Responsabilidade Social do Poder: Ética dos Princípios
Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo | 01/12/2016 | SociedadeA sociedade contemporânea universal está estratificada, de acordo com critérios fixados, a partir de teorias elaboradas em estudos científicos, aplicação de fórmulas, concebidas depois da recolha de dados estatísticos e instrumentos de avaliação, utilizados pelas ciências sociais e humanas. Ordenar os diversos estratos sociais envolve conceitos de riqueza, actividade profissional, habilitações académicas, posse de bens mobiliários e imobiliários, rendimento mensal, enfim, património, cultura, estatuto.
Dividir a sociedade em classes, ordens, castas ou quaisquer outras designações e unidades de medida, poderá ter a vantagem de se conhecer, eventualmente, com algum rigor, quem é rico e quem é pobre, quem tem um estatuto social elevado, ou quem não tenha estatuto definido, seja por excesso, seja por defeito. A estratificação hierárquica da sociedade não será, seguramente, o mais importante, embora se reconheça que, em certos meios, ainda tem relevância social e protocolar.
A preocupação que deve estar presente, em quem detém alguma forma de poder, situa-se ao nível dos direitos sociais correlativos a igual número de deveres. O direito ao trabalho é, certamente, aquele que mais se deseja, indiscutivelmente, pela maior parte das pessoas que está desempregada e que, em contra-partida, também lhes correspondente, simultaneamente, o dever de trabalhar com assiduidade, competência, dedicação e produtividade.
Também o direito de inclusão, no mercado de trabalho, de pessoas deficientes, é uma exigência moral e ética, para além do reconhecimento da dignidade que assiste a toda a pessoa portadora de uma qualquer deficiência, a que lhe corresponde, igualmente, o dever de lutar por esse direito, mas também de não se vitimizar, para obter benefícios para além do que será justo e suficiente para uma vida com dignidade, o mais possível autónoma e manutenção da mais elevada auto-estima.
Neste sentido, a responsabilidade social de algumas empresas, indicia estratégias, nomeadamente: «Estimular e consolidar o respeito pelos direitos humanos, promover a igualdade de oportunidades, combater a exclusão, a não discriminação e garantir plena participação social, profissional e política de todos os cidadãos sem excepção, com especial atenção aos públicos mais vulneráveis e sujeitos a obstáculos a vários níveis, como é o caso das pessoas com deficiência ou incapacidade, são determinações da política actual.» (ROSA, 2007:27).
A Responsabilidade Social do Poder pressupõe, desejavelmente, uma ética dos princípios, quer para a Administração Pública, quer para os setores privado e cooperativo, no sentido da institucionalização, nos respetivos departamentos e serviços de uma Carta de Deveres ou de um Código Deontológico.
Os direitos, por si sós, não garantem melhores condições de vida, não reduzem os desequilíbrios, nem as desigualdades sociais, nem sequer atenuam os conflitos, porque tem de haver, justamente, o dever de respeitar os direitos de cada um, logo, a necessidade de se imporem obrigações, para que se evitem os abusos dos direitos adquiridos e/ou a adquirir. A ética do princípio, segundo o qual, a um direito há-de corresponder-lhe um dever, parece, assim, ser a melhor política: ao nível da justiça em geral; e das justiças específicas, em particular.
É correto referir que, para que o cidadão usufrua do direito a uma aposentadoria confortável, deverá cumprir com o dever de, voluntariamente, se submeter aos descontos legais, pelo máximo que lhe for legalmente exigível e/ou permitido. É imoral descontar sobre mil e depois exigir dois mil de reforma. É injusto que o que desconta metade do tempo ou menos venha a auferir de reforma, tanto como aquele que descontou o tempo todo, admitindo a mesma base salarial e igual desconto.
Muito mais grave, poderá ser a atribuição de regimes especiais, para determinado tipo de trabalhadores e outros prestadores de serviços. Também aqui deve entrar a responsabilidade social, do ponto de vista de uma ética, para os organismos que decidem e controlam estas situações. Neste, como em todos os domínios que interferem com a dignidade da pessoa humana, não pode haver cidadãos de primeira, de segunda e terceira categorias. As regras de base devem ser iguais para todos, como por exemplo: todos devem descontar o mesmo número de anos para ter acesso à reforma completa.
Antes de se exigir uma ética para a fruição de direitos, será necessário que cada pessoa, cada instituição, interiorize a cultura de uma ética dos deveres, baseada em princípios: uns, universais; outros, específicos para cada setor de atividade, que conduzam à prestação de melhores serviços e à produção de artigos, com melhor qualidade, para que utentes e consumidores, respetivamente, tenham o direito à melhor oferta, diversidade e preço.
