RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO

Por Francismary de Jesus Costa Froes | 21/07/2024 | Direito

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO

 

                                  Autora: Francismary de Jesus Costa Froes

14 de abril de 2022

RESUMO

 

A responsabilidade civil é um conceito jurídico fundamental que se origina das práticas de reparação de danos nas civilizações antigas. Evoluindo de uma base de retaliação direta para um sistema mais refinado de compensação monetária, a responsabilidade civil moderna é essencial para regular as interações dentro da sociedade e garantir que danos causados sejam adequadamente reparados. Este trabalho explora as raízes, a evolução e as aplicações práticas da responsabilidade civil, destacando a importância da culpa, do dano e do nexo causal como seus elementos constitutivos. Também discute as excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito e a força maior, que podem interromper a cadeia causal entre a ação do agente e o dano ocorrido. O entendimento desses conceitos é crucial para aplicar adequadamente a lei e garantir a justiça nas relações sociais.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil, Reparação de Danos, Culpa, Dano, Nexo Causal, Excludentes de Responsabilidade.

 

ABSTRACT

 

Civil liability is a fundamental legal concept originating from damage reparation practices in ancient civilizations. Evolving from a basis of direct retaliation to a more refined system of monetary compensation, modern civil liability is essential for regulating interactions within society and ensuring that damages are adequately repaired. This paper explores the origins, evolution, and practical applications of civil liability, highlighting the importance of fault, damage, and causal link as its constitutive elements. It also discusses exclusions from liability, such as force majeure and fortuitous cases, which can interrupt the causal chain between the agent's action and the occurred damage. Understanding these concepts is crucial for properly applying the law and ensuring justice in social relations.

 

Keywords: Civil Liability, Damage Reparation, Fault, Damage, Causal Link, Liability Exclusions

 

INTRODUÇÃO

 

A medicina é uma das ciências mais nobres, dedicada à cura de doenças e à preservação da saúde humana. No entanto, o exercício desta profissão não está isento de desafios e riscos, destacando-se entre eles o erro médico, sendo um fenômeno complexo, que abrange desde diagnósticos falhos a procedimentos cirúrgicos mal executados, traz consigo consequências muitas vezes devastadoras para pacientes e desafios jurídicos significativos para os profissionais envolvidos e o sistema de saúde como um todo.

 A escolha deste tema e desta metodologia decorre da relevância do erro médico no cenário atual, onde a medicina moderna, apesar de avançada, ainda está sujeita a falhas humanas e limitações técnicas. Além disso, o aumento da consciência dos pacientes sobre seus direitos tem levado a uma maior judicialização da medicina, tornando essencial o entendimento claro e atualizado das normativas e interpretações legais vigentes.

O presente trabalho tem como objetivo explorar a natureza e as implicações do erro médico dentro do contexto da responsabilidade civil, examinando como a jurisprudência e a legislação brasileira tratam dessas ocorrências. Busca-se compreender as circunstâncias sob as quais um profissional da saúde pode ser considerado legalmente responsável por erros cometidos durante a prática médica, distinguindo o erro médico de outros fenômenos, como a iatrogênia.

Para atingir tal objetivo, foi adotada a metodologia de pesquisa bibliográfica, através da qual se realizou uma revisão detalhada da literatura existente sobre o tema. A pesquisa bibliográfica é uma forma de investigação que permite a coleta de dados preexistentes, relevantes para o estudo em questão, provenientes de materiais que já receberam um tratamento analítico.

Nesse contexto, foram consultados artigos acadêmicos e livros, além de documentos legais e decisões judiciais que abordam o erro médico e a responsabilidade civil na área da saúde. Esta abordagem permite uma análise aprofundada e embasada nos principais debates e evoluções conceituais e práticas sobre o assunto.

Através desta investigação, pretende-se contribuir para o entendimento mais claro sobre como a lei brasileira interpreta e gerencia os casos de erro médico, oferecendo uma visão abrangente que pode auxiliar profissionais da saúde, juristas e estudantes da área médica ou legal a melhor compreenderem seus direitos e responsabilidades.

