Rosa: Poesis
Por Vicente alves batista | 02/02/2008 | LiteraturaRosa: Poesis
Ler a poesia de Manuel Bandeira é adentrar em mundo arquitetado de cifras, que a cada passo se desvenda algo. O leitor tem a percepção desautomatizada, ou seja, a palavra poética exige sua atenção, colocando-o em desequilíbrio. A poesis de Bandeira cria uma travessia duradoura no olhar: imagens se projetam de maneira inusitada, criando um estranhamento.
O poema "Eu vi uma rosa" do livro Lira dos cinquent`anos é um exemplo disso:
Eu vi uma rosa
Eu vi uma rosa
- Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.
Sozinha no mundo.
Em torno, no entanto,
Ao sol de meio-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.
Tudo isso era excesso.
A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.
Sozinha no tempo.
Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória,
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação.
Este poema é todo visão. A imagem de uma "rosa" invade o olhar do eu - lírico. Logo no título- " Eu vi uma rosa"- percebe-se a sua contemplação diante desta rosa branca, singular. Cada verso e estrofe marca o itinerário do olhar do eu - lírico em volta do seu objeto, o qual também guia o olhar do leitor, fazendo-o participar desse momento especial, pois o aproxima da contemplação da rosa.
O poema compõe-se de 7 estrofes, sendo quatro delas longas e 3 curtas de um verso apenas. Essas pequenas estrofes são como sínteses das anteriores.
Sozinha no mundo.
Tudo isso era excesso.
Sozinha no tempo.
O verso "Sozinha no mundo" é síntese da primeira estrofe na qual eu do poema começa descrever as características dessa flor. "Tudo isso era excesso" sintetiza a estrofe anterior, pois que tudo que estava em torno da flor era excesso; o centro mesmo era a rosa branca. Já o verso Sozinha no tempo é síntese da estrofe seguinte que diz sobre o mistério da vida e do mundo que está depositado nessa rosa. Ao mesmo tempo, esse verso ilustra a eternidade dessa rosa: o romper com o tempo.
A metáfora
A rosa perdura no olhar do eu lírico tal qual a poesia no olhar do leitor. A Poeticidade singulariza-a, deixando-a sozinha no galho, no mundo e no tempo. Na verdade, o adjetivo sozinha marca o valor único desta rosa dentre todo o ambiente. Sozinha, porque só ela é capaz de prender o olhar e despertar significados- sua natureza é a mesma da poesia: repositório de belezas e sentidos condensados, velados, cheios de sedução, que vem à tona apenas com um olhar de contemplação e persistência diante do seu corpo: o poema.
A branco da Rosa significa a mistura de sentidos, pois para física o branco é a mistura das cores. Assim é, porque tem desde o sentido comum , prosaico, como flor até o seu sentido poético: poesia.
Arquiteturas parecidas: Maça e A rosa
Como no poema Maça (1938), o aspecto visual predomina; a rosa é vista por diversos ângulos desde o seu significado comum até seu significado simbólico. No primeiro momento, o foco centra-se no lado exterior da rosa, no galho, sozinha. Depois, mostra-se o lado interior, sua essência, o qual guarda o mistério intraduzível da vida e do mundo.
Algo que é comum em toda poesia de Bandeira é a busca do oculto, o sublime, que está escondido nas coisas. Na poesia Maça e em "Eu vi uma rosa", isto se evidencia pelo olhar que esses objetos despertam no eu do poema; da simplicidade ao mistério caminha o olhar. A diferença é que no poema Maça, a maça é uma natureza-morta, uma representação artística; já em "Eu vi uma rosa" a rosa é algo vivo, presa ainda a sua origem- a um galho. Todavia, em ambos surge a contemplação "desrealizada", absurda e ilógica, se tomada, claro, pela ótica do senso-comum, mas, ao observá-la pelo viés da poesia surreal, tem-se aí o mundo com suas essências naturais e contraditórias. Nas duas composições, vê-se a relação intrínseca do sujeito e o objeto: o sujeito dirige-se para o objeto tentando capturá-lo como uma câmara direcionando um foco.