Responsabilidade civil dos planos de saúde
Por Raíssa Daniela Pompeu Oliveira | 04/12/2017 | DireitoAdriana Teixeira, Argemiro Vale, Carlos Augusto Nunes, Eline Santos, José Ribamar, José Raimundo Froz, Larissa Araújo, Raíssa Pompeu E Vinícius Maciel; Bruno Coqueiro e Maysa Dutra.
1 DOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE
Os planos de saúde são bastante utilizados no Brasil. Desta forma, em tais planos privados de assistência ocorre uma prestação continuada se serviços ou até mesmo cobertura de custos assistenciais, inclusive, os preços podem ser pré ou pós estabelecidos cuja finalidade e a garantia da assistência da saúde (DAGOSTINI, 2012).
Neste sentido, a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, dispõe acerca dos planos e seguros privados de assistência à saúde. Em seu art. 1º, inciso I traz as seguintes definições:
Art. 1o Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor;
II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo;
III - Carteira: o conjunto de contratos de cobertura de custos assistenciais ou de serviços de assistência à saúde em qualquer das modalidades de que tratam o inciso I e o § 1o deste artigo, com todos os direitos e obrigações nele contidos.
É importante pontuar que as operadoras de planos e seguros de assistência à saúde privada são fornecedoras de serviço e, consequentemente, estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor (DAGOSTINI, 2012). Nesta relação existem os consumidores que são pessoas físicas ou jurídicas que se caracterizam por serem destinatárias finais do plano de saúde e também há a figura do fornecedor que presta tais serviços suplementares na área de saúde, conforme evidenciam os artigos 2º e 3º do CDC:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Tais afirmações foram ratificadas pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula 469 que afirma que “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.” Este fato é interessante, pois eles são contratos de adesão nos quais há uma redução da autonomia da vontade da outra parte, inclusive, são comuns os casos em que eles limitam o tempo de cobertura ou até mesmo a negam em face de carência. Outras características são a onerosidade, aleatoriedade, pois a extensão da obrigação é incerta e o caráter sinalagmático. Além disso, tal relação contratual é contínua de longa duração, a princípio (DAGOSTINI, 2012).
No que tange aos casos de erro médico a responsabilidade é objetiva e solidária, visto que há uma sistemática existente entre os médicos e os planos, sendo todos participantes da cadeia de fornecedores de serviços, conforme art. 34 do Código de Defesa do Consumidor e 932, III, do Código Civil e ainda o art, 26 da Lei nº 9656:
Art. 26. Os administradores e membros dos conselhos administrativos, deliberativos, consultivos, fiscais e assemelhados das operadoras de que trata esta Lei respondem solidariamente pelos prejuízos causados a terceiros, inclusive aos acionistas, cotistas, cooperados e consumidores de planos privados de assistência à saúde, conforme o caso, em consequência do descumprimento de leis, normas e instruções referentes às operações previstas na legislação e, em especial, pela falta de constituição e cobertura das garantias obrigatórias (Grifo nosso).
Portanto, depreende-se a responsabilidade objetiva e solidária entre de administradores, membros dos conselhos administrativos, deliberativos, consultivos, ficais e assemelhados.
1.1 Principais problemas dos contratos de plano de saúde
Após o estudo de como a aplicação das diretrizes que devem ser apresentadas como base de aplicação dos contratos dos planos de saúde que foram colocados nos capítulos anteriores, passaremos a abordar os principais problemas que tais contratos ainda apresentam, como exemplo temos a exclusão de cobertura, a forma como as cláusulas são redigidas para as doenças e lesões pré-existentes e os prazos de carência.