Importante destacar que, apesar do foco no contexto brasileiro, os conceitos e dilemas discutidos são de natureza global, oferecendo insights relevantes também para sistemas de saúde e quadros jurídicos de outros países. Assim, este estudo não apenas aborda uma questão crítica para a prática médica e o direito no Brasil, mas também contribui para o debate internacional sobre a melhor forma de lidar com erros médicos e proteger tanto os pacientes quanto os profissionais da saúde.

  Dessa forma, espera-se que os resultados desta pesquisa ajudem a promover uma prática médica mais segura e um sistema jurídico mais eficiente e justo, onde os erros sejam adequadamente tratados não apenas do ponto de vista punitivo, mas também como oportunidades para aprendizado e melhoria contínua das práticas médicas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 RESPONSABILIDADE CIVIL

 

A responsabilidade civil tem suas raízes nas estruturas sociais mais arcaicas e nas civilizações pré-romanas, onde as noções de reparo por danos se apoiavam na ideia de retaliação e compensação direta. Sob a governança da Lei de Talião, documentada em numerosas culturas antigas, residia o princípio de justiça da retaliação proporcional, baseando-se na equivalência da retribuição pelo mal causado, da qual se origina o conhecido dito "olho por olho, dente por dente" (Gagliano; Pamplona Filho, 2022).

Com o tempo e dada sua relevância, o conceito de responsabilidade civil evoluiu para se tornar mais complexo e refinado, ajustando-se à progressão jurídico-social. Nesse período, em que o Estado assumiu a proteção dos interesses civis, mitigando a prática de justiça pelas próprias mãos, a perspectiva de vingança foi abandonada, favorecendo a análise da culpa do causador do dano e a introdução de compensações monetárias em substituição às práticas primitivas de autodefesa (Farias; Rosenvald, 2019).

Portanto, a responsabilidade civil é um fenômeno jurídico decorrente da convivência conflituosa na sociedade. As interações humanas são naturalmente precursoras dos dilemas associados à responsabilidade, visto que as atividades diárias inerentemente envolvem riscos que podem resultar em prejuízos a terceiros. Diante de cada dano causado, torna-se imprescindível desenvolver resoluções, considerando que a legislação não pode permitir que tais prejuízos permaneçam sem reparo (Diniz, 2022).

Nas relações contratuais, frequentemente criadas para atender às necessidades sociais, o descumprimento de obrigações acordadas leva a prejuízos para a outra parte, que deve ser devidamente responsabilizada. Não é raro que prestadores de serviço ou empresas falhem no cumprimento de seus deveres de cuidado e diligência, expondo seus clientes a danos. Da mesma forma, acidentes de trânsito ocorrem diariamente em todo o mundo e colocam os envolvidos em situações desfavoráveis, tanto materialmente quanto em termos de saúde.

Em múltiplas instâncias, a responsabilidade civil permeia todos os aspectos da vida social, e cada incidente que impacta uma pessoa, seja em sua integridade física ou patrimonial, cria um desequilíbrio moral ou material, tornando essencial a busca por soluções. Nesse sentido, a responsabilidade desempenha um papel crucial em restabelecer a ordem violada pelo dano e em restituir o prejudicado ao seu estado original antes do incidente (Diniz, 2022).

Segundo a renomada Maria Helena Diniz (2022), a responsabilidade civil constitui uma sanção civil emergente da violação de uma norma jurídica de direito privado, caracterizada por sua natureza compensatória, abrangendo a reparação de danos decorrentes de atos ilícitos, contratuais ou extracontratuais, ou ainda por atos lícitos que resultem em prejuízos a terceiros.

De modo geral, a responsabilidade civil é definida como o dever legal de reparar danos causados a outra parte, oriundos de ações humanas voluntárias, lícitas ou ilícitas, que transgridem um dever jurídico primário (Gonçalves, 2022). Nesse contexto, o princípio da responsabilidade civil se estabelece como o dever legal de reparar o dano causado a outro, buscando, assim, restaurar os direitos violados da vítima.

