Responsabilidade penal da pessoa jurídica causadora de danos ambientais
Por Marisol Lira Espíndola duarte | 27/08/2012 | DireitoRESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA CAUSADORA DE DANOS AMBIENTAIS
A responsabilização da pessoa jurídica no âmbito penal e ambiental é um dos temas mais contraditórios hodiernamente e discuti-lo é fundamental, visto a proporção dos danos causados ao meio ambiente por tal categoria. O desenvolvimento sem conscientização da preservação do meio ambiente compromete a viabilidade da vida no planeta, de modo que a questão ambiental tornou-se centro de discussões, estudos e políticas públicas no mundo inteiro.
A relevância do tema em questão origina-se da conscientização das populações de que os recursos naturais são finitos e que sua não preservação ameaça o futuro das novas gerações. A partir desta constatação o meio ambiente é elevado a direito de todos, devendo ser protegido pelo Poder Público e toda a sociedade, bem como responsabilizado todo o causador de danos a este direito.
Dividi-se a responsabilização penal da pessoa jurídica no plano internacional, de modo geral, de acordo com o tipo de sistema jurídico adotado no país, ou seja em países que adotaram o sistema common law (Inglaterra e Estados Unidos, por exemplo) admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica, enquanto os países com sistemas legais codificados (Europa continental e América Latina, entre outros), rejeitam a responsabilidade penal da pessoa jurídica, em virtude dos obstáculos dogmáticos impostos por suas normas jurídicas.
Todavia, há exceções a esta divisão, como na França (a partir de 1994) e no Brasil (a partir de 1998), que apesar de serem países com sistemas legais codificados admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 contemplou o meio ambiente em capítulo próprio, considerando-o como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e a sociedade o dever de preservá-lo e defendê-lo.
De acordo com a nossa legislação, o meio ambiente é considerado “um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”. Neste sentido o constituinte estabeleceu no artigo 225, CF/88 que o meio ambiente é “um bem de uso comum do povo e um direito de todos os cidadãos, das gerações presentes e futuras, estando o Poder Público e a coletividade obrigados a preservá-lo e defendê-lo”.
Pela nova ordem jurídica introduzida no país com a Constituição Federal de 1988 poderá haver restrição ao direito de propriedade quando em risco o direito ao meio ambiente equilibrado. Isto porque um meio ambiente sadio é indispensável para uma vida digna.
Portanto, o marco histórico no Brasil da responsabilização da pessoa jurídica é a Constituição Federal de 1988, que admite expressamente a responsabilização penal da pessoa jurídica em infrações cometidas contra o meio ambiente, contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, nos artigos 173, § 5º e 225, § 3º.
Neste sentido, a Carta Magna prevê os princípios da restauração, recuperação e reparação do meio ambiente em seu artigo 225, e no § 3º, acentua que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Tem-se, assim, que a responsabilidade penal deixou de ser exclusivamente da pessoa física, estendendo-se também à pessoa jurídica.
Toda atividade lesiva ao meio ambiente, ainda que autorizada pelo Poder Público, poderá ser responsabilizada penalmente, com base no direito fundamental da dignidade da pessoa humana. Trata-se de uma tendência mundial, seguida pelo constituinte de 1988.
A responsabilização da pessoa jurídica por atos lesivos ao meio ambiente é regulamentada pela Lei 9.605/98, definidora dos crimes ambientais. Não havendo disposição expressa em nosso Código Penal acerca do tema. No entanto, não é pacífica na doutrina esta responsabilização. Doutrinadores do Direito Constitucional e do Direito Penal interpretam o artigo 173, § 5º, de maneiras divergentes. Referido dispositivo inserido no título “da ordem econômica e financeira” estabelece que a lei estabelecerá a responsabilidade da pessoa jurídica, sujeitando-a a punições compatíveis com sua natureza.
