Resenha: Para compreender a pesquisa educacional
Por Rogério Duarte Fernandes dos Passos | 16/03/2011 | EducaçãoResenha: Para compreender a pesquisa educacional
Book Review: To understand the educational research
Reseña del libro: Para entender la investigación educativa
Palavras-chaves: Epistemologia em educação. Pesquisa em educação. Pesquisa quantitativa e qualitativa.
Palabras clave: Epistemología de la Educación. La investigación educativa. La investigación cuantitativa y cualitativa.
Keywords: Epistemology in Education. Educational research. Quantitative and qualitative research.
Resumo: Resenha de obra dos professores José Camilo dos Santos Filho e Sílvio Ancízar Sánchez Gamboa abordando a investigação educativa no viés epistemológico, a controvérsia qualidade-quantidade, os desafios paradigmáticos da área, os tecnicismos, dualismos e dicotomias pertinentes.
Resumen: Examen de la labor de los profesores José Camilo dos Santos Filho y Silvio Ancízar Sánchez Gamboa abordar el sesgo epistemológico en la investigación educativa, la calidad-cantidad controversia, los desafíos paradigmáticos en el área, los aspectos técnicos, los dualismos y dicotomías pertinentes.
Abstract: Review of work of teachers José Camilo dos Santos Filho and Silvio Ancízar Sánchez Gamboa addressing the epistemological bias in educational research, the controversy quality-quantity, the paradigmatic challenges in the area, the technicalities, dualisms and dichotomies relevant.
Rogério Duarte Fernandes dos Passos
Advogado e pedagogo. Professor do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS). Mestre em Direito Internacional pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
SANTOS, FILHO, José Camilo dos et GAMBOA. Sílvio Ancízar Sánchez (org.) (2009). Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. São Paulo: Cortez, 7ª ed., 111 p.
1. Os autores.
José Camilo dos Santos Filho graduou-se em Filosofia, em 1960, e em Pedagogia pela Universidade Católica de Pernambuco (UFPE), em 1962. Cursou o Mestrado em Educação (Master of Science in Education), e em Administração Pública (M.P.A.), bem como o Doutorado em Educação (Ph.D. in Education) pela University of Southern California (1971-1974). Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) aposentou-se da instituição, sendo, atualmente, docente da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). Foi editor da Revista Pro-Posições, da UNICAMP, e atualmente é editor de Máthesis, Revista de Educação, sendo, também, membro do Conselho Editorial de várias publicações nacionais.
Sílvio Ancízar Sánchez Gamboa é graduado em Filosofia pela Universidade de San Buaventura, em 1973, e mestre em Educação pela Universidade de Brasília (UnB), em 1982. Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 1987, e livre docente em Filosofia da Educação pela mesma instituição em 2000, tornou-se dela professor associado MS-5 no período de 2000-2009 e professor titular em Filosofia da Educação, em 2010. Atua como pesquisador visitante nas Universidades Nacional da Colômbia (UN), Católica de Chile (Campus Villa Rica), Estadual de Maringá (UEM), Federal de Santa Maria (UFSM), Federal de Alagoas (UFAL), Federal da Bahia (UFBA), além de ser professor visitante na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO, Argentina) e na Universidad Nacional de Córdoba (UNC, Argentina).
2. A pesquisa educacional: a controvérsia quantidade-qualidade.
A preocupação com a pesquisa em Educação adquiriu maior relevo, especialmente a partir do crescimento dos programas de pós-graduação em Educação na América Latina nos últimos quarenta anos.
No Brasil, ainda não há uma relação extensa de trabalhos explorando o tema, de maneira que a presente obra se mostra como uma alternativa para o enfrentamento da questão.
As opções técnicas e metodológicas, com freqüência, se apresentam como focos de dificuldades e de indecisões por parte dos pesquisadores e especialistas. As próprias alternativas epistemológicas e os interesses envolvidos na pesquisa, igualmente, são objeto de exploração e estudo na obra dos professores Gamboa e Camilo.
Para tanto, faz-se uma recuperação histórica a partir do Século XIX dos paradigmas de pesquisa, donde se expõe a sua fundamentação histórico-filosófica. Ademais, as opções escolhidas, os "vieses" e os "ismos" ? assim qualificados os modismos e os paradigmas dominantes ?, são explorados, especialmente para localizar conceitual e espacialmente professores e pesquisadores em face dos trabalhos realizados em Educação.
