Ritual Kabbalístico

Por Germano Brandes | 24/05/2016 | Filosofia

Ritual Kabbalístico

     A essência do ritual é que alguma coisa executada no plano físico seja relacionada aos mundos superiores. Pode ser um simples gesto da mão ou uma cerimônia elaborada. Pode ser exercitado conscientemente na vida diária, para que ações bastante mundanas se tornem repletas de significados, ou um ritual cuidadosamente planejado para uma ocasião específica. A essência é que, assim como todos os mundos estão fundamentados sobre o mesmo modelo sefirótico, também as intenções postas em prática e um determinado mundo afetarão todas as outras. Por isso, na abordagem tradicional judaica era dada tanta atenção a coisas bastante comuns, como sair e entrar em uma casa, e também ao ato do amor. Ritual é o método de formalizar a ação e imprimir não apenas significado, mas fazer um contato com outros mundos.

     Nos estágios iniciais do grupo, nada demasiado complexo deve ser tentado. Só confundiria, porque agir e estar simultaneamente consciente requer algum tempo. Contudo, as pessoas não deveriam acreditar na idéia de que desempenhar um ritual seja o suficiente. Não é. Na verdade, quando um grupo não faz nada mais que isso, é tempo, então, de descartar esse ritual específico, ou mesmo modo que uma música é composta. Primeiro deve-se aprender a linguagem das notas, depois a estrutura dos acordes e compassos, e assim por diante, até a composição possuir uma série de movimentos que expressam uma progressão levando até um apogeu e a uma resolução que, depois do auge da consciência, traz de volta os executores para um lugar de equilíbrio.

     O principal instrumento do ritual é o corpo. Este é a ferramenta da ação e da expressão. É também o reflexo perfeito de toda a Existência, e assim sendo, pode ser utilizado de muitas maneiras para evocar diferentes níveis e princípios. O passo inicial no aprendizado do vocabulário do corpo é vê-lo como a Árvore da Vida, se movimentando e funcionando no espaço físico. Assim, o primeiro exercício é criar um espaço no lugar de reunião onde as pessoas possam movimentar-se tanto individualmente como em grupos. Para começar o processo do ritual, o grupo deve limpar a área de trabalho, para que esta seja vista como algo especial. As cadeiras podem ser dispostas de modo a definir o espaço a ser dedicado e utilizado. Este procedimento aparentemente comum deve ser encarado como um ritual em si, para que as pessoas comecem a olhar o que quer que façam como uma ação sagrada o que, por sua vez, começa a afetar a atitude em relação a tarefas completamente terrenas.

     Depois de criar uma área rudimentar de trabalho, as pessoas devem se vestir especialmente para a ocasião. Não é só uma consideração prática para que o corpo se movimente livremente e assuma qualquer posição, porém serve para indicar a alma animal que também está envolvida na operação. Além disso, os homens do grupo devem se vestir como homens e as mulheres como mulheres. Tradicionalmente, isso é para fazer as pessoas se movimentarem de acordo com sua inclinação natural, antes de começarem a desenvolver os aspectos macho e fêmea de suas Árvores individuais. Muitas pessoas são desiquilibradas no que diz respeito à sua identidade sexual, no sentido de que muitas mulheres são agressivas em excesso, e alguns homens, passivos de sobra. Vestir-se de acordo com o sexo reorienta os pilares contendo, ou permitindo, certos tipos de movimento que são a raiz de atitudes físicas ou psicológicas. Deve-se começar por Malkhut e Yesod, os quais são enfatizados sexualmente de uma maneira ou de outra. Durante este primeiro estágio de ritual, deve-se começar do princípio, para não distorcer o desenvolvimento gradual dos pilares com conceitos atuais sobre masculinidade e feminilidade. Deve-se verdadeiramente compreender o que é o seu próprio sexo antes de adulterar seu equilíbrio. Assim sendo, saias e calças não devem ser encaradas como sociais ou convencionais, mas símbolos de uma diferenciação física e seus respectivos talentos e qualidades em ação.