No que às empresas respeita, a sua responsabilidade social, poderá ficar na dependência dos resultados líquidos que obtém, muito embora, se considerem outros fatores e estratégias que, de alguma forma, podem atenuar os efeitos, eventualmente negativos, de lucros insuficientes, porque: «Hoje em dia uma cultura empresarial forte, assenta em princípios económicos sólidos, tem que ser desenvolvida, não à parte, não contra, mas com a incorporação de valores de responsabilidade social. Vários factores são apontados como impulsionadores desta evolução, no sentido da responsabilização social das empresas: as novas preocupações dos cidadãos (…); critérios sociais nas decisões de compra (…); inquietações crescentes de informação sobre as actividades das empresas.» (APOLINÁRIO, 2007:50).
Algumas decisões sobre a posição da empresa, quanto à sua responsabilidade social, cabem por inteiro às respetivas lideranças, através dos titulares dos cargos, ou, se se preferir, dos gestores. A responsabilidade social da empresa, seja ela pública ou privada, pode manifestar-se por uma estratégia de motivação dos seus trabalhadores, estabelecendo com estes as condições para a realização do trabalho e o alcance de determinados objetivos, valorizando em cada trabalhador, em cada equipa, em cada departamento, o mérito, este composto por várias vertentes, como: competência, assiduidade, disponibilidade, atualização de conhecimentos, boas-práticas, cultura da empresa, assunção de responsabilidades, lealdade, entre outras.
A este propósito transcreve-se aspectos importantes da norma SA-8000 Gestão da Responsabilidade Social das Empresas: «A Certificação de um Sistema de Gestão da Responsabilidade Social é orientada para o incremento da capacidade competitiva de qualquer organização que voluntariamente garanta a componente ética do seu processo e ciclo produtivo, prevendo a adequação à legislação vigente, através do cumprimento de requisitos associados a:
Trabalho Infantil; Trabalho Forçado; Segurança e Saúde; Liberdade de Associação e Direito à Negociação Colectiva; Discriminação; Práticas Disciplinares; Horário de Trabalho; Remuneração; Sistema de Gestão.
Dentre os benefícios oferecidos pela obtenção da certificação SA-8000, destacam-se: 1. Melhoria do relacionamento organizacional interno através da demonstração da preocupação com o trabalhador; 2. Aumento do envolvimento dos trabalhadores, diminuição de eventuais conflitos laborais; 3. Mais informação e, portanto, maior confiança por parte dos Clientes;
Melhoria da gestão dos processos chave da empresa, consequente aumento de produtividade; 4. Diferenciação positiva face à concorrência, e credibilização da marca; Maior segurança para a empresa e para os seus accionistas; 5. Consolidação da imagem e reputação da empresa como socialmente responsável.” (http://www.dqa.pt/002.aspx?dqa=0:0:0:24:0:0:-1:0:0&ct=24)
As pessoas motivadas, seguramente, desempenham muito melhor as suas tarefas, produzem mais e melhor, contribuindo para a riqueza da empresa, possibilitam que esta disponha dos recursos financeiros, suficientes para implementar diversas regalias sociais, pecuniárias e de progressão na própria carreira. A responsabilidade social das empresas, pode, assim, ser melhorada, consistentemente assumida.
Na verdade: «A organização como um todo pode formar o contexto para se alcançarem altos níveis de motivação através de sistemas de recompensas e da criação de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. (…) A motivação relaciona-se com um comportamento centrado em objectivos. As pessoas são motivadas a fazer algo se pensarem que lhes vale a pena fazê-lo.» (ARMSTRONG, 2004:191).
O que se aplica às empresas e outras instituições privadas pode (e deve), com algumas ligeiras adaptações, utilizar-se e exigir-se das empresas públicas, vulgarmente, do Estado, nos seus múltiplos organismos, reconhecendo-se, embora, maior capacidade nos departamentos da Administração Central, Regional e Local.
Com efeito: «A Administração Pública não se legitima a si própria pelo facto de existir. No entanto, porque dá resposta a necessidades de cidadania, porque honra a finalidade pública, é validada pelo serviço público que presta, pela função social que detém. E, ao zelar pelos interesses de cada cidadão, zela pelos interesses gerais da sociedade e seus valores, e assume um compromisso social que lhe aporta responsabilidades.» (CARDOSO, 2007:55).
Em princípio, é muito difícil exigir às empresas que assumam uma total e efetiva responsabilidade social, porque os principais objetivos delas circunscrevem-se aos lucros, para, depois, serem distribuídos por vários componentes: modernização, formação, acionistas, reinvestimentos, pessoal, encargos sociais e fiscais, ampliação, internacionalização, globalização.