1.1.1 Exclusão de cobertura
É legalmente previsto a exclusão de alguns tipos de serviços médicos que ficam impedidos de estarem presentes nos contratos de planos de saúde, presentes na lei 9.656/98, em seu artigo 10, tais excludentes já são de consenso doutrinário medico e jurídico, porém a problemática em relação à tais excludentes se inicia no momento em que as empresas responsáveis por tais planos hesitam em cobrir tratamentos referentes à logopedia, fisioterapia, terapia ocupacional, aplicação de órteses e próteses, dentre outras. Dessa forma apesar de ser uma ação corriqueira dentro do sistema medico em nosso país é importante ressaltar que tal pratica é ilegal, uma vez que a mesma nessa situação está se negando à prestar serviços essências para a manutenção da saúde do beneficiário.
Como exemplo tem-se o tratamento fisioterapêutico que se coloca de forma essencial para a recuperação da saúde do paciente, sendo assim uma clausula que exclui a cobertura de tal forma de tratamento se perfaz com contorno de abusividade em relação ao paciente e beneficiário de tal plano de saúde.
Somado a esse fator, existem também situações em que as empresas colocam como condição para obter melhores preços de seus planos para seus clientes, possibilidades de aceitar a exclusão de coberturas em relação a algumas doenças especificas e também exclusão de algumas formas de tratamento. Essa pratica de forma alguma se coaduna com qualquer previsão legal em relação à lei 9.656/98, que veio para instituir uma base geral para os planos de assistência e de saúde, e de todo modo deve ser repudiada pelos clientes aos quais são colocadas essas condições pois vão contra a boa-fé contratual dentro das relações de consumo, como bem coloca a autora Amanda Flávia de Oliveira (2000):
A conduta correta da operadora de plano de saúde nos termos da legislação em vigor deve-se pautar pelo seguinte: 1º) A empresa deve ser responsável pelo cumprimento de toda e qualquer oferta e publicidade que fizer veicular quanto ao limite de cobertura dos planos de saúde por ela oferecidos no mercado; 2º) as cláusulas de exclusão devem ser redigidas em destaque, mesmo que estejam em conformidade com a legislação; 3º) os contratos não devem conter cláusulas de exclusão de cobertura a determinados eventos pelo simples fato de serem os mesmos mais onerosos ou pouco lucrativos. (OLIVEIRA, 2000, p. 6)
Dessa forma os requisitos colocados pela autora deverão estar presentes para que assim possam se coadunar com as previsões normativas encontradas no Código de Defesa do Consumidor e dessa forma oferecer uma garantia de proteção necessária para os consumidores contratantes que estarão realizando a aquisição de tais planos.
1.1.2 Carência
O prazo de carência é aquele praticado no contrato de planos de saúde ou qualquer outro que envolva um seguro em que existe um prazo para que o assegurado comece a ser beneficiado pelos benefícios de tal contrato, tal prazo possui como principal fundamento “evitar que o consumidor se inclua no plano exclusivamente quando necessitar de tratamento, abandonando-o em seguida, o que transformaria o seguro em financiamento de despesas médico-hospitalares” (ALMEIDA, 2012, p. 2). Em relação aos contratos de planos de saúde os prazos de carência estão previstos na lei 9.656/98, no inciso V do seu artigo 12.
Tal prazo de carência se coloca altamente prejudicial ao contratante quando o mesmo se encontra diante de uma situação de emergência e que precisa do atendimento que esta em seu contrato assinado e as operadoras dos planos se negam pelo fato de ainda se encontrar dentro do prazo de carência estabelecido em contrato, oras, a situação de emergência surgiu naquele momento e o paciente necessita do atendimento médico ainda que esteja fora do seu prazo contratual
Diante de tal fato a autora Renata Palheiro M. de Almeida coloca a seguinte questão:
Estando o consumidor, portanto, em período de carência e ocorrendo uma situação de emergência (por exemplo um infarto), tenho constatado que os planos de saúde vêm adotando duas posturas: a primeira é a negativa de cobertura, normalmente por discordar da declaração do médico assistente de que se trata de caso de emergência ou por entender que a doença é preexistente à contratação; a segunda é a limitação de cobertura em 12 horas (ALMEIDA, 2012, p. 113)
Nessas condições colocadas, se perfaz inaceitável permitir que a operadora se negue à cobrir tal emergência com base em carência não cumprida, uma vez que se está colocando uma norma contratual diante do Código de Defesa do Consumidor, como anteriormente dito, em face da Constituição Federal, Lei Maior do nosso pátrio Ordenamento Jurídico brasileiro, trata-se da vida, bem maior guarnecido na citada Carta Magna em seu artigo 5º, caput.
