RESPONSABILIDADE CIVIL DOS GENITORES PELO ABANDONO AFETIVO
Por thalysson barbosa de souza | 16/12/2015 | DireitoAUTOR: Thalysson Barbosa de Souza
COAUTOR: Cícero Michel Freire da Silva
COAUTOR: Thalys Savyo Nunes Freire
RESUMO
O presente artigo é caracterizado por um amplo estudo realizado sobre a questão da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo, onde serão feitas algumas considerações importantes acerca de sua possibilidade de aplicação dentro do ordenamento jurídico brasileiro, determinado por meio de uma profunda análise de todos os institutos jurídicos nos quais compõem essa temática, Em seguida, temos a análise sobre o afeto, como sendo essenciais as relações familiares, os critérios para a imputação da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo a alguém, e o entendimento consubstanciado pela jurisprudência sobre a possibilidade de determinação desse abandono.
Palavras-chave: Danos Morais. Abandono Afetivo. Responsabilidade Civil.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo visa apresentar uma breve argumentação sobre o afeto que exerce uma fundamental importância dentro das relações familiares, tendo em vista que, este visa valorizar o indivíduo dentro do seu agrupamento familiar, sendo colocado em primeiro lugar em relação a qualquer circunstância, atendendo ao que se encontra preconizado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. É de extrema importância salientar que o entendimento jurisprudencial apresentado acerca da possibilidade de ocorrer a indenização por danos morais nos casos de ocorrência de abandono afetivo paterno-filial, é no sentido desde ser possível, desde que demonstrado as condições para tal.
2 O Afeto
O direito de família dentro do seu contexto das relações familiares tem priorizado a valorização do próprio indivíduo dentro do agrupamento familiar, sendo colocado em primeiro lugar em relação a qualquer circunstância, atendendo ao que se encontra devidamente preconizado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
O afeto ganhou uma importância muito grande, sendo o fator fundamental para a dissolução dos casais, tendo em vista que, estes se separam por reconhecer que não existe mais afeto entre ambos.
Dessa maneira, não somente se encontra evidenciado nesse aspecto, mas também nas novas modalidades de famílias nas quais são criadas especialmente pelo vínculo afetivo existente.
Nesse aspecto, a grande parte do direito de família se determina em função dos laços afetivos, onde é possível a adoção principalmente em razão do afeto preexistente, bem como o estado de filho pode ser amplamente reconhecido com base apenas no estabelecimento do afeto entre o pai e o filho.
O afeto passou por um devido processo de jurisdicionalização, sendo agora considerado como um importante instrumento a ser aplicado dentro do direito de família. Dessa maneira, ficou determinado que as famílias não seja apenas aquelas constituídas com base nos vínculos sanguíneos, mas também as estabelecidas pelos laços de afeto.
A família e o afeto passam a serem os dois principais personagens dessa nova realidade, onde o primeiro busca ser desenvolvido dentro da própria família, enquanto que este é determinado como sendo a união dos membros que a compõem.
Nessa perspectiva, podemos ver, por meio deste julgado, que os vínculos afetivos foram capazes de encerrar os próprios laços sanguíneos, quando se buscou estabelecer o melhor interesse da criança perante as condições devidamente apresentadas para o seu próprio desenvolvimento, ao estabelecer da seguinte perspectiva:
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. CRIANÇA NEGLIGENCIADA PELA MÃE, QUE NÃO LHE DISPENSAVA CUIDADOS MÍNIMOS E, MESMO ORIENTADA, NÃO MUDOU DE POSTURA, PASSANDO LONGOS PERÍODOS SEM SEQUER VISITAR A FILHA NO ABRIGO. COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA PRETENDENTE À ADOÇÃO. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA. A confirmação da sentença que destituiu a recorrente do poder familiar se impõe, na medida em que privilegia os superiores interesse da criança, negligenciada e privada de cuidados mínimos, oportunizando seja definitivamente inserida na família substituta que já a acolheu e que tem condições de lhe proporcionar uma infância segura e feliz. NEGADO PROVIMENTO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Apelação Cível Nº 70050485523, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 19/12/2012) (TJ-RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 19/12/2012, Oitava Câmara Cível).
