ROLETA RUSSA DA VIDA
Por Lucas Simão Tobias Vieira | 31/01/2014 | CrônicasROLETA RUSSA DA VIDA
O tempo passou e tudo mudou, nada era como antes e nada será como o agora. Onde estarão alguns rostos conhecidos daqui a 15 ou 20 anos? O que o tempo e a sorte reservarão a cada um passadas tantas primaveras?
O tempo passou para aquela menina gordinha, de óculos fundo de garrafa, pele oleosa e aparelhos nos dentes, que sempre andava sozinha, tinha apenas amigos virtuais, amava ler romances estrangeiros e assistir filmes de ficção, que todos juravam que ficaria pra titia; diziam que na vida dela nada daria certo, que sua história sempre seria um arco-íris monocromático formado por uma cinza semelhante a um dia nublado da cidade de São Paulo. Que cinza que nada, na vida dela tudo caminha “muito bem obrigado”, e sua história é formada pelas cores mais coloridas e irradiantes que na natureza pode se encontrar. A roda gigante da vida sorriu pra ela e resolveu que ela seria um lindo mulherão. Hoje ela substituiu os óculos por lentes de contato, faz tratamento com dermatologista, malha todos os dias e se alimenta bem, veste-se com elegância e sem vulgaridade, e os aparelhos nos dentes deram resultado... hoje ela apresenta como principal cartão de visitas o seu lindo sorriso que dá inveja aos exibidos nos comerciais de creme dental e abre todas as portas que ela pretende passar.
O tempo passou para a jovenzinha sorridente que sonhava um dia ser advogada. Talvez o sofrimento da separação dos pais a levou a conclusão de que ela não era a pessoa mais certa para mediar o sofrimento alheio. Embora soubesse que o fim da vida é também um exercício de separação, seja pela morte, pelo abandono ou pela decepção de relacionamentos fracassados, não imaginava que esse duro golpe mudaria todos os seus planos de vida. Perguntava-se qual seria sua reação quando outros pais sentassem em sua cadeira buscando a dolorosa solução jurídica. Sabia que outros filhos também passariam pela mesma dor que ela passou.
O tempo passou para o rapaz que sempre adorou se vestir de camiseta de marca e tênis da moda. Pela popularidade sustentada precocemente já havia feito sexo com mais de 10 garotas e beijado outras 100, e com isto acabou tendo a ilusão (equivocadamente) de que já era um homem formado. Quando deu por si aos 15 anos já era pai ao engravidar uma garota 2 anos mais nova. Duas crianças sem condição financeira ou psicológica que irão ser obrigadas a criar e dar valores (que elas mesmas não possuem) a outra criança.
Aquele ali, negro, de cabelos rastafári, que parece gostar de blues, Bob Marley e Carlinhos Brown, que joga capoeira e toca berimbau, vai se interessar pela carreira diplomática e acabará sendo enviado como embaixador para mediar conflitos raciais em um país da África; aquela de cabelos ruivos vai ser modelo plus size, e superar de uma vez por todas sua neurose em relação a se sentir gorda; aquela morena que desde pequena foi a primeira aluna da sala, cursou relações internacionais na UNB e é poliglota em seis idiomas, vai abandonar seu belo emprego de diretora de uma multinacional depois que o noivo terminou o relacionamento de 8 anos para morar com sua melhor amiga; o garoto que adora tocar violão para ganhar as gatinhas, vai ter seu talento descoberto e ganhar uma boa grana ao tocar Gonzaguinha para brasileiros no exterior. Aquele garoto perderá todo o seu patrimônio ao ser roubado pelo próprio irmão após uma confusa disputa judicial.
Alguns galãs depois de alguns anos estarão carecas e com uma enorme barriga de cerveja. Outros que passaram desapercebidos pela maioria das mulheres se tornarão sex simbol e darão dicas de sedução. A intelectual de óculos de armação grossa fará faculdade e terá um caso com seu professor 15 anos mais velho, e será também o estopim do fim de um casamento de 30 anos, após a mulher do catedrático descobrir em um único dia infidelidade do marido e a gravidez da mesma aluna.
O casalzinho ali de mãos dadas, que namora desde a adolescência, vão se casar e ser pais de trigêmeos; curiosamente os 3 vão cursar medicina. A outra menina de pele clara que chegou de BMW conversível e cujo pai é um importante figurão de Belo Horizonte, vai pintar o rosto e se juntar com um grupo de manifestantes para protestar contra os médicos cubanos que estão trabalhando no país.
A loirinha de camisa xadrez e fones de ouvido, vai se apaixonar por um cara que ela conheceu pela internet. Após passarem um final de semana no motel, vai fuçar no seu celular e descobrir que ele é casado e tem uma linda família. Aquele jovem modelo vai assumir a homossexualidade para a família, e enfrentar o preconceito do pai militar e da mãe católica.
O moreno de pele cor de jambo, sentado ali no banco, que vem de origem humilde, filho de operário e da faxineira, que sempre esteve excluído do mercado de consumo e nunca experimentou o sabor de um Big Mac ou de qualquer outro item que não derivasse de uma cesta básica, vai abrir uma franquia no ramo de fast food, e depois de alguns anos se transformar em um dos maiores empresários do país.
Infelizmente, a menina rica com o Iphone na mão, que desde o berço sempre esteve credenciada com a sigla VIP, e teve acesso ao melhor que o mundo possa oferecer, já se entediando de subir pássaro de ferro para apreciar as belezas existentes nos quatro cantos da terra, vai empobrecer e ser obrigada a trabalhar como vendedora no shopping, após seu pai perder tudo o que tinha nas apostas de cavalos e relacionamentos extraconjugais.
Aquele vai virar vegetariano depois de realizar uma pesquisa na faculdade sobre processo de confinamento e abate de bovino. É terrível, mas aquela vai assistir sem poder fazer nada seu filho morrer em uma batida de veículos. A magrinha de cabelos lisos vai casar e morar longe dos pais e só então descobrir o quanto eles eram importantes. O homossexualismo manifestará após uma década naquele outro, estranhamente, logo nele que é um Don Juan. Aquele concurseiro que quer ser Juiz Federal acabará viciado em Ritalina. Aquela de vestido florido se apaixonará pelo colega de trabalho, e quando menos perceber, vai acordar um dia em um quarto barato de motel à beira da estrada.
O jovem de calça capri vai abandonar direito no quarto ano por falta de grana. A garota de verde, que adora animais vai cursar veterinária e abrir um pet shop. Aquela ali que cursava teatro após o colégio, vai usar seu talento da maneira errada e se transformar em uma exímia estelionatária especialista no golpe do bilhete premiado.
Quantos destes vão se casar e sobreviver a tentação do divórcio? Quantos ao falecer realmente em todos deixarão saudades? Quantos destes amarão o próximo como a si mesmos e a Deus sobre todas as coisas? Quantos antes de partir terão encontrado a verdadeira felicidade? Quantos farão verdadeiras amizades? Amizades? Vixe, agora tem até carrinho elétrico pra levar o caixão....nem precisamos mais de 6 amigos no final do expediente....