1.1.3 Doenças e lesões pré-existentes
Ao analisar o caso em comento, deve-se levar em consideração o fato de que fazer com uma empresa de planos de saúde custeei problemas de saúde não assumidos no ato da assinatura do contrato ou que não tenham previsão legal exigindo essa prestação pode acarretar na impossibilidade de prestação adequada dos serviços às outras pessoas que contrataram os mesmos serviços. As empresas que prestam tais serviços não analisam individualmente cada contratante, para assim averiguar o lucro sobre cada um, mas de forma coletiva, ou seja, faz-se o calculo sobre um grupo de pessoas com as mesmas características e dessa forma verificam o lucro que será adquirido.
Porém, antes de assumir os riscos adquiridos com a assinatura do contrato, deve-se analisar se estes são pacíficos de serem segurados. Por isso, há variação de valor para cada pessoa. Filia-se ao argumento de que todos devem ser aceitos nos planos de saúde.
“Mesmo com a presença de doenças pré-existentes. A precificação leva em conta o período de exposição; tempo de carência não é computado como período de exposição. O cálculo atuarial é feito com base no período de cobertura; ou seja, descontado o prazo de carência. Como ressaltado, a organização do mercado de seguros pressupõe que se possam segregar os consumidores em grupos de riscos semelhantes, de forma que todos os indivíduos do mesmo grupo tenham a mesma probabilidade de incorrer no risco segurado e, portanto, paguem prêmios do mesmo valor. Outro ponto a mencionar é que o envelhecimento é processo natural, que faz com que, a partir de certa idade (ao redor dos trinta anos), a saúde comece lentamente a se deteriorar, processo que se agrava significativamente a partir dos sessenta anos de idade. Há certamente variações entre indivíduos, que podem ser explicadas por fatores diversos, como hábitos de vida, predisposição genética, etc., mas o efeito do envelhecimento sobre as condições gerais de saúde é universal.” (CURSO DE DIREITO EM SAÚDE SUPLEMENTAR, 2011, p. 123-124).
Conforme art. 14 da Lei 9.656/98 não pode haver recusa por parte dos planos de saúde em segurar pessoas com doenças e lesões pré-existentes. Estas devem ser informadas no momento da adesão às condições do contrato e sua não informação pode constituir fraude.
Nesse sentido, caso o plano verifique que o contratante omitiu informação sobre uma doença já contraída no momento da assinatura, pode realizar uma cobertura parcial temporária, ou seja, durante 24 meses pode limitar a utilização do plano de saúde por parte do contratante para caso que envolvam procedimento de alta complexidade, atos cirúrgicos que envolvam a doença não informada ou procedimentos que envolvam a mesma. Não é considerado um prazo de carência, mas sim uma forma de evitar danos pela omissão do cliente.
Outra forma de sopesar os futuros gastos que não foram incluídos no pacote, é fazer um acréscimo no valor outrora pactuado com o cliente, assim, poderá este se utilizar do plano para tratamentos que envolvam a doença pré-existente.
Dessa forma, sempre deve haver um equilíbrio entre as prestações de serviços de plano de saúde e o valor cobrado. Neste caso, entende-se que o fato de um cliente omitir doença pré-existente, pode garantir ao plano de saúde meios que possibilitem evitar futuros prejuízos, pois deve ser levado em consideração que diversas pessoas dependem dessas empresas que prestam tais serviços.
