do estudo: PAPEL DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE COMO EDUCADOR POPULAR PARA A SAÚDE E MEIO AMBIENTE DE SUA COMUNIDADE ( Veiculador de informação, Incentivar o exercício da cidadania, Ser o elo entre a Unidade de Saúde e a Comunidade), CONCEITOS ELABORADOS PELOS AGENTES COMUNITÁRIOS A RESPEITO DE EDUCAÇÃO POPULAR, SAÚDE E MEIO AMBIENTE (Educação popular como direito de todos, Saúde como direito de todos, Meio Ambiente como dimensão multifatorial ), PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE E MEIO AMBIENTE DESENVOLVIDAS POR AGENTES COMUNITÁRIOS EM SUA COMUNIDADE (Ações educativas e preventivas, Atuação como agente político-social. Os resultados obtidos neste estudo revelam que se faz necessário um olhar peculiar a respeito da mobilização da comunidade para as questões de saúde e meio ambiente. Esperamos que este estudo possa contribuir para as reflexões de que os Agentes Comunitários de Saúde são trabalhadores imbuídos de ferramentas e saberes que podem possibilitar a transformação de práticas e canalizar forças junto a comunidade para luta em defesa do direito a saúde e do meio ambiente.



Palavras-chave: saúde, meio ambiente, educação popular


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1 Enfermeira graduada pela Universidade do Sudoeste da Bahia. Especialista em Meio Ambiente e Desenvolvimento,UESB-2009
2 Orientadora, Profa MSc. da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus de Itapetinga



INTRODUÇÃO

O processo educativo na concepção paulofreiriana aponta para a prática da liberdade, que pressupõe a quebra de paradigmas e desafia o homem à transformação. Significa dizer que, o homem reconhecendo-se como sujeito de sua própria educação, terá total autonomia para construir o saber a partir de suas experiências, somando-as ao que lhe é transmitido e procurando sempre a sua superação.
Na temática saúde e meio ambiente, a educação aparece não somente como elemento estruturante de uma concepção, mas também, como instrumento de transformação das ações no cotidiano da população. Usualmente, do ponto de vista do senso comum, a educação e a saúde são vistos como termos isolados e não como uma relação. Em contrapartida, a articulação entre educação e saúde passa a ser discutido na formulação de medidas de melhoria da qualidade dos serviços de saúde, surgindo assim, no bojo desta articulação contra hegemônica, uma nova prática: a Educação Popular em Saúde.
A educação popular em saúde aglutina suas práticas voltadas para o sentir/pensar/agir dos homens, mergulhando em sua subjetividade para a construção de cidadania e saúde numa sociedade fundada na solidariedade, justiça e participação de todos (VASCONCELOS, 1997).
A educação ambiental tem sido incorporada como uma prática inovadora em diversas esferas. No âmbito nacional, é objeto de políticas públicas de educação e de meio ambiente e incorpora-se em campo mais capilarizado como mediação educativa para o desenvolvimento social. Associada à tradição da educação popular, compreende o processo educativo como um ato político, prática social de construção de cidadania.
Acreditando nesta proposta, foi que surgiu a inquietação e interesse em elaborar o presente estudo, para o envolvimento do papel social no fomento à sensibilização de mudanças de práticas para a promoção de um meio ambiente consoante com a saúde da população.
Após aproximação com o objeto de estudo, mergulhada nas reflexões sobre o futuro das novas gerações, diante do quadro caótico que o Planeta Terra está passando, com a hegemonia do capitalismo, do consumismo, do desrespeito das ações humanas com o meio ambiente, percebeu-se que é preciso tentar fazer a diferença, seja pela responsabilidade sócio-ambiental ou compromisso com a transformação de práticas na sociedade. É importante considerar que os marcos históricos no campo do movimento ambientalista, sempre foram calçados pelo romantismo e excentricidade pela conservação da natureza e defesa do pensamento ecológico.
É fundamental romper com determinados preconceitos e reconhecer que são necessárias ações coletivas na construção do saber em saúde e acreditar na transformação social. O desejo de provocar as presentes reflexões, fez com que meu interesse voltasse para o estudo de como a educação popular pode contribuir para a Saúde e meio ambiente de uma comunidade.
Os endereçados desta educação são os sujeitos históricos, inseridos numa conjuntura sóciopolítica determinada, cuja ação, sempre essencialmente política, resulta de um universo de valores construído social e historicamente. Diante desta perspectiva, o estudo apresenta os seguintes objetivos: Geral: Analisar o papel dos Agentes Comunitários de Saúde enquanto educadores populares para a saúde e meio ambiente da comunidade no município de Potiraguá; Específicos: Discutir os conceitos de educação popular, saúde e meio ambiente elaborados por Agentes Comunitários de Saúde do município de Potiraguá; Averiguar as práticas de educação em Saúde e meio ambiente desenvolvidas pelas Agentes Comunitárias de Saúde na comunidade.


METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

O presente estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa, pautada na visão de Minayo(2002, p.10) que aborda sobre a capacidade de incorporar as questões dos significados e intencionalidades inerentes aos atos, as relações e as estruturas sociais tanto na sua transformação quanto nas construções humanas significativas.
Ainda classifica-se como descritivo exploratório, a abordagem qualitativa é orientada pelo método dialético no intuito de identificar as contribuições e desafios da educação popular ambiental para a construção de novas práticas.
Segundo Mello (2005, p 24), a concepção metodológica dialética calcada na práxis como critério social da verdade, nos instrumentaliza para testar a validação do conhecimento construído, reelaborado e assimilado com vistas à superação qualitativa do estado tomado inicialmente. "É pela práxis do homem sobre o mundo, que tanto o homem, se modificam e se movimentam".
O estudo também é substanciado na pedagogia problematizadora, onde permite que haja diálogo entre as pessoas, promove a participação e discussões das questões sócio-político-culturais, bem como possibilita a canalização das vontades individuais em vontades coletivas, a partir do pluralismo de idéias e liberdade de expressão.
O cenário do estudo que possibilitou a seleção dos sujeitos sociais foram Unidades de Saúde da Família da Sede do município de Potiraguá. Os atores do estudo corresponderam aos Agentes Comunitários de Saúde que trabalham na sede do referido município. A amostragem do estudo obedeceu ao critério de aceitação ao convite para participar da pesquisa, contando assim com a participação de 10 Agentes Comunitárias.
Como instrumento de coleta de dados foi utilizado a metodologia da roda, guiando no conceito de Campos (2000, p.60): "o método da roda propõe-se a realizar uma costura entre uma perspectiva crítica (anti-Taylor) e outra de reconstrução dos modos de fazer política, gestão e construção de sujeitos."
Ainda na visão deste autor, a constituição do sujeito depende de seu empenho com a produção de suas obras individuais e coletivas. Significa dizer que, o método da roda propõe um espaço da relação dialética entre o pensar e agir, implicando ainda na horizontalidade deste espaço, em que todos se mantêm em um mesmo patamar e produz marcas no mundo.
O estudo adotou como primeiro passo metodológico para a coleta de informações o uso do questionário. Este momento constituiu o primeiro contato dos sujeitos sociais com as questões norteadoras do objeto de estudo, permitindo assim, o desvelamento de suas impressões pessoais acerca do tema, sem interferência alguma da pesquisadora.
Como o próximo passo metodológico, foi realizado uma roda de conversa com os agentes envolvidos para reconhecer as suas práticas sociais e para uma aproximação da realidade dos mesmos. Sendo encerrada com a dinâmica da teia da vida, extraindo assim um pouco das impressões dos sujeitos do estudo a respeito do tema saúde e meio ambiente.
O estudo procurou respeitar todas as fases para a realização de pesquisa com seres humanos, assumindo o compromisso de cumprimento ético da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Com o intuito de significar as informações extraídas na pesquisa, foi necessária a categorização e a subcategorização dos dados, subsidiadas no alcance dos objetivos descritos no estudo. Trabalhou-se ainda com a análise temática, pelo fato de pautar-se na elaboração e seleção de temas que gerem um grau de significação.
Emergiram três categorias: Papel do Agente Comunitário de Saúde como educador popular para a saúde e meio ambiente de sua comunidade; Conceitos elaborados pelos agentes comunitários a respeito da educação popular, saúde e meio ambiente; Práticas de educação e meio ambiente desenvolvidas por Agentes Comunitários de Saúde em sua comunidade.
A primeira categoria responde ao objetivo geral proposto, as opiniões foram bem diversificadas, apontando aspectos complementares do que seja a função do Agente Comunitário de Saúde como educador popular no cotidiano do seu trabalho diante do tema saúde e meio ambiente. O desdobramento apontou em subcategorias, o agente com o papel de: Veiculador de informação, Incentivar o exercício a cidadania e Ser elo entre a Unidade de Saúde e a comunidade.
As unidades de análise na primeira subcategoria revelam uma característica intrínseca da função do Agente Comunitário de Saúde a respeito de agir como instrumento de coleta e envio de informações entre a comunidade e o serviço de saúde.
O princípio de abordagem da segunda subcategoria é perceber a função político-social dos agentes comunitários de saúde. Não é possível dissociar as relações de trabalho e condições de vulnerabilidade vivenciadas no cotidiano de uma comunidade. O pensamento traduz a perspectiva pedagógica da educação popular, que contribui essencialmente para mobilizar vontades no cenário da busca constante pela transformação de realidades. Tais atitudes devem partir dos anseios do povo, da necessidade de libertar da opressão em que são submetidos e tornar-se co-partícipe das mudanças de práticas cotidianas.