Ao interpretar o texto constitucional acima transcrito os doutrinadores do Direito Constitucional afirmam que a responsabilidade penal da pessoa jurídica pode ser extraída do texto do parágrafo 5º alhures. Todavia, os estudiosos do Direito Penal defendem que o constituinte não previu expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica no dispositivo em comento, de modo que se trata simplesmente de responsabilidade, sem adjetivos, não podendo ser extraída a responsabilidade penal do texto constitucional retromencionado.
Mas, há expressa previsão constitucional de responsabilização penal das pessoas jurídicas no § 3º do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil.
Mesmo diante desta previsão expressa, os doutrinadores que defendem a não responsabilidade penal da pessoa jurídica afirmam que não se pode admitir a ruptura do princípio da responsabilidade penal pessoal, pois há diferença semântica entre as palavras condutas e atividades, ou seja, as condutas de pessoas físicas sujeitarão os infratores a sanções penais, e as atividades de pessoas jurídicas sujeitarão os infratores a sanções administrativas, não sendo possível responsabilizá-las penalmente.
O legislador infra constitucional pátrio reafirmando a responsabilização penal das pessoas jurídicas estabelece expressamente no artigo 3º da Lei 9.605/98, que:
Artigo 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único – a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou participes do mesmo fato.
Assim, nas infrações contra o meio ambiente cometidas por decisão de representantes legais ou contratuais, ou de órgãos colegiados, tomadas no interesse ou benefício da entidade, há responsabilidade administrativa, civil e penal da pessoa jurídica.
Para os defensores da não responsabilização penal da pessoa jurídica a Lei 9.605/98 é inconstitucional, pois, segundo estes, os artigos 173, § 5º e 225, §3º, da CF, não instituem, nem autorizam o legislador ordinário a instituir, a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Argumentam ainda que a responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica infringe os princípios constitucionais:
a) da legalidade: sintetizado na fórmula nullum crimen, nulla poena sine lege, e que se realiza no conceito de tipo de injusto, como descrição legal da ação proibida, sendo esta (ação) um fenômeno exclusivamente humano, não podendo ser praticado por pessoa jurídica.
b) da culpabilidade: expresso na fórmula nullum crimen sine culpa, é um conceito complexo fundado na capacidade penal, na consciência da antijuridicidade (real ou possível) e na normalidade das circunstancias da ação, não podendo ter por objeto a pessoa jurídica, visto não ter consciência da antijuridicidade de suas ações.
Estando estes princípios inseridos na definição de crime não é possível admitir a penalização da pessoa jurídica.
Para estes doutrinadores a responsabilização da pessoa jurídica no âmbito penal fere também os princípios constitucionais da personalidade da pena e da punibilidade, delimitadores da pena. Em outras palavras, admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica é o mesmo que admitir que a pena ultrapasse a pessoa do condenado, uma vez que acionistas minoritários vencidos em assembléia gerais, ou sócios que não participaram da decisão são igualmente atingidos pela pena aplicada à pessoa jurídica.
Deste modo, fundamentam suas posições afirmando que os fins racionais atribuídos à pena criminal, de reprovação da culpabilidade e de prevenção geral e especial da criminalidade (art. 59, CP) são inaplicáveis à pessoa jurídica, incapaz das emoções ou sentimentos humanos que fundamentam os fins atribuídos à pena criminal.
Diferentemente, os defensores da responsabilização da pessoa jurídica no âmbito penal fundamentam-se nos dispositivos constitucionais e legais que prevêem expressamente esta sanção àquelas pessoas causadoras de danos ao meio ambiente.
Compreende-se mais adequado este entendimento, uma vez que não resta dúvidas que no Brasil, com a Constituição de 1988, artigo 225 e, posteriormente com a Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) restou plenamente reconhecida a responsabilidade penal da pessoa jurídica, sendo esta uma tendência jurídica mundial.
Afirmar que a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada penalmente por crimes ambientais é sobrepor-se o interesse privado ao público, pois o meio ambiente sadio é um direito de todos, trata-se de proteção a um bem de uso comum, garantido a presente e futuras gerações.