Os vínculos mais profundos que existem na família, como é o caso da paternidade e da maternidade, podem ser derrogados em razão do chamado vínculo afetivos, além de atender também aos princípios do melhor interesse da criança e o da dignidade da pessoa humana.
Dessa maneira, temos que a afetividade passou a ser considerado como um fato devidamente reconhecido pela sociedade e pela norma. Assim, a afetividade se mostra como um instrumento da união familiar, onde a sua ausência é determinado de maneira fundamental para que ocorra a sua dissolução.
3 Condições para a Imputação da Responsabilidade Civil decorrente do Abandono Afetivo.
Algumas condições são consideradas como sendo imprescindíveis para ocorrer à configuração da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo. Com isso, verifica-se que no polo passivo da demanda judicial sempre se encontrará o pai ou a mãe biológica ou civil, podendo ainda ser uma terceira pessoa no qual possua de maneira formal a guarda da criança.
Assim, temos as palavras de Aline Biasuz Suarez Karow (2012, p. 222), ao determinar sobre cada uma dessas pessoas que podem figurar no polo passivo da demanda judicial, ao dispor que:
Explica-se, o pai e a mãe são os primeiros a responderem pela função de educação, criação e cuidado dos filhos. Equiparam-se, mesmos aqueles que optam pela adoção, posto que ali na disposição para a paternidade ou maternidade e diante do mesmo encargo assumido não lhe é sonegado nenhum direito, restando a mesma reciprocidade quanto aos deveres. Igualmente se insere nesta categoria o pai registral, que acaba por certo período desenvolvendo a socioafetividade com a criança, a assume de forma pública, registrando-a como filho e posteriormente a abandona.
Em relação a uma terceira pessoa no qual detém a guarda da criança ou do adolescente, temos que não poderá ser sujeito passivo no processo sem antes verificar como foi deferida a guarda para esta, devendo ser analisado o caso concreto para então determinar essa questão.
O próximo passo é no reconhecimento da paternidade, da maternidade ou ainda do encargo do chamado guardião, a ser realizada por meio da certidão de nascimento ou ainda por um termo judicial no qual determine a guarda. Assim, o entendimento abordado para essas ações e no sentido de que não poderá haver a responsabilização decorrente do próprio abandono afetivo da pessoa que sequer detinha o conhecimento da existência desta criança.
Na questão do reconhecimento da paternidade, temos que está é comprovada por meio da certidão de nascimento do filho, enquanto que para verificar a maternidade é determinado como mais brando, pois a mãe no qual gera uma criança com certeza sabe desde fato. Entretanto, essa comprovação também poderá ser realizada por meio da devida apresentação da certidão de nascimento do filho.
No caso da mãe solteira que entrega o seu filho para adoção não poderá ser responsabilizada pelo abandono afetivo. O mesmo ocorre no caso do pai que sabe da existência do seu filho, mas não o registra, não havendo qualquer responsabilidade.
Caso contrário ocorre quando o pai vem a reconhecer publicamente sobre a sua paternidade em relação aquele por meio dos atos inerentes a sua própria função.
Assim, neste caso haverá a devida responsabilidade deste pai, pois praticou todos os atos determinantes da função de maneira pública, sendo devidamente reconhecido para a sociedade aquele menor como filho deste.
Dessa maneira, a partir do momento em que abandonar a postura de criação e de educação da criança ou adolescente, será responsabilizado civilmente pelo abandono afetivo.
Outra questão de grande pertinência jurídica é aquela sobre a possibilidade do pai socioafetivo poder ser responsabilizado pelo abandono afetivo. Nesse aspecto, temos que analisar o caso concreto para determinar a responsabilidade ou não, pois essa questão é resolvida a partir da análise da prova pericial, determinando a existência de danos ao menor ou não, e ainda estabelecendo sobre a sua origem.