2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NOS PLANOS DE SAÚDE
É sabido que, a responsabilidade civil pode ser entendida enquanto instrumento cuja finalidade se pauta na busca do reestabelecimento do um equilíbrio social a um determinado status quo. A responsabilidade civil figura como instituto jurídico que tem por objetivo, o retorno, ou um ressarcimento, decorrente de uma ação ou omissão que ocasionou um dano, ao status anterior à prática do ato danoso, atingindo o patrimônio de quem causou o dano através da reparação de uma obrigação (FERRAZ; ARAÚJO; MARQUES, 2015).
Posto isto, relevante é expor o entendimento quanto à assistência privada à saúde, sendo que tal assistência, mais costumeiramente conhecida enquanto planos de saúde, teve seus avanços iniciais por intermédio da promulgação da Lei Eloy Chaves – Dec. Legislativo 46782/23. Onde, a partir de então, transferiu-se para o setor privado a responsabilidade que antes era estatal. Assim, devido isso, em meados das décadas de 60 e 70, conforme afirma Borges (2008), houve um grande boom de contratos nesse âmbito e, desde então tal mercado não estagnou mais, culminando em 1998 na promulgação da Lei n. 9656 (Lei dos Planos de Saúde), que veio para regulamentar o setor.
Entretanto, como, bem observou o autor supramencionado, tal setor não ficou alheio ao surgimento de problemas, fazendo com que beneficiários dos planos buscassem frente ao Judiciário um posicionamento satisfatório a eles, mostrando aí a relevância do presente trabalho. Destarte, diante desse cenário, várias foram as discussões sobre a temática, bem como, consequentemente, diversas foram as modificações feitas na Lei dos Planos de Saúde, fazendo surgir a conclusão de que a natureza da relação entre o beneficiário do plano e a operadora é de natureza consumerista, devendo assim se observar as regras postas pelo CDC.
Nessa esteira, o CDC exerce função relevante no setor da saúde suplementar, quanto a sua aplicabilidade, haja vista que o mesmo se traduz num instrumento nivelador, visando equilíbrio na relação de consumo em meio a essa atividade econômica, tendo como elemento norteador tanto o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, quanto os seus direitos básicos em relação a real prevenção de danos patrimoniais e morais.
Quanto à responsabilidade das operadoras, deve-se levar em consideração a mesma sob duas perspectivas, a saber: a) conforme artigo 14, CDC, em situações que haja defeito e; b) em casos, conforme artigo 20 do mesmo código, que haja vício. Haja vista que, nos moldes do CDC, tais fornecedoras também devem ser vistas como prestadoras de serviços - respondendo, na regra do art. 12, o prestador de serviço frente aos danos causados aos consumidores devido defeitos relativos aos serviços prestados, bem como pela insuficiência quanto as informações fornecidas ou mesmo ainda quanto à falta de adequação no tocante a fruição e os riscos do serviço.
2.1 Responsabilidade em face da negatória de assistência, pelos profissionais associados e pela má prestação do serviço
De acordo com o que foi mencionado anteriormente, tem-se o conhecimento que nesse setor suplementar de saúde, a regulamentação específica veio somente com o surgimento da Lei n. 9656/98, haja vista que em momento anterior a tal legislação específica, as relações decorrentes da relação entre a operadora e o beneficiário do plano eram vistas com base na Constituição Federal e no Código Civil. Contudo, apesar de tal regulamentação, tal segmento apenas ficou melhor amparado posteriormente com a criação do Código de Defesa do Consumidor.
Como bem esclarece Werneck (2010), antes essas operadoras, no que tange à responsabilidade civil, eram verificadas por meio do Código Civil, mediante responsabilidade subjetiva, o que dificultava o lado do beneficiário (hipossuficiente) frente a operadora, pois ao primeiro caberia a comprovação do dolo ou culpa do fornecedor, para que a partir daí este assumisse os riscos provenientes de tal relação.
Com o surgimento do CDC, como já comentado, - observando-se a comercialização dos planos privados de assistência à saúde - é que houve um enquadramento dessa relação enquanto consumo, porque é notória a presença de elementos que a caracterizam como tal, a saber, a existência do objeto, do consumidor, bem como a presença do fornecedor ou prestador de serviço. Ademais, ainda se notam na referida relação ainda aspectos intrínsecos que confirmam tal assertiva, não se faz mais necessário a comprovação do dolo ou da culpa, pois trata-se neste ordenamento da responsabilidade objetiva.
