Saramago x Fernando Pessoa x Ricardo Reis
Por Irineu Correia de oliveira | 19/07/2011 | LiteraturaSaramago x Fernando Pessoa x Ricardo Reis *
OLIVEIRA, Irineu Correia de*
Saramago é um escritor que não considera um romancista, considerando apenas como um ensaísta de contar história. Ele ganhou o prêmio Nobel de literatura e também venceu o prêmio Camões, o prêmio literário mais importante da língua portuguesa. A carreira de Saramago é marcada por diversas polêmicas como as suas opiniões pessoais sobre religião e a publicação de "o Evangelho Segundo Jesus Cristo" que muitos grupos religiosos consideram a obra uma ofensa á igreja. Suas obras mais importantes são a Jangada de Pedra, o Memorial do Convento, Ensaio da Cegueira, Ensaio da Lucidez e o Ano da Morte de Ricardo Reis. Saramago utiliza interpretações diretas ao leitor criando um ambiente de cumplicidade entre narrador e o leitor, e o uso de ironia, e o uso de trocadilho, e diálogos sem parágrafos, e presença da metáfora sugestiva e a exploração do fantástico e do surrealismo ? fantástico na criação de suas obras.
O Ano da Morte de Ricardo Reis resume o conteúdo básico que retoma o heterônimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis. O personagem retomado passará a manifestar - se de forma diversa, tecendo um paralelo entre o Ricardo Reis pessoano e o Ricardo Reis saramaguiano. É importante destacar que a representação social e a descrição física de ambos os Reis, são as mesmas: "Um homem grisalho, seco de carnes" (página 15), a modificação é somente no interior do personagem e subjetiva, marcando a diferença dos autores, o poeta Pessoa que o cria e o escritor Saramago que o recria. Esta proposta de recriação é apresentada por um novo Ricardo Reis:
"você afinal desilude-me, amador de criadas, cortejador de donzelas, estimava-o mais quando você via a vida à distância que está" (página 183).
" formara, de enfiada, três versos de sete sílabas, redondilha maior, ele, Ricardo Reis, autor de odes ditas sáficas ou arcaicas, afinal saiu-nos poeta popular" (página 47)
"alguma latinação clássica de que já não fazia leitura regular" (página 22)
O Reis de Saramago se opõe ao classicismo do Reis pessoano, pois o Reis saramaguiano passa desfrutar da posição de dono de si, não existindo nem uma divindade maior que o venera, sendo ele o todo poderoso. O Ricardo Reis saramaguiano tem uma personalidade dissipada, sem importar com as conseqüências que o mundo pode provocar. Ele acaba aceitando as coisas mundanas, nem respeitando mais sua vida equilibrada e objetiva. Assim, o personagem sofre algumas mudanças, fazendo com que Fernando Pessoa ressurgisse dos mortos para cobrar o motivo de sua transformação. Além disso, há um destaque para o poeta Fernando Pessoa dentro da ficção, pois tem os seus contornos físicos dissipados ao longo do romance pelo decorrer dos nove meses de sua morte, tecendo uma analogia com o embrião humano que leva nove meses para ser gerado, o seu heterônimo.
O surrealismo aparece na obra, fazendo com que Ricardo Reis retomado por Saramago, realizasse várias atividades do subconsciente sem o controle da razão. O Surrealismo - fantástico desarruma o cotidiano de Reis, deixando o personagem saramaguiano totalmente diferente do Reis Pessoano. As diferenças dos Reis estão nas atitudes:
"quem será que não quer dormir em mim, o corpo inquieto, de quem, ou o que não sendo corpo com ele se inquieta, eu por inteiro, ou esta parte de mim que cresce, meu Deus, as coisas que podem acontecer a um homem." (página 99)
"não frui quem mente frui"(Ode- X, heterônimo de Fernando Pessoa)
"Prazer, mas devagar, Lídia, que a sorte àqueles não é grata"(Ode-XIX, heterônimo de Fernando Pessoa)
O Ricardo Reis pessoano delira com Lídia, sua musa inspiradora, enquanto na obra de Saramago surge uma Lídia camareira do Hotel Bragança que Reis mantém relações amorosas. Lídia a sua musa inspiradora de suas odes, atribui corpo e ele é legado de "fruir o momento que passa" de suas fantasias( como expectador) para desfrutá-la carnalmente. Há então, em o Ano da Morte de Ricardo Reis aparece também a personagem Marcenda por quem se apaixona:
"e este ainda queixoso só porque não recebeu de Marcenda uma carta de amor, não esquecer que todas as cartas de amor são ridículas" (página 269)
Ricardo Reis passa à espectador, pois guarda o comparecimento de Marcenda, como as cartas e a decisão de união que não se concretiza. Outra divergência:
"e entra em casa, atira-se para cima da cama desfeita, escondeu os olhos com o antebraço para poder chorar à vontade, lágrimas absurdas que esta revolta não foi sua, sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo" (página 411)
Após a morte de Daniel no final do romance, irmão de Lídia, que Ricardo Reis é contagiado totalmente pelas sensações do mundo, chorando e ficando muito abatido. Assim, as diferenças colocadas no personagem retomado é a imagem do outro sobre o mesmo, assentando fixamente no narrador que se revela como narrador onisciente estando presente em todas as situações da narração, revendo o passado e prevendo o futuro e tomando noções dos pensamentos e dos sentimentos passados.
Em síntese, Saramago utiliza o surrealismo-fantástico que recria o personagem pessoano totalmente diferente, permitindo opções de cada vez mais avançadas para suas transformações psíquicas. O autor com certeza atingiu o seu objetivo, pois quando o leitor começa a ler, viaja completamente numa história de hesitação do personagem Reis, suposta pelo autor, portando os leitores para o estranho ou maravilhoso com os efeitos do surrealismo-fantástico.
Bibliografia:
Material didático do professor Flávio Queiroz do VI e VII semestre do curso de Letras da URCA;
SARAMAGO, José. O ano da morte de Ricardo Reis. Editora caminho, ed.17, 2007.