Nesse contexto, podemos aduzir o entendimento consubstanciado por Aline Biasuz Suarez Karow (2012, p. 224), ao determinar pela possibilidade ou não da responsabilização decorrente do abandono afetivo dos pais socioafetivos, ao dispor que:
[...] Veja-se: o pai socioafetivo justamente assume esta condição por desenvolver com o menor os laços de afetividade, criando uma espécie de parentesco. O ápice desta relação pode se dar com o reconhecimento da paternidade através do registro civil. entende-se, à primeira vista, que aquele que assume a condição da paternidade socioafetiva, é porque encarnou a figura paterna, dando ao menor, entre outros, o afeto necessário. Entretanto, num segundo momento, pode haver alternação de fatos e circunstâncias, vindo os cônjuges a separarem-se e o genitor socioafetivo tem obrigação de dar continuidade ao vínculo afetivo, em face da própria paternidade.
Por fim, temos os casos dos guardiões, que vão fazer prova de determinado encargo através da apresentação do termo de guarda, no qual o legítimo para cuidar do menor.
Outro aspecto importante para a configuração da responsabilidade civil pelo abandono afetivo é que a ausência de um dos genitores não seja substituída por outra na vida da criança, pois caso isso venha a ocorrer não poderemos falar em abandono afetivo.
O aspecto fundamental deste é justamente a ausência da pessoa no desenvolvimento da criança ou do adolescente, tendo em vista que, caso essa seja preenchido por outra pessoa haverá a exclusão da responsabilidade civil, pois a carência afetiva do menor já se encontra devidamente preenchida por outro indivíduo.
Além deste fator, é importante verificar se a pessoa substituta esta cumprindo a função do genitor ausente, pelo menos de maneira a amenizar o vazio deixado por este, ou então se veio a causar um dano ainda maior, deixando mais evidente essa ausência.
Essa questão é demonstrada muitas vezes quando ocorre a dissolução da sociedade conjugal e cada um se unir com novos companheiros. Com isso, a figura do companheiro não tem a finalidade de tentar minimizar a função deixada pelo genitor, onde em muitos casos o que pode ser percebido é justamente o contrário, ou seja, o aumento do sentimento de ausência do pai ou da mãe.
Os danos ocasionados aos menores abandonados sejam eles emocionais, ou ainda problemas no desenvolvimento da personalidade, dentre vários outros, devem ser devidamente comprovados no meio processual. Isso ocorre em razão de não estarmos diante do dano in re ipsa, sendo fundamental a comprovação deste prejuízo.
Os meios de prova desses danos são realizados principalmente por meio da prova pericial, da testemunhal, da documental, dentre outros meio de prova nos quais podem ser trazidos ao processo.
A prova pericial ocorre por meio de um laudo psicológico determinando se o menor realmente possui algum distúrbio na sua personalidade, ocasionada principalmente em razão da ausência da pessoa materna ou paterna.
Já a prova testemunhal pode demonstrar também algumas situações de desprezo e de buscas do genitor para poder conviver e se desenvolver com a presença deste.
A prova documental também serve para a comprovação das tentativas de aproximação com o genitor, de maneira a estabelecer laços afetivos com este. Assim, todos esses elementos de prova, tem a finalidade de demonstrar ao julgador a respeito da angustia e a dor ocasionada em razão da ausência deste.
É importante demonstrar ainda no caso prático, que não houve nenhuma espécie de impedimento imposto por uma terceira pessoa para a relação afetiva plena do genitor e o seu filho.
Dessa maneira, caso ocorra algum impedimento, este não poderá exercer a sua função como tal. Nesse aspecto, é importante demonstrar que, mesmo com as barreiras determinadas por terceira pessoa, a figura do genitor tentou transpor a estas, e mesmo assim não conseguiu obter êxito.
Nesse contexto, nas lições apresentadas por Aline Biasuz Suarez Karow (2012, p. 227), temos que abordam sobre as questões do impedimento do outro genitor em se aproximar do filho e desenvolver as suas funções, ao determinar que:
Os dois tópicos acima tratam daquele guardião que está com o menor, porém não conseguiu resolver as suas mágoas quanto ao término do relacionamento. Dessa forma, age de forma mesquinha e leviana, evitando o contato da criança com o seu guardião. Não atende aos telefonemas para combinar as visitas e passeios, omite a vida da criança, eventos, esportes, coisas de seu agrado, muda-se propositalmente para cidade distante, escondendo o seu endereço, não deixando contato; enfim, muitos outras circunstâncias que podem ser causadas.