Não restando dúvida que se trata de uma relação de consumo, há de se mencionar que ela advém de numa relação contratual, que estabelece obrigações recíprocas entre fornecedor e consumidor, que são disponibilizados em forma de contrato de adesão, ou seja, as regras já veem predeterminadas cabendo ao consumidor aderi-las. Além disso, tais contratos possuem também como característica de ser por tempo indeterminado e forma continua.
Trata-se de uma prestação de risco, ou seja, o fornecedor não precisará prestar o serviço se não acontecerem os eventos previstos, e o consumidor somente terá cobertura, se, porventura, ocorrerem as situações preestabelecidas no contrato (Gregori,2007). Superado tal entendimento, há de se mencionar que são diversos os problemas emergentes dessa relação contratual, tanto para o consumidor quanto para as operadoras, mas o que interessa no presente estudo é os que culminam em prejuízo ao consumidor e, mais precisamente, aqueles que resultam de uma má prestação do serviço ofertado, bem como também, aquele decorrente da negatória de assistência, por parte dos profissionais associados.
Aqui, há de se ressalvar que, tem-se conhecimento que os contratos de planos de saúde apresentam certas carências, excluindo, em caso, alguns tipos de tratamentos e procedimentos que dispõe o artigo 10 da Lei 9656/98(incisos I a X). Contudo poderá, tal carência ser considerada abusiva, como por exemplo, em casos de contratos nos quais exista cláusula que negam determinados tipos de tratamento – fisioterapia, fonoaudiólogo, dentre outros – quando o beneficiário contratou certo tipo de plano que é o mais amplo de todos. Tal situação acaba por ser abusiva, devendo casos como esses, bem como em casos de modo geral que traduzam má prestação do serviço contratado - que fazem surgir a necessidade de reparação da parte lesionada – serem observados tendo em vista o que preconiza o art. 14 do CDC, in verbis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.”.
Ainda sobre essa questão, colabora Borges(2008) a respeito da responsabilidade em face da negatória de assistência:
Não deveria ser tratar de situação deveras normal, no entanto, ocorrem demasiadamente, as operadoras sempre negam a prestação de serviço sob o argumento das doenças e lesões pré-existentes, e, também pelo não cumprimento das carências.
Contudo, é sabido que a operadora não pode deixar de prestar assistência à saúde do beneficiário do plano, sob esses argumentos, se não preenchidos os devidos requisitos que justifiquem os mesmos
Quando o autor menciona doenças e lesões pré-existentes, ele se refere que a aquelas que o beneficiário tinha que eram contemporâneas ao momento da celebração contratual. É importante frisar que, tais lesões e doenças se forem relatadas de modo direto a operadora pelo beneficiário, tal situação dá margem a aplicação do agravo durante à carência, devendo este último dispor de certa quantia extra referente a tal moléstia – nos moldes do que delimita a Lei n. 9656/98.
Entretanto, na realidade a situação frequente é geralmente diversa disto, pois, como é sabido, apesar do artigo 11 da referida Lei possibilitar essa proteção da operadora frente a má-fé de alguns consumidores, o que ocorre é que, na maioria das vezes a operadora não exige exames pertinentes ao caso, se limitando a mera entrevista antes de se celebrar o contrato. Além disso, há situações em que o beneficiário desconhece a moléstia pré-existente – ou desconhece sua gravidade - à época do firmamento contratual, caso em que a operadora tem o dever da exigência de perícia médica para se confirmar isso.