Noronha (2013) ressalta que a responsabilidade sempre envolve a obrigação de compensar danos infligidos a outrem ou ao seu patrimônio, incluindo danos que afetam interesses coletivos, sejam eles difusos ou coletivos em sentido estrito.

O conceito central de responsabilidade reside no âmbito semântico do verbo "imputar". Uma definição notória do termo foi formulada pelos jusnaturalistas: "imputar uma ação a alguém é atribuí-la a esse alguém como seu verdadeiro autor, lançando-a, por assim dizer, em sua conta e tornando-o responsável por ela" (Ricoeur, 1995, apud Rosenvald, 2022, p. 43).

Ademais, a responsabilidade é vista sob duas perspectivas: uma retrospectiva, pois cada indivíduo é responsável por suas próprias ações; e outra prospectiva, que sugere a ideia de precaução em lugar do costumeiro preceito de reparação, atribuindo a cada um a responsabilidade pela prudência e diligência em suas ações (Rosenvald, 2022). Assim, a responsabilidade não apenas provê segurança jurídica às vítimas de imprudências alheias, mas também estabelece limites claros ao comportamento humano, promovendo a cautela e a diligência em todas as atividades.

Rosenvald (2022) critica a visão da responsabilidade civil no sistema brasileiro como meramente compensatória, como se a compensação monetária pudesse, por si só, remediar um grave prejuízo sofrido pela vítima. Adicionalmente, enfatiza o papel punitivo da responsabilidade civil como um mecanismo para desencorajar a reincidência de atos ilícitos, além de prevenir, remover benefícios indevidamente obtidos ou, em casos excepcionais, punir comportamentos extremamente negativos.

Portanto, a responsabilidade civil, tanto na ótica direta quanto indireta, forma a base de nosso sistema jurídico, onde cada um é responsável por suas próprias faltas e, em certas circunstâncias, também pode ser responsabilizado por atos de terceiros ligados a si, presumindo-se a culpa, tratando-se, assim, de uma responsabilidade indireta (Gagliano; Pamplona Filho, 2022).

Diniz (2022) esclarece que a responsabilidade civil envolve a imposição de medidas que compel em um indivíduo a compensar danos morais ou materiais causados a terceiros, decorrentes de suas próprias ações, de alguém sob sua responsabilidade, ou de bens sob sua propriedade, ou ainda por exigência legal.

Quanto aos elementos constitutivos da responsabilidade civil, a doutrina majoritariamente concorda que são três os pressupostos fundamentais para o dever de indenizar: a conduta culposa do agente, a ocorrência de um dano a outra pessoa e o nexo causal entre o dano e a ação do agente.

A conduta, como um pressuposto da responsabilidade, refere-se a qualquer ato realizado por um ser humano, seja uma ação ativa ou uma omissão, que pode ser lícita ou ilícita e que resulta em danos a outra pessoa. Assim, cria-se o dever de compensar os direitos violados da vítima. A responsabilidade civil, sob a vigência do ordenamento jurídico atual, fundamenta-se geralmente na noção de culpa. Portanto, o dever de indenizar surge do julgamento de censura sobre o comportamento do agente (Diniz, 2022).

O artigo 186 do Código Civil esclarece que a obrigação de reparar danos é decorrente de atos ilícitos, que podem ser ações ou omissões voluntárias, imprudentes ou negligentes, que violem direitos e causem danos a terceiros. Esta seção é crucial para o estudo, pois a imprudência, a negligência e a imperícia são delineadas de forma objetiva. Segundo Tartuce (2019), a imprudência está vinculada à conduta realizada sem o devido cuidado ou precaução em uma situação reconhecida como perigosa. A negligência, por outro lado, está associada à omissão dos cuidados necessários, indicando falha em agir. Já a imperícia relaciona-se à falta de habilidade técnica ou competência para realizar determinada tarefa. O que é comum entre elas é a capacidade de provocar danos.