É por isso que: «A responsabilidade social das empresas é, por definição, de carácter voluntário. Muitas das opções empresariais de responsabilidade social assumem, inclusive, uma dimensão filantrópica. Outras, porém, revestem-se de natureza ética, e existem quadros definidos nesta matéria, como sejam códigos de conduta, cartas de direitos, rótulos de qualidade, etc., através dos quais são definidos e assumidos comportamentos responsáveis para com as partes interessadas – clientes, fornecedores, trabalhadores – e a comunidade. É no plano da ética que surge a questão primordial da responsabilidade social das empresas.» (APOLINÁRIO, 2007:51).
Novamente se pode estabelecer o paralelismo, entre o privado e o público, em termos de procedimentos, muito embora o setor público empresarial do Estado e a própria Administração Pública, nesta matéria, tenham responsabilidades acrescidas e constitucionalmente consagradas na Lei Fundamental, normalmente, no capítulo dos Direitos e Deveres Sociais, dos quais se destacam: «Segurança Social e Solidariedade – todos têm direito à segurança social (Artº 63º); Saúde – todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover (Artº 64º); Habitação e Urbanismo – todos têm direito, para si e para a sua família a uma habitação de dimensão adequada …, (Artº 65º); Ambiente e Qualidade (Artº 66º); Família (Artº 67º)» (CRP, 2004:36-40).
Exige-se, portanto, que o Poder, concretamente, o poder que se exerce nos Órgãos do Estado, assuma, objetiva e claramente, a responsabilidade que é devida para com todos os cidadãos, sem exceção, já que estes contribuem, coercivamente, com um volumoso e pesado pacote de impostos, justamente, para usufruírem das regalias sociais a que têm direito, porque também lhes corresponde o dever de pagar impostos.
A Carta Ética contendo os dez princípios éticos da Administração Pública, no que aos funcionários se refere, naturalmente no cumprimento de diretrizes superiores, emanadas do Poder Político, menciona o seguinte: «(…) Princípio da Justiça e da Imparcialidade – Os funcionários no exercício da sua actividade, devem tratar de forma justa e imparcial todos os cidadãos, actuando segundo rigorosos princípios de neutralidade.» (CARDOSO, 2007:59).
Significa, também, que este princípio deve ser aplicado, igualmente, a todos os cidadãos, no acesso aos benefícios sociais, havendo aqui a responsabilidade social e o dever dos funcionários em assessorarem os decisores políticos com e na perspetiva da solidariedade e lealdade que é devida a todos os concidadãos.
O Estado, enquanto considerado como o maior empregador, detentor de imensos recursos humanos, técnicos e, sobretudo, financeiros, tem o dever ético-moral, e a responsabilidade social acrescida, de facultar a todos os cidadãos, as condições ideais para usufruírem dos seus direitos, porque também os obriga a cumprir com os deveres, sob pena de, não se cumprindo estes, serem aqueles retirados, com a aplicação de eventuais punições previstas nas leis que, o próprio Estado elabora, aprova e põe em execução, algumas das vezes para sua própria proteção e, eventualmente, em situações pontuais, para impedir que o cidadão tenha as mesmas oportunidades de defesa que o Estado tem de acusação.
Bibliografia
APOLINÁRIO, J. M. Marques, (2007).Finalidade Económica, Responsabilidade Social e Ética das Empresas, in: Dirigir. Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional, Nº 98, Abril-Maio-Junho, 2007, pp.49-51
ARMSTRONG, Michael (2005). Como ser Ainda Melhor Gestor. Guia completo de técnicas e competências essenciais. Trad. Geraldine Correia e Raquel Santos. Lisboa: Actual Editora
CARDOSO, Alice, (2007). “A Administração Pública Hoje: Nova Ética para Melhor resposta”, in: Dirigir. Lisboa: I.E.F.P. – Instituto do Emprego e Formação Profissional, Nº 98, Abril-Maio-Junho, 2007, pp. 55-59
CRP – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, (2004), Porto: Porto Editora.
KUNG, Hans, (1990). Projecto para uma Ética Mundial, Trad. Maria Luísa Cabaços Meliço, Lisboa: Instituto Piaget.
MOREIRA, José Manuel, (1999). A Contas com a Ética Empresarial, 1ª. Ed., S. João do Estoril-Cascais: Principia, Publicações Universitárias e Científicas, Apud Alexandre Herculano, (1853) “A Descentralização”, em O Portuguez, de 8 de Junho de 1853.
RESENDE, Enio, (2000). O Livro das Competências. Desenvolvimento das Competências: A melhor Auto-Ajuda para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro: Qualitymark
ROSA, Alexandre, (2007). “A Responsabilidade Social no Combate à Discriminação de Pessoas com Deficiência”, in: Dirigir. Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional, Nº 98, Abril-Maio-Junho, 2007, pp.23-27
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