Ainda, de acordo com o mesmo autor, diante de tal situação não poderá a operadora se valer da negação da cobertura do tratamento sob o argumento que a doença preexistia, ou mesmo argumentar o não cumprimento do período de carência pelo beneficiário. Pois, diante de situações como estas é dever da operadora prestar o serviço, haja vista que se não houve verificação da moléstia no tempo oportuno, agora que não se poderá, negar atendimento – no momento em que surgiu a necessidade. Assim, agindo de modo diverso, a operadora de plano de saúde estará indo de encontro aos que preceitua o CDC quanto às relações consumeristas – somente sendo eximida de tal responsabilidade se provar má-fe do beneficiário.
No tocante a negação de atendimento (frente a carência não cumprida) em casos de urgência e emergência, o não atendimento do beneficiário em casos que fogem da culpa deste, fere os artigos 5º e 6º da Constituição Federal (direito à vida e à saúde), bem como vai de encontro ao que determina a própria Lei dos Planos de Saúde no artigo 35-C:
Art.35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I – emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente;
II – de urgência, assim entendidos resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.[...].
Desse modo, há de se afirmar que as operadoras de planos privados de assistência à saúde devem ser observadas sob o prisma da responsabilidade objetiva solidária no tocante aos profissionais e estabelecimentos conveniados a ela, pois, a liberalidade de escolha desses cabe a ela e não ao beneficiário, como bem colabora acerca do tema Werneck (2010). Em decorrência disto, não restam dúvidas no que cerne a responsabilidade solidária no que diz respeito a indenização ao beneficiário frente a lesão sofrida. Haja vista que, quando o beneficiário contratou tal prestação de serviços, almejava segurança, garantia e previsibilidade, além de esperar, precipuamente, confiança dessa relação - esperando uma prestação executada de forma adequada.
Vale destacar que a responsabilidade civil objetiva está prevista no parágrafo único do artigo 927, do Código Civil:
Art. 927. [...]
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Além disso, é importante ressaltar que tal responsabilidade se funda na "teoria do risco", como bem pontua Cavalieri Filho (2003, p. 146):
Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação da causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano.
Quanto à responsabilidade dos médicos, temos o seguinte ensinamento de Sousa (2016):
Considerando que a responsabilidade médica é contratual, tem-se a ideia de que os médicos possuem o dever de tratar os seus clientes com zelo, dedicação, utilizando-se de todos os recursos adequados para tratamento dos doentes. Desta forma, são civilmente responsáveis quando ficar provada qualquer modalidade de culpa: imprudência, negligência e a imperícia. Nos diplomas legais, encontra-se o fundamento para responsabilizar o profissional por meio da culpa. Primeiramente, cita-se o artigo 951 do Código Civil que dispõe que as situações previstas nos artigos anteriores deverão ser aplicadas no caso de indenização devida por aquele profissional que, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte de paciente, agravar-lhe o mal ou inabilitá-lo para o trabalho. No mesmo sentido é o diploma consumerista, que no seu art. 14, § 4º esclarece que a verificação da culpa é fundamental para a responsabilidade dos profissionais liberais.
Destarte, trata-se aqui de responsabilidade civil subjetiva, a qual tem por fundamento a prática de uma conduta culposa – pelo ofensor – que ocasione lesão a um direito alheio por conta de um descumprimento de um dever jurídico. Lembrando que, a responsabilidade contratual é oriunda de um contrato estabelecidos entre as partes, culminando em uma dada finalidade, sendo que tal responsabilidade exista é necessário haver descumprimento – total ou parcial – do que fora acordado, ocasionando prejuízo a outra parte ou seus sucessores.
Estabelece o Código Civil, em seu artigo 475 que: “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. Para Cavalieri (2004), esta indenização serve de como substitutivo da prestação contratada.
Posto isto, há de se tecer comentário quanto à responsabilidade dos profissionais associados ao serviço prestado pelas operadoras, lembrando que ao oferecer esse serviço é crucial que as operadoras dos planos de saúde estejam “munidas” de uma gama de profissionais associados, tendo em vista uma prestação de serviço melhor, observando também a evolução das técnicas empregadas na sua área para acompanhar os avanços.