Nessa resenha, destacar-se-á algumas das idéias e desenvolvimentos expostos ao longo da obra que poderão nos permitir visualizar possíveis níveis de reflexão no âmbito da pesquisa educacional e social.
3. Pesquisa quantitativa versus pesquisa qualitativa: o desafio paradigmático.
Essa primeira parte da obra é redigida pelo professor José Camilo dos Santos Filho, que explora as diferentes visões de mundo que dominaram a pesquisa educacional.
Discute-se a valorização de uma tendência que pugna a coerência paradigmática, fundada em uma tese de "incomensurabilidade" dos paradigmas no bojo da filosofia das ciências.
No Século XX, os paradigmas de pesquisa dominantes nas Ciências Sociais e na Educação foram o quantitativo-realista e qualitativo-realista, surgindo, ainda, um terceiro, desafiador dos anteriores, inspirado no neomarxismo, tratando as categorias de quantidade e qualidade no bojo da dialética materialista.
Na reconstrução histórica sobre o tema, é lembrada a discussão acerca da unidade das ciências, defendida por nomes como os John Stuart Mill (1806-1873), Émile Durkheim (1858-1917) e Auguste Comte (1798-1857), e no contexto da tradição empirista, dentre outros, de John Locke (1632-1704) e Isaac Newton (1643-1727).
Especialmente em Comte encontra-se a defesa da unidade de todas as ciências, concebendo-se uma idéia evolutiva, em que o progresso de uma área científica prossegue e depende do desenvolvimento da predecessora. Ademais, o movimento positivista entendia que a pesquisa social era algo neutro, no que, somando-se o argumento de unidade das ciências, conduziu o processo ao entendimento que os objetos sociais devem ser tratados de forma idêntica aos objetos físicos e no bojo das ciências físicas. Haveria, então, uma separação entre o cognoscente e o objeto conhecido, de sorte que os objetos sociais e físicos teriam existência independente do interesse do observador e do dele próprio.
Mill, por sua vez, diferentemente de Comte, colocando as bases da ciência psicológica, entendia que as leis sociais podiam ser comparadas às leis individuais, ao passo que ainda entendia a sociedade como um todo distinto do indivíduo.
Durkheim, diferindo de Mill, vivenciando período da história francesa onde houve agravamento da situação política e social, preocupou-se com a primazia do social sobre o individual, buscando uma ciência social inspirada nas ciências naturais. Assim, estabelecendo a sua teoria do conhecimento, entendia os fatos sociais como objetos do próprio conhecimento, de maneira que o indivíduo sofreria ação de um poder coercitivo das manifestações desses fatos, representados, por exemplo, pelas leis e costumes. Os fatos sociais, por oportuno, relacionam-se com outros fatos sociais, donde, então, são descobertas para causas, corroborando a semelhança das ciências sociais às da natureza.
Já na virada do Século XIX para o XX, as ciências sociais adotam plenamente o modelo das ciências naturais, e, assimilando a contribuição de Comte e Durkheim para a Sociologia, e Mill para a Psicologia, a Educação ? enquanto campo autônomo de investigação ? assimilou estes métodos científicos.
As contribuições críticas de Wilhelm Dilthey (1833-1911) e Heinrich John Rickert (1863-1936) também não são negligenciadas, de onde são estruturadas algumas críticas ao empirismo positivista.
Da mesma forma, se resgata Max Weber (1864-1920), de onde se observa a defesa da não-existência de um ponto de partida para a ciência social, sendo natural o interesse em diversos temas e a sua busca por diversos modos, se desenvolvendo a idéia de valor-relevância, em que o pesquisador se põe em uma relação íntima com o universo investigado, sendo, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de suas próprias pesquisas.
Outra reação é colacionada a partir de Edmund Husserl (1859-1938), onde a abordagem fenomelógica, defendendo a inadequação do método das ciências da natureza ao objeto das ciências dos homens, evidencia, também, a fragmentação da análise de parcelas do sujeito causada pela abordagem positivista e experimental.
Nas décadas de 1930 e 1960, os teóricos da Escola de Frankfurt igualmente criticam o paradigma positivista, onde Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor W. Adorno (1903-1969) objetivaram demonstrar o seu caráter alienado baseado na razão instrumental.