Não admitir a responsabilização da pessoa jurídica no âmbito penal por crimes ambientais representa retrocesso à proteção ao meio ambiente.
Mesmo sendo a pessoa jurídica uma ficção jurídica, com existência apenas no plano jurídico e abstrato, conforme teoria da ficção elaborada por Savigny, é indispensável reconhecê-la como passível de responsabilização por atos de seus agentes que causarem danos ao meio ambiente. Não se pode utilizar o “manto” de pessoa jurídica para causar danos a toda a coletividade. Principalmente, tendo em vista que a pessoa jurídica é, no mais das vezes, a causadora dos danos ao meio ambiente.
Com base nos princípios do usuário-pagador, poluidor-pagador e da reparação, todo aquele que causar danos ao meio ambiente deve pagar pelos danos já causados ou que porventura vierem a ocorrer, por meio de tarifas ou preços e/ou da exigência de investimento na prevenção do uso do recurso natural, e o da responsabilização residual ou integral do poluidor.
Tais princípios encontram-se presentes na Lei nº 6.938/81, onde se adotou a responsabilidade objetiva ambiental, bem como na Carta Federal em seu artigo 225, §1º, inciso I, e §§ 2º e 3º, os quais agasalham a obrigação de restauração, recuperação e reparação do meio ambiente danificado.
Toda ação lesiva ao meio ambiente, mesmo praticada por pessoa jurídica, deve ser responsabilizada criminalmente. Sendo a causadora do dano pessoa jurídica deve se analisar se a ação ou omissão foi praticada por pessoa física estreitamente ligada à pessoa coletiva, que agiu no interesse desta, com o objetivo de ser útil à finalidade do ser coletivo e com o auxílio da infraestrutura fornecida pela empresa.
Portanto, a disciplina básica da responsabilidade penal ambiental encontra-se na Lei nº 9.605/98, sendo a primeira lei que unificou a responsabilidade penal por infrações ambientais, que anteriormente estava dispersa em várias leis.
Atualmente o Direito Penal não fundamenta-se apenas em fazer justiça por meio de compensação da culpa com imposição de pena, este ramo do Direito vai muito além. É uma proteção há bens jurídicos indispensável para a manutenção da sociedade, não se vinculando, no atual estágio do Estado e da evolução social, a finalidades teológicas ou metafísicas, não se deve analisar se o violador da norma é pessoa física ou jurídica.
A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, nos exatos termos do parágrafo único do artigo 3º da Lei 9.605/98.
As penas a que as pessoas jurídicas se sujeitam estão previstas no artigo 21 da Lei 9.605/98, são elas: a) multa (calculada segundo parâmetros previstos no Código Penal); b) restritivas de direitos (consistentes em suspensão parcial ou total de atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e proibição de contratar e obter subsídios, subvenções ou doações do Poder Público); e c) prestação de serviços à comunidade (custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos, contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas).
Por fim, destaca-se que poderá haver até mesmo desconsideração da pessoa jurídica se sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, conforme estabelece o legislador no artigo 4º da Lei 9.605/98.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
CAPPELLI, Sílvia. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica em Matéria Ambiental: uma necessária reflexão sobre o disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal. Revista de Direito Ambiental n. 1, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, jan/mar 96, pp. 100/106. Disponível em: http://www.agirazul.com.br/artigos/silvia.htm.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica. A responsabilidade penal da pessoa jurídica é, talvez, o tema de política criminal e de direito penal mais controvertido da atualidade. Disponível em: http://www.tj.ro.gov.br/emeron/sapem/2001/junho/0806/ARGIGOS/A08.htm.
SOUZA, Elaine Castelo Branco. Responsabilidade Criminal da Pessoa Jurídica por ato lesivo ao meio ambiente. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/textos/x/15/22/152/DN_Responsabilidade_criminal_da_pessoa_juridica_por_ato_lesivo_ao_meio_ambiente.doc.