Sendo que, em casos em que tal serviço prestado resulte de erro desse profissional, a responsabilidade do mesmo deverá ser encarada também mediante o que determina o parágrafo 4º do já citado artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, onde a responsabilidade dos mesmos levará em conta a apuração da existência ou não de culpa. Porém, ainda nessa situação, as operadoras, mesmo diante de erros que decorram da atividade do médico-associado/colaborador, responderá de maneira solidária – observando-se o inciso III, art.932 do CC.
Nessa perspectiva, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. PLANO DE SAÚDE. ATENDIMENTO DE URGÊNCIA. RECUSA INJUSTIFICADA. MENSALIDADES ADIMPLIDAS. DANO MORAL CONFIGURADO. 1. A relação jurídica entre a operadora de plano de assistência à saúde e o contratante de tais serviços é regida pela Lei 9.656/98 e também pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. De acordo com a Súmula nº 486 do STJ, Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde. 3. Não pode o plano de saúde se recusar a autorizar atendimento de urgência de beneficiário adimplente. 4. Apessoa que paga plano de saúde, na expectativa futura de que este cumpra com sua obrigação, tem violada sua dignidade moral quando, em momento de fragilidade e angústia, tem o atendimento médico recursado sob a infundada alegação de inadimplemento das mensalidades. 5. Para a valoração do dano moral devem ser considerados os prejuízos sofridos em decorrência da conduta reprovável, bem como as condições econômico-financeiras da vítima e do agente causador do dano. 6. Apelação conhecida, mas não provida. Preliminar rejeitada. Unânime. (TJ-DF - APC: 20141310016267, Relator: FÁTIMA RAFAEL, Data de Julgamento: 17/02/2016, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 01/03/2016 . Pág.: 340)
Portanto, tendo em vista o Código de Defesa do Consumidor, a operadora responde objetivamente, ou seja, independe de culpa, sendo somente necessário a demonstração do nexo causal, para que sejam repelidos seus atos que causem excessivo prejuízo ou que onerem o consumidor.
Diversamente da responsabilidade objetiva, em apelação cível, o Tribunal do Rio Grande do Sul entendeu que não restou configurada responsabilidade do plano de saúde, mas do profissional liberal, in verbis:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RUPTURA DO TENDÃO DE AQUILES DURANTE TRATAMENTO DE FISIOTERAPIA. RESPONSABILIDADE DO PLANO DE SAÚDE NÃO CONFIGURADA. Trata-se de examinar recurso de apelação interposto pela ré e pela denunciada à lide em face da sentença de procedência proferida nos autos da ação de indenização por dano moral. A operadora do plano de saúde não responde por eventual erro de fisioterapeuta vinculado aos seus cadastros, pois tem sua obrigação restrita à cobertura do tratamento previsto contratualmente, através da disponibilização de uma rede de profissionais e estabelecimentos credenciados. Não fosse apenas isso, o laudo pericial elaborado no feito não afirma a ocorrência de erro na condução do tratamento pelo profissional credenciado junto à demandada, atribuindo a ruptura do tendão de Aquiles da autora a quadro degenerativo prévio. Ação julgada improcedente. Denunciação da lide prejudicada. Ônus sucumbenciais redimensionados. APELAÇÃO DA RÉ PROVIDA. APELAÇÃO DA LITISDENUNCIADA PREJUDICADA (TJ-RS - AC: 70038940268 RS, Relator: Sylvio José Costa da Silva Tavares, Data de Julgamento: 26/02/2015, Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/03/2015).
No tocante aos profissionais liberais, observar-se-á a culpa do agente, sendo-lhe aplicável também o que dispõe o art. 951 do Código Civil. Lembrando também que, como existe uma relação de contrato entre operadora e associado, e existe relação contratual entre beneficiário e operadora, ao consumidor caberá também o direito a indenização desse seu dano sofrido em face do denominador comum – a operadora -, devido responsabilidade objetiva desta frente aos seus colaboradores (sem levar em conta o elemento culpa).
REFERÊNCIAS
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______. Código Civil. Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002.
______. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: .
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