Restrições ao exercício da liberdade de expressão pela imprensa jornalística...
Por Evandro Antonio Vieira de Moura Filho | 11/10/2016 | DireitoRestrições ao exercício da liberdade de expressão pela imprensa jornalística brasileira face aos direitos fundamentais à imagem e à honra do cidadão brasileiro exercidas pelo Poder Judiciário
Evandro Antonio Vieira de Moura Filho
Ricardo Albuquerque Ferro Alves
RESUMO
Dentro do rol dos direitos fundamentais, encontra-se o direito à liberdade de expressão, direito fundamental conquistado com a democratização e constitucionalização do país, que representa um meio para a defesa da liberdade individual frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo. Porém, há casos em que esse direito colide com outros direitos fundamentais devido à abrangência dos princípios consagrados pela Constituição brasileira, fazendo-se necessária a intervenção do judiciário para resolver tais conflitos, tendo em vista a não existência de direitos absolutos. Desta feita, este trabalho consiste em fazer uma análise acerca da importância dos direitos fundamentais, em especial, o direito à liberdade de expressão, e em abordar a questão da possibilidade de conflito entre este direito e os direitos fundamentais à imagem e à honra; e na existência de conflito, como serão resolvidos pelo Poder Judiciário.
1 Introdução
Em razão da importância e destaque do tema no cenário nacional e internacional, além de seu relevante valor acadêmico e social, o presente trabalho pretende fornecer ao leitor um breve estudo sobre a importância do direito à liberdade de expressão para o Estado Democrático de Direito e, em contraponto, sobre a necessidade de imposição de restrições ao direito à liberdade de expressão exercido pela imprensa brasileira para a proteção de outros direitos igualmente importantes, com destaque aos direitos à intimidade e à honra. Desta forma, constata-se que apesar do direito à liberdade de expressão ser consagrado na Constituição como um direito que independe de censura ou licença e que não sofrerá qualquer restrição, haverá limites ao exercício deste direito.
Em primeiro plano será evidenciado o tratamento dado aos direito fundamentais pelo ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando-se a relação deles com o Estado Democrático de Direito e com a Constituição de 1988. E logo em seguida, será dada ênfase ao direito à liberdade de expressão, o qual é consagrado de forma expressa pela Constituição vigente e é exercido amplamente pela imprensa brasileira.
Em segundo plano será abordado os limites dos direitos fundamentais junto com a possibilidade de colisão entre eles, falando-se de modo especial sobre os limites da liberdade de expressão exercida pela imprensa, que por meio de seu exercício pode vir a colidir com os direitos à honra e à imagem. Assim, pretende-se mostrar como o Poder Judiciário brasileiro tem lidado com as situações nas quais ocorre colisão.
2 Direitos Fundamentais no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Antes de analisarmos a concepção de direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se importante falar sobre a importância dos direitos fundamentais para o Estado Constitucional de Direito, fazendo-se uma breve digressão histórica acerca da evolução do constitucionalismo e da relação dos direitos fundamentais com o Estado de Direito.
A ideia atual sobre Constituição tem suas raízes nos resultados de intensas lutas travadas por países em um processo de “libertação”, com destaque para os Estados Unidos da América e para a França.
Os Estados Unidos eram colônias inglesas, que começaram a ser povoada por puritanos em meados do século XVII. Revoltados com o excesso de tributação imposto pela Coroa britânica, com os limites impostos às atividades comerciais e a ausência de representação no Parlamento inglês pela colônia, os puritanos iniciaram um movimento de independência, desencadeando, quase um século depois, em 1776, na Declaração de Independência, que representa a independência das colônias. Um ano depois, em 1787, um projeto de revisão dos “Artigos da Confederação” acabou se transformando em uma “Convenção Constitucional”, a qual gerou a primeira Constituição escrita da história, que merece destaque por ter um conteúdo principiológico, contendo artigos referentes à construção de um judiciário forte, à previsão de eleições periódicas, à formação de princípios gerais para nortear a sociedade e, principalmente, à implantação de um governo fundado na separação dos poderes e na supremacia da lei (BARROSO, 2009, p.16-19).
Na França, a evolução histórica foi semelhante. Houve um intenso processo revolucionário para acabar com a exploração e os privilégios das classes dominantes, o que culminou na transformação do Estado absolutista em liberal.
A Revolução Francesa mudou a visão de Estado em todo o mundo e fez nascer, em 1791, a Constituição Francesa com a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão em seu preâmbulo. E conforme dita Barroso, [...] quanto às instituições políticas e ao constitucionalismo, consolidaram-se valores como o sufrágio universal, a soberania popular, a separação dos Poderes, a proteção aos direitos individuais, com ênfase nas liberdades públicas, na igualdade formal e na propriedade privada (BARROSO, 2009, P. 28).
Assim, pode-se observar que, assim como atualmente, o núcleo essencial das primeiras constituições escritas, conforme se constatou a partir destes dois exemplos, que representam o marco inicial do constitucionalismo contemporâneo, é formado por normas garantidoras da supremacia da lei, da separação dos Poderes e da soberania popular, abrangendo a proteção dos direitos fundamentais em face do Estado e pelo Estado. E indo além, é “íntima e indissociável a vinculação entre direitos fundamentais e as noções de Constituição e Estado de Direito”, pois, como dispõe o artigo 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada a, nem a separação dos poderes determinada não possui Constituição” (SARLET, 2009, p. 58).