Dentre outros, o clássico de 1962 A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn (1922-1996), provocou importantes debates na área, donde se seguem discussões acerca das classificações dos paradigmas pelos teóricos da Educação, contemplando a diversidade incompatível ? de maneira que os pesquisadores quantitativistas consideram a pesquisa qualitativa ? locus em que se dá a observação, descrição e interpretação do fenômeno, como carente de objetividade.
A tese da diversidade complementar nos diferentes paradigmas de pesquisa igualmente tem os seus fundamentos revelados, visto os diferentes objetivos da pesquisa ? inclusive a educacional ? que, segundo os seus teóricos, não poderiam ser alcançados a partir de um único paradigma.
Observe-se que a tese da unidade de paradigmas igualmente é defendida a partir de filósofos pós-positivistas e teóricos críticos, onde um holismo epistemológico é estruturado na negação da distinção entre fato e valor. Nesse esteio, a própria pesquisa quantitativa não poderia ser interpretada sem considerações de ordem qualitativa.
Na conclusão, o professor Camilo expõe o estágio de imaturidade teórica e metodológica das ciências humanas da Educação em face da maturidade já alcançada pelas ciências físicas e biológicas. As primeiras ainda se encontram em desenvolvimento, sendo, então, defensável ? ainda que se encontre presente a questão da abordagem quantitativa versus abordagem qualitativa ? a unidade de paradigmas, inclusive pela complexidade em que se apresentam os fenômenos físicos e humanos.
4. Tendências epistemológicas: dos tecnicismos e outros "ismos" aos paradigmas científicos.
A criação, o crescimento e a consolidação dos programas de pós-graduação na América Latina possibilitaram o surgimento de modismos teórico-metodológicos, o que suscitou a necessidade de discussão sobre os métodos.
A "pesquisa sobre a pesquisa" adquire relevância para o intuito de uma maior compreensão até mesmo sobre tendências reducionistas ou sobre os extremismos defendidos em um ou outro paradigma.
Nesse texto do professor Gamboa, (d)enuncia-se a ausência de uma análise mais profunda dos pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa, bem como o perigo dos modismos/ radicalismos, além da discussão abordando a pluralidade dos paradigmas no interior da pesquisa educacional.
A polarização da discussão entre pesquisa quantitativa versus pesquisa qualitativa, sendo indicadora de um falso problema, pode conduzir para falsas soluções. O necessário para o avanço está na busca dos paradigmas epistemológicos implícitos nas diferentes formas de se fazer pesquisa.
Os diferentes pressupostos gnosiológicos e ontológicos envolvidos nessa abordagem adquirem especial importância, pois permitem o resgate entre as relações e articulações entre técnicas, métodos e os próprios paradigmas epistemológicos.
A compreensão das técnicas de pesquisa científica ? tanto quantitativas quanto qualitativas ?, não residem em si mesmas, residindo, sim, no método. A pesquisa qualifica as técnicas e cria o instrumental para a elaboração do conhecimento; o método é, portanto, o caminho para se alcançar o conhecimento. Diferentes concepções da realidade implicarão, por óbvio, em diferentes métodos. Os métodos, assim, também ganham sentido quando inseridos em modelos ou paradigmas científicos.
A experiência do professor Gamboa ? especialmente na área da pesquisa em Educação ? ganha em importância particularmente por pesquisa que ele realizou em 1982 na Universidade de Brasília (UnB), quando analisou a produção científica do programa de pós-graduação daquela instituição na área educacional, lhe trazendo um referencial e diagnóstico muito particular e preciso sobre o tema.
De outra sorte, destaque-se que a epistemologia é, outrossim, referenciada como o instrumento de validação das hipóteses e até mesmo dos resultados nas diversas ciências, estando apoiados na Filosofia. O estudo entre as articulações entre teorias, técnicas, métodos, pressupostos filosóficos e modelos científicos, se torna importante para a reconstrução dos caminhos que permitem o alcance, a identificação e a própria revelação do conhecimento no bojo das ciências.
Parte importante da explanação desse tema é a edificação do esquema paradigmático, capaz de supor e classificar as diversas abordagens metodológicas ou opções de adoção de paradigmas, onde se faz a reconstrução do total a partir da realidade inserida no interior dos textos, dissertações, teses, entre outros.