     No início, as pessoas funcionam como indivíduos, mesmo que estejam atuando em um grupo. É como os músicos, que devem primeiro aprender a dominar seus próprios instrumentos antes de trabalhar em uma orquestra. Todas as lições iniciais se refletirão e serão fundamentadas sobre o esquema geral da Árvore e do corpo. Isto é feito pelo grupo, alinhando-se em fileiras de dez e executando as seguintes instruções. Para começar, o corpo é visto como um organismo total, isto é, como uma unidade, apesar de suas diversas facetas. Isto é feito permanecendo-se em silêncio total, mas deslocando a consciência da Coroa da cabeça na direção do Relâmpago da Árvore, atravessando os hemisférios do cérebro (Hokhmah e Binah) até o rosto e garganta (Daat), para os pulmões e coração (Hesed e Gevurah), indo para o plexo solar (Tiferet), aos quadris (Nezah e Hod) para a genitália (Yesod), até embaixo nos pés (Malkhut). Faz-se tudo isso lentamente, para que cada nível seja anotado e fixado na consciência, como um determinado lugar e função. Assim, por exemplo, Daat, a área do conhecimento, está relacionado à fala e aos sentidos cognitivos do paladar, olfato, audição e visão. Aqui é onde a Árvore distingue os mundos interior e exterior, em contraposição ao plexo solar, que relaciona todos os acontecimentos do corpo à psique.

     Depois de se estar familiarizado com as posições sefiróticas no corpo, o simples exercício de se apoiar em qualquer um dos lados logo demonstrará o equilíbrio dos pilares; e revelará como, na maioria de nós, o lado direito é, na verdade, o mais ativo, pois trabalhamos com a mão direita, enquanto o lado esquerdo mantém o objeto firme. Este exercício também mostrará como, além de um certo ponto, podemos perder nosso equilíbrio funcional, se este não for corrigido. Deve funcionar dentro do limite de excelência dos três pilares, ou se tornar sujeito às influências destrutivas dos demônios dos extremos. A seguir, o grupo se divide na metade: uma de pé e a outra de joelhos. Se isto for feito em sequência, ou com as pessoas se alternando, então as faces superiores e inferiores da Árvore serão experienciadas enquanto os indivíduoa olham de cima e de baixo uns para os outros. Pode parecer brincadeira de criança, mas é extraordinário quão intensamente estes exercícios de aparência simples afetam o indivíduo, enquanto a inteligência do corpo registra o que a psique não nota e guarda durante anos, como por exemplo o fato de nunca se desaprender o ato de nadar. A imagem da Árvore do corpo é então aprofundada e intensificada pelo exercício de levantar os braços, de modo às mãos estarem acima da cabeça com a palma direita para cima e a palma esquerda para baixo, como os dervixes. Isto simboliza receber e conceder o que está fluindo na Coroa acima da cabeça. A descida da Graça é conscientemente assistida pelo estudante que traz ambas as mãos para baixo para cobrir o rosto, e então tocar o coração, plexo solar, quadris, genitália e finalmente aterrar o fluxo, tocando o chão. O reverso é começar tocando a terra nos pés, e ascender, então, na mesma sequência de níveis, até estender e manter braços levantados. Este ritual é muitas vezes utilizado para começar e finalizar cerimônias, ou mesmo apenas para se preparar ou para terminar meditações pessoais.

     Este é o modelo básico para a maioria dos rituais. Sem o relacionamento físico entre a Árvore e o corpo, nenhuma ação pode ser desempenhada de maneira kabbalística. Outras tradições usam os chakras, ou vestimentas e adornos especialmente desenhados. A Kabbalah emprega a Árvore do corpo, de modo a existir um elo direto entre todos os mundos e o que está sendo feito pelo físico análogo. O corpo é a vestimenta ritual.

