Saco vazio nao para em pé
Por Suylianne Nunes de Oliveira | 12/06/2011 | PolíticaA crítica recente da presidenta Dilma Roussef à ação do Estado no setor de moradia popular em governos anteriores, na qual ressalta que é dever, e não uma dádiva do Governo aplicar recursos nesta área, me remete automaticamente à Constituição Federal e sua participação no processo das políticas públicas. O direito a moradia é garantido na Constituição Federal pelo artigo 6º, onde são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados; e pelo artigo 7º no inciso IV, é afirmado o direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visam à melhoria de sua condição social: ...salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. Entretanto, apesar dos mais de vinte anos de nossa Carta Magna e direitos garantidos por ela, ainda vemos o Executivo usando tal direito como moeda de troca para com o eleitor. Sendo neste exato ponto que me recordo do Poder Executivo em certo município. Perguntando para uma parcela da população desta cidade, que havia acabado de ser realocada de uma área de risco para um conjunto habitacional popular, se havia problemas ou fatores que poderiam ser melhorados, recebi a seguinte resposta: "Que isso, o prefeito já nos deu tanto que não temos o direito de reclamar". E que além de ter ?dado? a eles um lugar pra morar, o prefeito também proporcionou trabalho para grande parte dos realocados em sua campanha eleitoral. Muito generoso A primeira reação que normalmente ocorre é achar "um absurdo", ou questionar "será que esse povo não vê o que está acontecendo?", usamos até ditados populares para descrever tal situação (como o famoso "dar o peixe e não a vara pra pescar"). Eis que um dia entro numa aula e me deparo com uma pirâmide com nome estranho: Pirâmide de Abrahan Maslow. E percebo que as primeiras necessidades que o homem busca suprir são a de comer, de beber, de morar, e, tal como num jogo de videogame, não passará para o próximo nível se não completar aquele. Como posso, então, exigir daquela população uma estranheza quanto ao que acontecia ali, se estavam apenas começando a preencher suas necessidades fisiológicas? Não quero discutir quais são os limites das políticas emergenciais e assistenciais, até que ponto elas são efetivas, ou quando que começam a ser "tapa buraco", porém, questiono como elas se mostram aos cidadãos por quem as implementa e como lidamos com o fenômeno clientelístico ainda presente no quadro político brasileiro. O exemplo da prefeitura citada é só uma experiência que pude ver de perto, e sei que casos como este acontecem em todo o país, por todos os entes. É em cima da necessidade -as quais o próprio Estado deixou de suprir- que presentes, bênçãos, dádivas, ou qualquer símbolo que não signifique "dever", estão sendo distribuídos por ai a troco da escolha de quem quero que represente meus anseios e minhas demandas na arena política. Volto meus olhos para a pirâmide e não condeno os que trocam voto por teto. De forma alguma digo que tal é uma prática aceitável, só desconfio que o real problema não esteja aí. Assim como se usa a expressão "saco vazio não para em pé" referindo-se ao ato de comer, aplico-a também ao ato de exercer o dever político de cada cidadão. Se não tenho a lei em mim, se não a conheço, ou se nem sou capaz de lê-la, logo, desfaleço se qualquer brisa me empurrar pra lá ou pra cá. Aqueles, então, que se julgam capazes de avaliar os efeitos das políticas públicas, preocupem-se em, quando puderem implementá-las ou elaborá-las, alimentar os que necessitam de algo para que ao menos fiquem em pé. A começar por ensinar a ler e a escrever, não copiar caracteres, mas de modo que ao ter o contato com os textos constitucionais não aceitem nada menos do que a lei. A corrupção da democracia [1], então, será eliminada lentamente à medida que as políticas públicas se mostrarem como parte de um conjunto de deveres previstos por cláusulas pétreas, onde o sujeito da sentença é um cidadão, e não um cliente. [1] A barganha do voto é definida por Francisco Pereira de Farias como representante da corrupção da democracia.