Outros fatores podem ser consubstanciados para a obrigação do dever de indenizar, que serão verificadas no próprio processo, determinando quais dessas circunstâncias foram fundamentais para a ocorrência dos danos em relação ao menor.
Essa obrigação é imposta por meio da constatação do abandono da função a ser realizada pelo requerido, evidenciado que este poderia ter evitado essa situação.
O fato também de haver a guarda compartilhada não faz com que um dos genitores esteja desincumbido de exercer as suas funções, podendo ser demandado no polo passivo de uma ação de responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo. Para a comprovação deste fato, é fundamental a demonstração de sua inércia em relação ao menor.
Nesse aspecto, é importante estabelecer quais são as situações de desprezo, negligência ao menor, dentre outras, que ocorrem de maneira repetitiva, e ainda de serem capazes de determinar uma possível indenização decorrente do abandono afetivo.
Dessa maneira, somente os atos que possuem a condição de gerar danos ao menor, é que poderão ser determinado. Assim, alguns desses atos são estabelecidos como não cumprimento das visitas, bem como a ausência na comunicação de qualquer maneira, a frustação nos eventos marcados com a criança.
Esses atos também podem ser praticados de maneira comissiva da conduta, podendo ser caracterizados como as agressões verbais, humilhações na frente de outras pessoas, dentre outros.
A culpa e o dolo podem ser determinados na própria responsabilidade civil por abandono afetivo. Assim, saiu do contexto da questão da culpa para a reparação do prejuízo sofrido pela vítima.
Nesse aspecto, podemos aduzir o entendimento consubstanciado por Pablo Stolze e Rodolfo Filho (2009, p. 126), ao abordar sobre o dolo e a culpa da seguinte maneira:
O dolo possui como elementos a representação do resultado (desígnio) e a consciência da sua ilicitude. A culpa possui como elementos a voluntariedade do comportamento do agente (desde que não haja vontade direcionada para o resultado, caso em que se configura o dolo), previsibilidade (se escapa o previsível, ingressa no campo do caso fortuito, podendo interferir no nexo de causalidade) e a violação de um dever de cuidado (se intencional, pode ser visto como dolo).
Dessa maneira, quando abordamos a questão da culpa, temos que levar em consideração os graus, podendo ser de natureza grave, leve e levíssima. Assim, esses elementos da culpa e do dolo são essenciais para o estabelecimento da responsabilidade civil decorrente do próprio abandono afetivo.
4 Jurisprudência.
O entendimento jurisprudencial, acerca da possibilidade de aplicação da responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo, acabou por não determinar como sendo possível. Assim, ao analisamos a decisão do Recurso Especial 757411, de Minas Gerais, no qual foi julgado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, ao possuir a seguinte ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido (STJ - REsp: 757411 MG 2005/0085464-3, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 29/11/2005, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ
27.03.2006 p. 299 RB vol. 510 p. 20 REVJMG vol. 175 p. 438 RT vol. 849 p. 228).
Assim, tal julgado aborda sobre a ação judicial pleiteada por Alexandre para que o seu pai fosse condenado a pagar uma indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo sofrido por este. Dessa maneira, fundamentou o seu pedido com a comprovação de que tal abandono lhe trouxe graves prejuízos psicológicos, devendo este ser compensados de forma financeira.
Nesse aspecto, quando tal pedido foi julgado pelo Tribunal de Minas Gerais, onde este acabou por determinar pela indenização em razão da dor ocasionada pelo abandono afetivo, tendo como fundamento principal a própria dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, consubstanciou-se no entendimento de que deverá se determinar a compensação indenizatória em razão dos danos nos quais possam ser ocasionados pelas relações paterno-filiais, tendo como fundamento a negação na convivência, e também a falta ocasionada pela ausência de amparo nos aspectos afetivo, moral e psíquico.
Com essa decisão, o genitor de Alexandre acabou por recorrer da presente ao próprio STJ, onde como podemos verificar na ementa supracitada, foi devidamente afastada a tese do dano moral como sendo decorrente do abandono afetivo.
Assim, essa corte suprema não entende o abandono afetivo como capaz de ser determinado como pratica de um ato ilícito. Desta forma, o estabelecimento da indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo seria tido como uma obrigação imposta ao pai de amar o seu próprio filho.