O segundo requisito para a obrigação de indenizar é a configuração do dano. Assim, não existe responsabilidade civil na ausência de dano, que se refere à lesão a um interesse específico digno de proteção, podendo ser de natureza patrimonial, afetando os bens da vítima, ou extrapatrimonial, quando há violação aos direitos da personalidade, individual ou coletiva (Farias; Rosenvald, 2019).

Por último, tem-se o nexo causal, um elemento constitutivo da responsabilidade civil, essencial para que se configure a obrigação de indenizar. Somente se reconhece o dever de compensar danos que são consequência direta ou previsível do ato ilícito. Neste contexto, a conexão entre o dano e a conduta do agente é designada como nexo de causalidade, indicando que o prejuízo deve ser resultado direto ou uma consequência antecipada da ação (Diniz, 2022).

Ademais, fatores podem interromper esse nexo causal, atuando como causas excludentes da responsabilidade. Esta matéria tem implicações jurídicas significativas na prática forense, pois é frequentemente invocada pelo réu como defesa em processos de indenização movidos pela vítima (Gagliano; Pamplona Filho, 2022).

A exclusão da responsabilidade civil ocorre quando o nexo causal é quebrado, isto é, quando o dano sofrido pela vítima não é uma consequência do comportamento do agente, mas resulta de uma causa superveniente. Assim, surge um novo fator que interrompe a relação causal entre a conduta praticada pelo agente e o dano experimentado pela vítima, rompendo a sequência original de eventos (Farias; Rosenvald, 2019).

Em resumo, Farias e Rosenvald (2019) elucidam, de forma notável, que não se deve confundir as excludentes de ilicitude, que justificam o comportamento do agente, removendo o caráter contrário ao direito de sua conduta, com as excludentes da responsabilidade civil, que afetam o nexo de causalidade e, por conseguinte, afastam a obrigação de reparar os danos. A distinção entre caso fortuito e força maior, embora ainda discutida na doutrina, foi consolidada pelo Código Civil de 2002 em um único conceito, eliminando a necessidade prática de diferenciação entre eles (Venosa, 2022).

Portanto, com o objetivo de esclarecer a aplicação prática dessas excludentes, é essencial discutir a conceituação. O caso fortuito geralmente decorre de eventos externos à vontade das partes, como um estado de guerra, enquanto a força maior provém de fenômenos naturais, como tempestades ou terremotos. Ambos são considerados causas excludentes da responsabilidade, pois afetam diretamente a relação de causa e efeito, interrompendo a ligação entre a ação do agente e o dano sofrido pela vítima, compartilhando a característica comum da inevitabilidade (Gonçalves, 2022).

A responsabilidade civil continua sendo um tópico vital para o entendimento e aplicação corretos da lei, garantindo a justiça e a equidade nas relações sociais e jurídicas.

 

2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICO

 

A questão da responsabilização médica por erros durante a prática profissional é uma temática de longa data na jurisprudência, sendo considerada um tema perene na responsabilidade civil médica (Kfouri, 2021).

Desde o Código Civil brasileiro de 1916, a responsabilidade civil médica é reconhecida e estava regulamentada no art. 1.545, que obrigava médicos e outros profissionais da saúde a compensar danos resultantes de imprudência, negligência ou imperícia (BRASIL, 1916).

Nigre (2018) simplifica essa responsabilidade como o dever de reparar prejuízos de natureza material, moral, estética ou existencial causados ao paciente por ações ou omissões no exercício profissional. Croce (2002) define a responsabilidade médica como a obrigação de meio, não de resultado, onde o médico compromete-se a tratar o paciente com cuidado e diligência, informando-o sobre os riscos associados ao tratamento e intervenções propostas.

Em resumo, a responsabilidade do médico está diretamente relacionada com a violação de um dever jurídico inicial, estabelecido entre o profissional e seu paciente, gerando uma obrigação de compensar qualquer prejuízo resultante do atendimento médico (Kfouri, 2021).

 

2.2 NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

 

A natureza jurídica da responsabilidade civil médica tem sido amplamente debatida, mas com os desenvolvimentos da doutrina e jurisprudência, e com a Lei 8.078/90 e o novo Código Civil, considera-se predominantemente que a responsabilidade médica é contratual (Nigre, 2018).