Na terceira subcategoria, percebe-se nas unidades de análise que a transformação de práticas não se dá apenas para a finalidade do trabalho, envolve também os condutores deste processo. È possível perceber que os trabalhadores de saúde necessitam incorporar a capacidade pessoal de articular conhecimentos, habilidades e atitudes inerentes a situações concretas de seu trabalho. A proposta do estudo revela que as funções dos ACS transcendem o setor saúde, apesar da maioria das unidades de análise revelarem direcionamento técnico os sujeitos do estudo compreendem que o meio ambiente é primordial para garantia da qualidade de vida da população e sobrevivência do planeta.
A segunda categoria expressa os conceitos a respeito da educação popular, saúde e meio ambiente a partir de conceitos fragmentados até concepções mais elaboradas, dando a dimensão da educação popular como diálogo de todos. A saúde no enfoque político social como direito de todos, garantida na constituição, resultante de um processo sócio cultural, envolvendo um conceito amplo, que perpassa uma teoria multidimensional, visão sistêmica que dialoga com o conceito de meio ambiente, integrando como indissociáveis. As significações atribuídas ao meio ambiente relata dimensões históricas e conceituais imbuídas na visão da teia da vida.
O futuro das novas gerações depende das ações que desenvolvemos hoje, da história que construímos e das contribuições ético-culturais que podemos gerar para o nosso meio. É diante deste contexto, que a saúde e meio ambiente estão intimamente ligados, indissociáveis ao agir humano. Garantir o direito a saúde e meio ambiente transpõe a lei instituída na constituição federal brasileira, implica na transformações dos próprios homens.
A terceira categoria implica nas práticas desenvolvidas pelos Agentes Comunitários de Saúde que envolve as ações educativas e preventivas que já inerente do papel deste trabalhador e a atuação como agente político social. As agentes comunitárias relataram nas unidades de significação a relação intrínseca do papel de agente político-social com as questões relativas à saúde e meio ambiente. . O ponto que converge a esta proposta é o fato do projeto pedagógico da educação popular ter como ponto pano de fundo a participação popular, que compreende um princípio fundamental para o fortalecimento das políticas públicas de saúde e meio ambiente do nosso país.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação compromissada com a libertação fundamenta-se no homem como sujeito da sua própria educação. Partindo desta premissa, estamos em constante processo educativo, onde somos partícipes na construção do saber e somamos a partir das experiências individuais e coletivas as nossas relações com o mundo.
O papel do Agente Comunitário de Saúde como educador popular para a saúde e meio ambiente de sua comunidade foi demonstrado no estudo como atribuições de sua atividade profissional, sendo veículo de informação, incentivando a cidadania e cumprindo o objetivo de se fazer elo entre a comunidade e os serviços de saúde.
O diálogo é sem dúvidas o caminho necessário para a interação entre as pessoas. Mas essa interação não pode se conformar apenas com a troca de idéias, porque assim se resumiria a um depósito de conversas. É preciso que tenha um objetivo, que se solidarize com a reflexão e ação dos sujeitos co-intencionados no mundo.
Em relação aos conceitos educação popular, saúde e meio ambiente, no que se refere o outro objetivo proposto, foi possível perceber que apesar da fragmentação das respostas, os sujeitos do estudo verbalizam a perspectiva política da educação popular, fortalecem o conceito ampliado de saúde garantido constitucionalmente e compreendem as dimensões históricas e sociais que envolvem o meio ambiente e suas implicações para o futuro do planeta.
Quanto às práticas de educação em saúde e meio ambiente desenvolvidas pelas Agentes Comunitárias em suas respectivas comunidades revelam as atividades tradicionalmente desempenhadas no setor saúde, traduzem o desempenho dos trabalhadores de saúde dentro da Estratégia de Saúde da Família e vislumbram a atuação político-social em defesa do meio ambiente.
Os resultados obtidos neste estudo revelam que se faz necessário um olhar peculiar a respeito da mobilização da comunidade para as questões de saúde e meio ambiente. Para Henriques (2005) mobilizar, portanto é, convocar estas vontades de pessoas que vivem no meio social para que as pessoas funcionem bem e para todos; é mostrar o problema, compartilhá-lo, distribuí-lo, para que assim as pessoas se sintam co-responsáveis por ele e passem a agir na tentativa de solucioná-lo.
Nesta interface da mobilização, de dar movimento é que a educação popular em Saúde e Meio Ambiente propõe a dinâmica da teia da vida, em que há espaço para problematização, a construção coletiva baseada no respeito à pluralidade de concepções políticas e ideológicas. A rede formada é uma construção de conexões, trocas, afinidades e também é tecido de diferenças, estranhamentos e ressignificações.

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