Os esquemas paradigmáticos ressaltem-se, são instrumentos de construção da realidade ? não devendo ser molduras para o encaixe dela ?, onde há mútua penetração dos conceitos envolvidos, em produção de ferramenta para compreensão e esclarecimento, articulando e concatenando elementos implícitos nos documentos examinados, localizando técnicas em seu interior, que, por sua vez, poderão permitir a sua identificação em modelos científicos.
Observe-se que o processo de elaboração do conhecimento não pode ficar restrito à identificação de métodos ou modelos; é preciso colimar os fatores históricos que contribuem para a sua produção, onde se contempla, por exemplo, as condições oriundas de decisões administrativas e as condições econômicas e ideológicas, onde, aí sim, será possível situar um todo, atribuindo-lhe sentido, validade. Disso decorre que a produção científica não se separa do homem e de sua produção material, no que essa análise se complementa com as de ordem epistemológica.
A produção científica representará o conhecimento e abstração do concreto, adquirindo um nível de complexidade proporcional àquele necessário para a compreensão da complexidade em que se situa uma determinada sociedade.
Em seu trabalho realizado na UnB, o professor Gamboa procurou identificar tendências epistemológicas possivelmente explicadas nas condições de produção das pesquisas analisadas, no que se revelaram resultados capazes de autorizar a conclusão que há grau de mobilidade nas tendências, havendo estimativa de queda naquelas identificadas com o positivismo e aumento das que estão sob o influxo do estruturalismo, sem, no entanto, apontar, pesquisas baseadas em uma orientação dialética propriamente dita.
Novas investigações dessa ordem foram por ele realizadas, agora, na produção do Estado de São Paulo (1977-1984), e, notadamente na UNICAMP, em 1985. Nessa universidade, o esquema paradigmático de Gamboa objetivou identificar os principais elementos críticos contidos nos temas e nas abordagens metodológicas, e, também, identificar as principais propostas para ação inseridas nas investigações. Para as perguntas, se respondeu pela falta de recursos para a educação nas teses consideradas de cunho empirista, e, também, pela crítica à transmissão de sentidos unívocos e "acabados" nos textos didáticos nas abordagens classificadas como fenomenológico-hermenêuticas, bem como em críticas à escola de base capitalista e à falsa neutralidade da ciência e dos métodos, retratadas nas teses tidas como dialético-críticas.
Nos oito anos do período de análise, as abordagens funcionalistas e estrutural-fenomenológicas apresentaram tendência estável, com a tendência de queda das empírico-positivistas e possível aumento das tendências crítico-dialéticas.
Se, de fato, os métodos não são neutros e trazem consigo implicações que impõe condições ao seu uso e manipulação, as abordagens, por conseqüência, podem ser fruto da escolha ? consciente ou não ? do pesquisador.
Há, por oportuno, um crescente interesse pela compreensão dos diferentes paradigmas quantitativos e qualitativos, donde, igualmente, se reconhece o caráter multiparadigmático da investigação educativa sob as diferentes abordagens metodológicas.
O estudo dos paradigmas científicos deve ser compreendido como o caminho para a reconstituição da lógica da pesquisa, sendo deveras úteis e necessários na formação do investigador, representando mais que o espaço formal de uma disciplina nos currículos universitários, sendo um verdadeiro locus do bojo de produção e reflexão educacional e de pesquisa na Educação.
5. Quantidade-qualidade: para além de um dualismo técnico e de uma dicotomia epistemológica.
A última parte da obra conta com outro ensaio do professor Gamboa.
Nesse tópico há a discussão acerca do conflito entre os modelos quantitativos e qualitativos, que uns julgam ser um falso conflito, e outros, uma guerra de paradigmas da década de 1980, ou, ainda, algo que pode ser superado pelo diálogo de ambos e por um esforço de despolarização. Porém, a disputa se valoriza em relevo quando a discussão ganha terreno no debate científico, no mapeamento ? e, por conseguinte ?, no âmbito de formação de novos pesquisadores, em recorte que envolve as abordagens teórico-metodológicas no interior das ciências sociais.
Devendo a discussão sobre o tema superar o nível técnico ? onde, aí, sim, persiste como um falso conflito ?, necessita superar um reducionismo sobre a forma de se colocar alternativas de pesquisa, desconsiderando outros níveis e abordagens e aspectos inseridos na atividade científica.