Como tal, a relação médico-paciente é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, que no art. 14, § 4º, determina que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais deve ser apurada por meio da verificação de culpa (BRASIL, 1990).

Mariana Pretel afirma que a responsabilidade civil médica é subjetiva, e o médico deve empregar todos os meios adequados com o devido cuidado. Somente será indenizado o paciente que sofrer prejuízos devido a tratamentos médicos nos quais se comprove a culpa do profissional (Pretel, 2010).

A natureza deste contrato ainda gera debates, alguns defendem que é um contrato de prestação de serviços devido às suas características pessoais e intuitu personae, onde o paciente espera ser tratado pelo profissional escolhido devido à confiança depositada. Outros veem como um contrato sui generis, onde o médico atua também como conselheiro do paciente na área de saúde.

Independentemente da corrente adotada, o fato de ser um contrato não altera a natureza jurídica da obrigação civil médica. No entanto, é essencial determinar em casos específicos se a obrigação firmada entre médico e paciente é de meio ou de resultado para a adequada aplicação da responsabilidade civil (Nigre, 2018).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 O ERRO MÉDICO

 

A definição mais amplamente reconhecida de erro médico identifica-o como uma conduta profissional imprópria que denota a falta de aderência a técnicas necessárias, capazes de causar danos à vida ou à saúde de alguém, caracterizada por falta de habilidade, descuido ou negligência (Stoco, 2010). Portanto, representa um deslize culposo do profissional durante a prática de sua profissão, sem qualquer intenção de causá-lo.

Desse modo, o erro médico é considerado um afastamento da conduta médica adequada, o que exclui a análise de responsabilidade intencional por dolo. Conforme esclarecido anteriormente, a medicina se baseia numa obrigação de meio, e não de resultado; assim, o erro médico deve ser distinguido de resultados adversos que ocorrem apesar do uso de todos os recursos disponíveis pelo médico, sem alcançar o sucesso esperado.

Frequentemente, o erro médico gera grande preocupação, pois há uma troca de expectativas: o paciente busca a cura e, infelizmente, encontra prejuízo. Tais danos são muitas vezes imediatos, irreversíveis e acompanhados de um sofrimento único na condição humana, fazendo com que, embora muitos erros profissionais possam não ser notados, o erro médico se destaque  (Stoco, 2010).

Médicos lidam com o recurso mais valioso da humanidade: a vida, com suas múltiplas funções vitais e a honra do indivíduo, além do patrimônio afetivo. Por isso, cria-se uma expectativa extraordinária em torno da medicina, que nem sempre dispõe de recursos operacionais adequados.

Não se pode citar exemplos específicos que automaticamente levam à reparação, pois as situações que geram esse dever são variadas e dependem de cada caso específico. Porém, é essencial lembrar que o médico é o guardião da vida, o protetor da saúde física e mental das pessoas. Deles se exige um grau de precisão, dedicação e quase perfeição muito maior do que de outros profissionais, pois seus erros podem resultar em perdas de vidas e em sofrimento, dor e perda irreparáveis.

 

Consequentemente, valorizar médicos é essencialmente valorizar a vida, e o ideal é que continuem sendo verdadeiros guardiões da saúde humana. Em suma, se de uma ação ou omissão, dolosa ou culposa — neste contexto definida como “erro médico” — o paciente sofrer qualquer dano, seja físico, psíquico ou moral, surge o dever de reparar, pois o médico é o destinatário desse dever de guarda e proteção (Stoco, 2010, p. 532).

 

3.3 O ERRO DE DIAGNÓSTICO

 

Primeiramente, é fundamental definir o termo diagnóstico para uma melhor compreensão. Simplesmente, o diagnóstico é o conjunto de atos médicos com o objetivo de reconhecer, identificar e interpretar sinais de uma doença para estabelecer o tratamento adequado e alcançar a cura. Assim, quando as conclusões do médico não refletem a realidade, ocorre um erro; contudo, o foco não é avaliar o erro de diagnóstico por si só, mas verificar se houve negligência por parte do médico (Kfouri, 2015).