Esse era o entendimento consubstanciado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde não se poderia ser possível à aplicação da responsabilidade civil na questão do abandono afetivo.
Entretanto, a partir do julgamento do Recurso Especial 1159242/SP, ocorrido em 24 de abril de 2012, pelo STJ, esse posicionamento foi devidamente alterado, no sentido de entender pela aplicação da indenização por danos morais, na responsabilidade civil, decorrentes do abandono afetivo ocasionado principalmente nas relações paterno-filiais.
Nesse aspecto, podemos demonstrar por essa possibilidade de aplicação, ao evidenciamos a seguinte ementa do julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao aduzir que:
RESPONSABILIDADE CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. POSSIBILIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE ELEMENTOS ATENTATÓRIOS AO DIREITO DA PERSONALIDADE. OMISSÃO DO DEVER DE CUIDADO. NÃO COMPROVAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. 1.A compensação por danos morais em razão de abandono afetivo é possível, mas em situação excepcional. A exemplo da arquitetura jurídica construída para que o reconhecimento do dano moral não representasse a monetarização dos direitos da personalidade, igual entendimento serve à pretensão de compensação por abandono afetivo. Não se trata, de modo algum, de quantificar o amor ou o afeto dispensado pelos pais aos filhos, mas de aferir a presença ou não de violação ao dever de educar (inerente à paternidade/maternidade), reconhecido em nosso ordenamento jurídico. 2.A configuração de conduta ilícita para fins de abandono afetivo imprescinde da presença de alguns elementos no caso concreto a caracterizar sua excepcionalidade. Assim, a conduta do genitor apta a dar azo à "reparação" de direito da personalidade deve conter negativa insistente e deliberada de aceitar o filho, além do manifesto desprezo com relação a sua pessoa. 3.Não se vislumbra a omissão do dever de cuidado do genitor para com sua filha quando ausente qualquer espécie de negação deliberada de seus deveres como pai, tanto por desconhecimento dessa condição, no período que antecedeu ao exame de DNA, quanto posteriormente, e aqui por contingências profissionais. Ainda que reprovável o pouco contato existente entre pai e filha, resta cristalino o fato de não ter agido o mesmo com má-fé no intuito de humilhá-la ou rejeitá-la perante a sociedade. 4. Recurso do réu conhecido e provido. Prejudicado o recurso da autora (TJ-DF - APC: 20120110447605 DF 0012790-27.2012.8.07.0001, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 14/05/2014, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 13/08/2014 . Pág.: 121).
Nesse contexto, fazendo uma análise sobre o julgado citado, podemos estabelecer que é possível a determinação da aplicação dos danos morais como sendo decorrentes do abandono afetivo.
Assim, é fundamental a demonstração dos elementos nos quais atentam contra os direitos da personalidade, e também provar a respeito da omissão no dever de cuidado do genitor.
Dessa maneira, a aplicação desses danos deve ser estabelecida de forma excepcional, sendo determinados em razão da violação aos deveres de educação e criação, tendo em vista que o amor e o afeto não podem ser alvos de uma quantificação financeira.
Dentre os elementos caracterizadores da conduta ilícita do abandono afetivo é estabelecida a negativa insistente em relação à aceitação do filho, além de demonstrar o seu desprezo por este.
Nesse contexto, podemos concluir que o entendimento jurisprudencial foi devidamente modificado com o decorrer do tempo, sendo atualmente reconhecida a possibilidade de se pleitear uma indenização por danos morais decorrentes do próprio abandono afetivo nas relações paterno-filial.
Entretanto, é importante salientar que ainda existe certa resistência na jurisprudência a respeito da aplicação dessa medida, sendo determinada de maneira excepcional e desde que preenchidos todos os elementos atentatórios a esse tipo de direito.
REFERENCIAS
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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21 ª ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2007.
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. 3, Salvador: JusPodivm, 2014.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 6ª ed., vol. 4, São Paulo: Saraiva, 2011.
KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Júrua, 2012.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça – STJ – Recurso Especial 757411 MG 2005/0085464-3. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 52168/recurso-especial-resp-757411-mg-2005-0085464-3. Acesso em: 19 de maio de 2015.