     Depois do grupo estar familiarizado com a Árvore do corpo, os exercícios comunais podem ser iniciados. Seriam arranjos simples, com as pessoas assumindo posições sefiróticas. Alguns grupos, realmente, marcam as onze posições da Árvore no chão da sala e se exercitam permanecendo em cada estação, em meditação ou contemplação a fim de obter algum entendimento sobre a natureza do Sefirah que representa. Mais tarde os caminhos entre os Sefirot podem ser desenhados, e as pessoas andam para cima e para baixo entre os diversos Sefirot para transferirem-se fisicamente de uma estação para outra e para distinguir qual possa ser a qualidade do caminho de ligação. Este exercício poderia ser um ritual semanal, para que os estudantes lentamente construam uma imagem física da Árvore, de cima a baixo, simplesmente vivenciando-a.

     Um método de sintetizar este estágio do treinamento é manter uma cerimônia no final do período, na qual as cadeiras são dispostas nas várias posições sefiróticas. O tutor conduz uma progressão Árvore acima, de Malkhut ao topo, cerimonialmente descrevendo as qualidades de cada cadeira em que se senta. Pode dizer sobre Tiferet, por exemplo, “Este é o Trono de Salomão. O lugar do Guardião. A posição do sábio”; ou Gevurah: “Este é o lugar da discriminação, disciplina, controle e julgamento”; ou Hesed: “Este é o lugar da bondade amorosa, tolerância e perdão”, e assim por diante. Depois do tutor ter enunciado a pequena evocação descritiva para cada cadeira, deve haver um breve silêncio e uma pausa, antes do tutor se levantar e se dirigir para a posição seguinte. Logo que o tutor tenha deixado a posição, a cadeira é tomada por um estudante, que por sua vez cede o lugar a outro. Após o tutor atingir a cadeira do topo, Keter, e for enunciada a evocação descritiva, ele deverá se levantar e se colocar de lado, enquanto o grupo se movimenta Árvore acima, e passa através da posição da Coroa da cadeira do ápice. Durante esta progressão do grupo, o tutor deve manter o ritmo e o fluxo do movimento de trocar de cadeiras dizendo, por exemplo, “Esta é a estrada pela qual você entrará no Céu. Este é o caminho tão trilhado pelos místicos. Este é o caminho dos iniciados”, e assim por diante. Quando a ascensão se completa e todos deixam a Árvore de cadeiras, o processo é revertido, e o tutor conduz da mesma maneira a descida da Árvore, empregando toda a vivência, imaginação e inspiração que possui para aprofundar a experiência, enquanto o grupo é trazido de volta à terra no momento em que cada um dos participantes se senta na cadeira de Malkhut. Quando todos se levantarem de Malkhut, então pode-se concluir a cerimônia com as palavras:

“Santo, Santo, Santo é o Senhor das Hostes;

Vossa Glória resplandece em todos os Mundos”.

     Esta poderia ser a culminação de um período de trabalho físico, e o começo de um ciclo de rituais executados em intervalos periódicos para trazer à terra, fortificar e unificar o grupo e também o trabalho prático que fará. No início, tais cerimônias não devem ser demasiado complexas, nem efetuadas com muita freqüência. Contudo, com o passar do tempo, muitas sutilezas podem ser acrescentadas e muitos aspectos aprofundados. Algumas pessoas, por exemplo, acham que a mesma forma externa assume um novo significado cada vez que participam. Nem é desconhecido experienciar um vislumbre direto e transcendente dos mundos superiores ao executar o que aparenta ser uma simples operação física. Mas isto é exatamente o que o ritual está destinado a fazer, enquanto a ação simbólica, preenchida pela consciência, ressoa e atrai uma resposta dos níveis mais elevados. Paralelamente ao exercício dos métodos de trabalho do grupo está a interação das pessoas que lentamente se desenvolve nas reuniões, e, assim, retornemos ao plano tão humano da dinâmica e política do grupo, pois estas são, também, áreas de aprendizado para o kabbalista.