Para assegurar um diagnóstico preciso, segundo Miguel Kfouri, são necessárias etapas preliminares divididas em dois grupos: a coleta e a análise adequada de dados que manifestam a doença, usando todos os recursos disponíveis como exames laboratoriais e radiografias; e a interpretação desses dados, comparando-os com padrões patológicos conhecidos (Kfouri, 2015).

É necessário verificar se os tratamentos aplicados estavam de acordo com as práticas e conhecimentos médicos vigentes. No entanto, o médico pode enfrentar dificuldades para alcançar um diagnóstico preciso devido à apresentação de sintomas inespecíficos, doenças assintomáticas, ou relatos imprecisos dos pacientes, o que pode tornar um erro de diagnóstico justificável.

Portanto, somente um erro diagnóstico flagrante e grosseiro pode levar à responsabilização do médico, ou seja, um erro que um médico prudente não cometeria sob as mesmas condições. Por exemplo, um médico que trabalha em um hospital público e precisa de um ultrassom para confirmar um diagnóstico não pode ser responsabilizado se o hospital não dispõe desse exame, levando-se em conta os recursos disponíveis ao profissional para determinar sua culpa.

 

Os tribunais tendem a responsabilizar quando a conduta médica não atende aos padrões exigidos, como demonstrado em um caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT, Apelação Cível nº 42286/2007). Neste caso, o depoimento das testemunhas foi suficiente para estabelecer a responsabilidade do médico pelas sequelas causadas ao paciente, considerando que a cirurgia resultou em uma coordenação motora prejudicada que só se manifestou após o procedimento

Em resumo, o erro de diagnóstico, como regra, não gera responsabilidade, a menos que seja cometido sem as devidas precauções e atenção, configurando-se como um erro manifesto e grosseiro, como discutido por Georges Boyer Chamard e Paul Monzein citados por Stoco: "o médico erra ao não utilizar outros métodos de investigação disponíveis ou ao emitir um juízo contrário aos princípios básicos da patologia" (Stoco, 2004, p. 726).

Finalmente, quando o diagnóstico se mostra equivocado, cabe ao juiz decidir se o erro é escusável ou não, uma discussão que será detalhada em um tópico específico sobre erro escusável e inescusável no último capítulo deste trabalho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 DANOS MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO NA MEDICINA

 

Na área médica, os danos causados aos pacientes são especialmente preocupantes, dado que afetam diretamente a saúde e a vida, considerados entre os ativos mais valiosos do ser humano. Frequentemente, esses danos são irreparáveis, destacando a sua gravidade e impacto permanente (Farias; Rosenvald, 2019).

Cavalieri Filho ressalta que o dano é o principal antagonista dentro do contexto da responsabilidade civil, afirmando que, embora possa haver responsabilidade sem culpa, é imprescindível a presença de um prejuízo para que se configure a necessidade de reparação (Filho, 2022, p. 93). Na mesma linha, Diniz (2022) aponta o dano como um pressuposto essencial da responsabilidade civil, sendo a demonstração de um prejuízo real e mensurável crucial para qualquer demanda reparatória.

Para que um dano seja considerado indenizável, segundo Diniz, é necessário que haja a destruição ou perda de um bem jurídico de natureza patrimonial ou moral, propriedade de um indivíduo. Somente assim se configura um dano. Os danos decorrentes de falhas médicas podem incluir desde óbitos e lesões corporais até deformidades estéticas e incapacidades diversas (Diniz, 2022).

Além disso, é essencial que o dano seja irrefutável e que exista uma causalidade direta com a conduta do agente causador, se um dano já foi reparado, ele deixa de constituir um prejuízo a ser compensado. Outro ponto é a legitimidade da vítima em reivindicar a reparação, pois deve ser titular do direito afetado, além disso, a ausência de causas excludentes de responsabilidade é determinante, visto que, em certas circunstâncias, pode ocorrer um dano sem que haja obrigação de repará-lo (Diniz, 2022).