A superação do falso dualismo e sua discussão avança na compreensão que as técnicas, em si mesmas, não se explicam, visto que, exprimindo o método, explicita uma teoria da ciência. E a adoção de uma ou de outra, as opções sobre técnicas quantitativas ou qualitativas revelam ao pesquisador e dele próprio para o exterior uma visão de mundo, um modo particular de seu processo cognitivo, a sua concepção da realidade e os pressupostos ontológicos nela envolvidas.
Tanto técnicas quantitativas quanto qualitativas necessitam ser vistas em um conjunto maior. Apresentando as suas próprias limitações, como ressalta o texto, elas em si não resolvem o problema maior de investigação, adquirindo sentido maior no contexto do enfoque epistemológico no qual são utilizadas e instrumentalizadas, enfim, na própria recuperação do todo que objetiva alcançar a pesquisa.
Recuperando-se o ideal de todo ? o próprio enfoque epistemológico ?, relativiza-se a parte, a fragmentação, atribuindo-se sentido à pesquisa a partir da articulação de outros de seus elementos constitutivos ? que igualmente depende de enfoques epistemológicos ?, edificando uma lógica interna, fundamental para certificar o significado e o desejado rigor do processo de produção científica.
Os fundamentos epistemológicos, por sua vez, são destacados segundo cada um dos instrumentos utilizados na pesquisa, a exemplo do que se vê nos enfoques positivistas ? chamados de empírico-analíticos ?, que priorizando as técnicas quantitativas, ignoram outras maneiras de coleta de dados que poderia supostamente lhe comprometer na essência.
Já os enfoques etnográficos e fenomenológicos priorizam a descrição de um fato, na recuperação de sua interpretação, limitando, contudo, os dados quantitativos, onde, em um reducionismo, os teriam apenas como elementos de interpretação lineados em um viés qualitativo, intersubjetivo.
Ao se privilegiar a recuperação de outros elementos constitutivos da pesquisa educacional e em ciências sociais, de certa forma, relativiza-se a importância sobre o debate acerca das técnicas qualitativas e quantitativas, denunciando o falso dualismo técnico, revelando, então, outros interesses que permeiam o processo cognitivo e os interesses envolvidos dos pesquisadores.
Anote-se que a desqualificação do debate pode se dar pela crença na existência de um único método científico (válido) e na própria unidade da ciência, e, mesmo, na crença da existência de métodos científicos distintos para a abordagem das ciências exatas e naturais e para as humanas e sociais.
Esses primeiros métodos teriam as características do rigor, da objetividade, pelos cânones das ciências empírico-analíticas sociais e, mesmo, naturais. Os demais ? a exemplo dos subjetivos e interpretativos ?, até poderiam ser aceitos em outras áreas do saber, porém, prejudicariam a idéia de neutralidade axiológica, não proporcionando um conhecimento com rigor científico, de sorte que na perspectiva dos princípios empírico-analíticos, haveria o imperativo de sintonia entre os procedimentos experimentais, correlacionais e estatísticos ao interior do raciocínio hipotético-dedutivo.
Por outro lado, mencione-se também a concepção que entende serem as ciências humanas e sociais dotadas de suas especificidades, havendo a necessidade da presença da subjetividade, no que se adiciona que homens e sociedades ? objetos de estudo ? não podem ser tratados como coisas ou algo distante e objetivo, a exemplo do que ocorre no positivismo. Por óbvio, o método para o manuseio das ciências humanas deveria ser diferente, o que levou ao desenvolvimento de algumas das tendências hodiernas em sua pesquisa, orientada do ponto de vista teórico-metodológico na sociologia compreensiva, e também na fenomenologia e interacionismo simbólico.
Essa especificidade metodológica pode suscitar a discussão que vai desde o debate sobre possíveis alternativas de pesquisa à falsa dicotomia epistemológica, que, por sua vez, destaca duas vertentes, ora com destaque a subjetividade ? de base alicerçada na fenomenologia ?, ora ao enfoque de uma abordagem baseada na objetividade de processos, de base empírico-analítica, reconhecidamente positivista.
