Santa Inocência

Por Luciana Vidal | 12/09/2008 | Crônicas

Dia desses, quando me preparava para trocar de roupa após um rápido banho, fui surpreendida com o olhar curioso da minha filha caçula Maria Eduarda, de três anos. Tentando entender o que se passava por aquela cabecinha, arrisquei perguntar:

- O que foi, filha?
Com uma certa tristeza na voz, ela respondeu:
- É que eu também queria ter uma dessa...
- Uma dessa o quê, meu amor?
Um pouco acanhada, ela disse baixinho:
- Uma dessa de pelinho, igual à sua!

Confesso que não agüentei e caí na risada, o que a deixou bastante constrangida. Já refeita, tentei contornar a situação, explicando que quando ficasse mocinha também teria "uma assim". Foi o suficiente para que ela se acalmasse e voltasse a brincar.

Se minha avó Mafalda estivesse viva, com certeza diria: "Como é linda a inocência". Aliás, ela costumava ficar horas sentada no sofá, observando a bisneta brincar com os "cacarecos" esparramados pelo chão. No auge dos seus 83 anos, essa era a melhor diversão do mundo pra ela. Com olhar de ternura, não cansava de repetir: "Como é linda a inocência!"

Lembro que não foram poucas as vezes que tentou chamar minha atenção para o fato, dizendo: "Olha só que gracinha, Lu! Não acredito que você tá perdendo isso!"
Depois, segurava a cabecinha da Maria Eduarda e a beijava, dizendo: "Anjo!"

Em outras palavras, era como se minha avó quisesse me fazer entender que um dia aquilo tudo ia passar. Era preciso aproveitar, curtir cada momento.

Alguns dias antes de partir desse mundo, quando fui visitá-la no hospital, vó Mafalda pediu que levasse uma maçã para Maria Eduarda. "Diga que foi a bisa que mandou e que amo muito ela, viu? E encha ela de beijinho, do coquinho até o minguinho!"

É claro que levei a maçã, dei o recado e também os beijinhos. O que eu não sabia era que aquela simples maçã representava a despedida entre a bisavó e o seu pequeno anjo.
Minha avó sabia das coisas. Depois que ela se foi, confesso que passei a valorizar muito mais esses pequenos momentos com a minha caçula.

Às vezes, penso que se nós, adultos, tivéssemos um pouco da pureza das nossas crianças e da sabedoria dos nossos idosos, o mundo seria bem melhor.

Você não acha?