Resenha: Tese de doutorado analisa tutoria de órfãos entre 1889 e 1927

Por Rogério Duarte Fernandes dos Passos | 17/12/2015 | Resumos

Resenha: Tese de doutorado analisa tutoria de órfãos entre 1889 e 1927.

Resenha: BASTOS, Ana Cristina do Canto Lopes. Nas Malhas do Judiciário: menores desvalidos em autos de tutoria e contrato de órfãos em Bragança-SP (1889 a 1927). Tese de Doutorado, Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2012, 217 fl.

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

Em Nas Malhas do Judiciário: menores desvalidos em autos de tutoria e contrato de órfãos em Bragança-SP (1889 a 1927), Ana Cristina do Canto Lopes desenvolveu a sua pesquisa de doutorado junto à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), abordando a situação de menores pobres entre os anos de 1889 a 1927 – à época, chamados de órfãos – no município de Bragança, no Estado de São Paulo, que somente se torna Bragança Paulista em 1º de Janeiro de 1945 por conta do Decreto-Lei nº 14.334, de 30 de Novembro de 1944, em que referido diploma legal teve o intuito de diferenciar a cidade da homônima existente no Estado do Pará.

A partir do exame de autos cíveis de tutoria e contrato arquivados da comarca de Bragança, a autora analisa o instrumento jurídico que permitia que jovens pobres e os considerados desvalidos fossem alocados com sua mão de obra para prestar serviços a contratantes que, em tese, deveriam educá-los, vesti-los e tratá-los. Na prática, tinha-se espécie de modalidade de aluguel de serviços, onde o Poder Judiciário, tornando-se o intermediário dessa situação, legitimava um processo em tese educativo, ainda que sem uma efetiva fiscalização para esse intento, igualmente sem efetiva verificação do pagamento de uma remuneração (a soldada).

Esse quadro revela que, antes de proteger, os autos de tutoria e contrato expunham os menores às condições impostas pelos contratantes, visto a ocorrência de violência (inclusive sexual) e alocação gratuita de seu trabalho no bojo de um ambiente que em regra não lhes garantia instrução e formação, no que se acrescenta a preocupação com os filhos dos escravos, que de certa forma, igualmente poderiam ser controlados e disciplinados para o trabalho em consonância com um modelo de sociedade idealizado à época como o ideal.

A autora ainda considera a evolução da legislação dedicada ao menor, cotejando-a com o projeto de país que se tentava edificar a partir das vontades das elites, em processo que registra em seu ínterim os debates entre intelectuais, médicos e juristas, em exemplo da participação de Rui Barbosa (1949-1923) através de seus Pareceres sobre Instrução Pública de 1882-1883, que revelaram parte do debate acerca da reforma do ensino primário e secundário no país.

Sublinhando e robustecendo o raciocínio da autora estão os depoimentos dos menores, colhidos através de intensa pesquisa junto ao arquivo da comarca da atual Bragança Paulista e referenciados em excertos, alguns que incutem ao leitor verdadeira perplexidade, uma vez que sob o ideal educativo e de combate ao atraso social, expõem o julgamento de pais e filhos pela condição de sua suposta pobreza (ou exclusiva pobreza material), criando um juízo de valor que supunha a legitimação para o Poder Público retirá-los do seio familiar e adequá-los ao modelo do que se desejava para o padrão de cidadão prestante e apto para o trabalho, capaz de guindar a sociedade em direção aos valores da República e do desenvolvimento, materializando ideário civilizatório.

O trabalho revela profundidade, uma vez que o processo de disciplina social direcionado ao “menor” – termo que a autora demonstra alcançar significado deveras específico e estigmatizado – perpassa o aspecto médico, social, jurídico e educativo, culminando – no recorte da tese de doutorado – com o exame dos antecedentes do Código de Menores de 1927, que como ela mesma nos esclarece, através de sua aprovação, levava o Estado buscar uma unificação legislativa e

não só referentes à primeira infância, mas também aos expostos, abandonados e delinquentes, ainda que questões relacionadas à menoridade ainda permanecessem como matérias do Código Civil e do Código Penal (p. 179).

Da mesma forma, através da atuação do Poder Judiciário, este se transformava em instância de conflitos, seja na vontade da classe política e dirigente no intuito de estabelecer uma visão de projeto para a conformação do menor e da educação (concebendo-se esta inclusive para o trabalho e para a superação do atraso), bem como das famílias, desejosas de reproduzir a sua própria realidade (no que se considera a própria afetividade) dentro das limitações que lhe eram impostas pela realidade socioeconômica.  

Por derradeiro, Nas Malhas do Judiciário: menores desvalidos em autos de tutoria e contrato de órfãos em Bragança-SP (1889 a 1927), pesquisa realizada por Ana Cristina do Canto Lopes em sede de doutorado defendido junto à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, se torna referência de grande importância para a melhor compreensão dos processos educativos, de profissionalização e de inserção social concebidos entre o final do Século XIX e início do XX para as crianças pobres e tidas, à época, como “órfãs”.