Portanto, o autêntico Estado de Direito além de garantir formas e procedimentos relativos ao funcionamento da estrutura jurídico-estatal, ele principalmente, por meio da Constituição, estabelece metas, parâmetros e limites da atividade estatal para garantir a existência dos direitos e liberdades fundamentais, proporcionando a noção de legitimidade da ordem constitucional e de Estado. Neste contexto, os direitos fundamentais além de assumirem a função limitativa do poder, constituem critério de legitimação do poder estatal, fazendo com que a ideia de justiça esteja sempre associada a tais direitos. Por esta razão os direitos fundamentais tornaram-se elementos da ordem jurídica objetiva, atuando como fundamento material de toda a ordem jurídica (SARLET, 2009, p. 59-60).
Neste sentido, a Constituição brasileira de 1988, conhecida como a “Constituição-Cidadã”, marcou a história do constitucionalismo pátrio, pois pela primeira vez a matéria dos direitos fundamentais foi tratada com a merecida relevância. E até as principais características desta Constituição são extensivas ao título dos direitos fundamentais: seu caráter analítico, o pluralismo e o forte cunho programático e dirigente (SARLET, 2009, p.63-64).
Alguns aspectos acerca da positivação dos direitos fundamentais na Constituição de 1988 demonstram a relevância referida que foi dada aos direitos fundamentais. A posição topográfica, após o preâmbulo e os princípios fundamentais, constitui estes direitos em parâmetro hermenêutico e valores supremos da ordem jurídico-constitucional; e a própria terminologia “direitos e garantias fundamentais” mostra o acompanhamento em relação à evolução no âmbito do direito constitucional e internacional (SARLET, 2009, p. 66).
Porém, a inovação considerada mais relevante foi consagrada pelo art. 5º, § 1º da CF/88, que exclui o cunho meramente programático dos direitos fundamentais e consagra o status jurídico diferenciado destes direitos na Constituição vigente, os quais devem ter aplicabilidade imediata (SARLET, 2009, p. 66).
Outros detalhes importantes, dignos de referência, dizem respeito à proteção dos direitos fundamentais que foi alargada, estando eles presentes no rol das “cláusulas pétreas” do art. 60, §4º da CF, impedindo, assim, a sua mitigação e supressão; e à amplitude do catálogo dos direitos fundamentais, que aumentou de forma voluptuosa o elenco destes direitos protegidos. E apesar do caráter analítico do rol dos direitos fundamentais, há a consagração do “princípio da abertura material do catálogo dos direitos fundamentais” no art. 5º, § 2º da Constituição atual, que é decorrente da ideia dominante de Constituição e dá dupla nota de fundamentalidade (formal e material) aos direitos, possibilitando o reconhecimento de direitos fundamentais implícitos ou decorrentes do sistema constitucional devido ao conteúdo e importância destes direitos (SARLET, 2009, p. 67; 79-80).
2.1 Direito à liberdade de expressão
A Liberdade e Igualdade constituem elementos do conceito de dignidade da pessoa humana, o qual forma o fundamento do Estado Democrático de Direito e é inevitável para a promoção da cidadania. Este mesmo Estado servirá de meio para que as liberdades sejam garantidas e estimuladas, permitindo a igualdade entre todos e impedindo que as liberdades sejam meramente formais. (MENDES; BRANCO, 2011, p. 296). Neste sentido, conforme preleciona Ingo Sarlet (2009, p. 59):
Tendo em vista que a proteção da liberdade por meio dos direitos fundamentais é, na verdade, proteção juridicamente mediada, isto é, por meio do Direito, pode-se afirmar com segurança, na esteira do que leciona a melhor doutrina, que a Constituição (e, neste sentido, o Estado constitucional), na medida em que pressupõs uma atuação juridicamente programada e controlada dos órgãos estatais, constitui condição de existência das liberdades fundamentais, de tal sorte que os direitos fundamentais somente poderão aspirar à eficácia no âmbito de um autêntico Estado constitucional.
Dentre as liberdades consagradas no catálogo dos direitos fundamentais da Constituição vigente, a liberdade de expressão é visto como um dos direitos fundamentais mais relevantes, “correspondendo a uma das mais antigas reivindicações dos homens de todos os tempos”, pois serve de instrumento para a preservação e funcionamento do sistema democrático (MENDES; BRANCO, p. 296-297, 2011).
No Brasil, após o movimento militar de 1964, instalou-se uma “longa noite ditatorial”, que censurou de forma generalizada os meios de comunicação. Segundo Barroso (2001, p.131):
Suprimiam-se matérias dos jornais diários, sujeitando-os a estamparem poesias, receitas culinárias ou espaços em braço. Diversos periódicos foram apreendidos após sua, tanto por razões políticas como em nome da moral e dos bons costumes. No cinema, filmes eram simplesmente proibidos ou projetados com tarjas que transformavam drama em caricatura. Nas artes, o Ballet Bolshoi foi impedido de dançar no Brasil por constituir propraganda comunista. Na música, havia artistas malditos e outros que só conseguiam aprovar suas letras mediante pseudônimo. Na televisão, programas foram retirados do ar, suspensos ou simplesmente tiveram sua exibição vetada [...]
Mas com a redemocratização e constitucionalização do país, esta “noite” cessou e problemas como estes não existem mais; se surgirem serão equacionados pelos tribunais. A atual Constituição protege enfaticamente a liberdade de expressão e o Judiciário possui autonomia e poder para impedir desvios autoritários de governantes (SARMENTO, p. 1).
[...]