Farias e Rosenvald definem dano como "a lesão a um interesse concretamente digno de proteção, seja ele patrimonial, extrapatrimonial, individual ou coletivo" (Farias e Rosenval, 2019, p.776). Os autores destacam a orientação do Poder Judiciário em analisar se o interesse violado merece proteção sob as leis vigentes.

Pode-se classificar os danos como materiais ou patrimoniais e morais ou extrapatrimoniais. O dano material afeta diretamente o patrimônio da vítima, enquanto o dano moral impacta a integridade moral ou emocional, sem necessariamente afetar o patrimônio (Gonçalves, 2022).

O dano material, conforme explica Venosa (2022), pode ser avaliado em termos monetários e, assim, passível de compensação financeira. Ele pode afetar tanto o patrimônio atual quanto o futuro da vítima, incluindo prejuízos imediatos e lucros cessantes – ganhos que a vítima deixou de obter devido ao dano.

Exemplificando, se um paciente sofre uma complicação devido a um erro cirúrgico que necessite de tratamentos adicionais, os custos desses tratamentos e o período de incapacidade para o trabalho caracterizam, respectivamente, danos emergentes e lucros cessantes.

No contexto de dano moral, este se refere ao prejuízo que afeta o estado psicológico, moral e intelectual da vítima, sendo um tipo de dano que não se relaciona com os valores morais da filosofia, mas sim com a lesão a interesses pessoais significativos.

Por fim, o dano estético, definido por Magalhães (2021) como uma alteração permanente na aparência de um indivíduo que causa constrangimento e desconforto emocional, pode ser entendido tanto como uma forma de dano moral quanto material, dependendo do caso. A jurisprudência permite a cumulação de indenizações por danos morais e estéticos quando ambos podem ser claramente distinguidos e avaliados separadamente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Ao longo deste estudo, exploramos as dimensões complexas e multifacetadas do erro médico dentro do contexto da responsabilidade civil no Brasil. A análise detalhada, embasada em uma revisão bibliográfica, permitiu compreender melhor a natureza dos erros médicos, suas causas, consequências e o tratamento jurídico aplicado a esses casos.

Identificou-se que o erro médico é caracterizado pela imperícia, imprudência ou negligência, e não decorre de uma ação intencional. Os resultados deste estudo destacam a importância de um sistema legal que equilibre a justiça para os pacientes afetados por erros médicos com a proteção dos profissionais da saúde contra acusações infundadas. A responsabilidade civil surge como um mecanismo de proteção social, mas também como um fator que contribui para a qualidade do cuidado médico ao incentivar a adesão a práticas seguras e eficazes.

Ficou evidente que os desafios enfrentados pelos profissionais da saúde, incluindo a falta de recursos e condições inadequadas de trabalho, podem impactar significativamente a incidência de erros médicos. Isso reforça a necessidade de políticas de saúde pública que garantam que os médicos tenham à disposição os recursos necessários para praticar medicina de forma segura e eficaz.

Este estudo também sublinhou a importância de uma comunicação clara e efetiva entre médicos e pacientes como uma ferramenta essencial para minimizar mal-entendidos e gerenciar expectativas, o que pode reduzir significativamente o risco de litígios por erro médico.

A educação continuada para os profissionais da saúde sobre as melhores práticas e os avanços tecnológicos também emerge como um fator crítico para a prevenção de erros médicos. Ao mesmo tempo, o sistema jurídico deve continuar a evoluir para responder de maneira justa e eficiente aos desafios impostos pelos avanços na medicina e pelas expectativas sociais.

Em conclusão, a complexidade do erro médico requer uma abordagem holística que envolva profissionais da saúde, juristas, educadores e formuladores de políticas públicas. Juntos, esses atores podem desenvolver estratégias mais eficazes para a prevenção de erros médicos e para o manejo das consequências quando eles ocorrem, sempre com o objetivo de valorizar a vida humana e promover a justiça e a integridade no campo da medicina.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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