Isso implicaria em um dualismo epistemológico, havendo uma polarização representada, entre as mais divulgadas, nas categorias de objetividade/ subjetividade e explicação/ compreensão. Haveria, também, diferentes enfoques e inserção em distintas tradições filosóficas, repercutindo nos dados coletados e seus procedimentos, e igualmente na contextualização dos problemas, na percepção dos objetivos, no relacionamento com a realidade e edificação da validade. As diferenças, outrossim, se alicerçam nos pressupostos gnosiológicos e epistemológicos, e a priorização de um ou outro pólo apresenta conseqüências para toda a pesquisa. Os desdobramentos implicariam na produção de conhecimentos oriundos da observação controlada, na origem empírica de dados, em tentativas de neutralizar interferências nos resultados e, até mesmo, em interpretações subjetivas.
Nas abordagens fenomenológico-hermenêuticas, há o uso do gesto, da expressão e a própria manifestação do fenômeno, resgatando o contexto de significação, no que temos o método compreensivo. Para conhecer o sujeito tem que intervir a partir da interpretação em expressão de técnicas qualitativas. Por outro lado, no método analítico, exige-se a distância do sujeito, sem valorações ou interpretações, filtrando a subjetividade e cotejando uma formalização de rigor, possivelmente numérica, em expressão de técnicas quantitativas.
Vê-se que a discussão dos diferentes níveis técnicos demonstra que o esforço de superação do falso dualismo igualmente pode induzir a uma falsa dicotomia epistemológica.
Pensar a pesquisa em ciências sociais em duas abordagens epistemológicas ? nas tradições positivista e fenomenológica ? traz riscos, pois, uma categoria não enquadrada no enfoque fenomenológico ou etnográfico pode não ser positivismo. Da mesma forma, não se pode colocar nesse mesmo grupo outras categorias. Ainda, nem sempre enfoques fenomenológicos, existencialistas, historicistas (inclusive os dialéticos) não são necessariamente subjetivistas.
No mesmo esteio a radicalização do debate exclui terceiras opções, aqui denominadas como "o terceiro excluído", pois, cada enfoque supondo-se mais científico e apropriado categoriza os demais como "ismos" ou "vieses" (terminologia muito particular ao professor Gamboa), sem valor científico e verdadeiro, como o autor registra no confronto de métodos qualitativos versus quantitativos ou enfoques positivistas versus etnográficos.
Outros enfoques, portanto, podem ser válidos, como no caso do materialismo histórico, onde o debate atinente a dicotomia epistemológica desqualifica a possibilidade de síntese entre os antagônicos, bem como a articulação de processos de compreensão.
A reação dos pesquisadores, segundo Gamboa, rechaça o ecletismo e aceita uma base epistemológica no embate dos elementos técnico-metodológicos.
Uma postura mais radical concebe as divergências como diferentes concepções de ciência e conhecimento, pois cada enfoque tem uma lógica própria que representa uma visão de mundo e a manifestação de um processo cognitivo, não sujeitos a compatibilização. O pesquisador, então, que optar por um único enfoque, deve estar ciente das limitações de sua atitude, donde se resgata as colocações do professor Camilo na primeira parte dessa obra, refletindo acerca da unidade de paradigmas.
Outra reação toleraria a coexistência dos modelos, particularmente a partir da especificidade dos enfoques, não se preocupando muito em discutir diferenças face ao objetivo maior, que é a busca do conhecimento, alcançado com o recurso de diferentes abordagens.
Por fim, colaciona-se uma terceira reação, que concebendo as condições de produção da pesquisa, propõe a síntese e a superação de falsos dualismos e dicotomias epistemológicas. Busca-se a objetividade processual e a correção dos desequilíbrios oriundos dos radicalismos, aceitando a produção do conhecimento como realidade socialmente construída. A aquisição de novas formas que alcançam as características negadas permitiria a superação dos conflitos, no que se anote em título de exemplificação de síntese a dialética marxista que recuperou a contribuição de outras tendências da filosofia e da ciência. A própria dialética alimenta-se do moderno empirismo e da fenomenologia contemporânea, onde em face das categorias quantidade-qualidade, ambas as dimensões em movimento complementam-se quando direcionadas ao estudo de um mesmo fenômeno, no que temos o convite à superação no bojo da pesquisa das Ciências Sociais e da Educação, revelando verdadeiro consenso intersubjetivo e realização do construtivismo, especialmente pela acumulação de referenciais críticos e teóricos, no que se agrega o desejo e a necessidade da construção do conhecimento orientada para a intervenção e modificação da realidade.