RESENHA LIVRO “AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE” de José Saramago.

Por Bruna Stefani Chassot | 14/08/2017 | Direito

Aluno: Bruna Stefani Chassot

 

RESENHA LIVRO “AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE” de José Saramago.

 

Antes de qualquer coisa, preciso dizer que o livro é magnífico, um dos melhores e mais intrigantes que já li. O magnetismo que esse livro tem, de prender a atenção do leitor, como se surgisse uma fome a ser saciada sempre na página seguinte, é realmente incrível.

A primeira parte do livro eu analisei sob algumas óticas: a primeira, perceptível logo no início, é a prepotência do ser humano, que acreditava que o fenômeno que pairava sobre o seu país simbolizava um “poder” supremo de vencer a morte, por sua própria vontade. Percebi que esse foi o primeiro pensamento que lhes veio à mente. Sentiam-se como se fossem privilegiados.

A segunda, após perceber que as reais preocupações dos homens de poder era o destino do estado e da igreja, colocando essas questões em primeiro lugar, é o egoísmo. Sim, egoísmo, pois, pensar em organizações e o que se vai pensar dos seus ideais e regras, ao invés de pensar primeiro nas pessoas, é de um egoísmo cruel, talvez causado pela perplexidade de ainda não entender a verdadeira catástrofe em que seu país estava metido. Preocupavam-se também com a reputação do seu país perante aos outros, devido ao fenômeno extraordinário que só ocorria em seu país.

A terceira, talvez a mais explícita de todas, a hipocrisia de toda uma nação, simbolizada pelo festival de bandeiras nas sacadas, que tomou conta de todo o país. Ora, se não é de uma hipocrisia absurda se sentir “orgulhoso” de seu país pelo que acabara de acontecer, então eu não sei o que é.

É claro que todas essas três reações das pessoas, tanto os homens de poder quanto ao povo em geral, foi antes de eles perceberem realmente o problema terrível que pairava sobre o seu país.

Depois de criticar as pessoas, agora vou fazer o caminho inverso e ver de outra forma a primeira metade do livro. Foi notável a capacidade humana de lidar com uma situação tão atípica e buscar uma saída, uma solução, cada um à sua maneira, cada um no seu setor, na sua atividade. A começar pelas funerárias, que rapidamente buscaram uma forma de continuar suas atividades, enterrando animais de toda a espécie. Mesmo com o catastrófico acontecimento do desaparecimento da morte humana, seguiam querendo salvar suas peles e continuar a trabalhar.

Os hospitais, da mesma forma, buscaram uma saída ao acúmulo de enfermos nos quartos e corredores, mandando-os de volta para as famílias cuidarem. As seguradoras, vendo que o fim da morte simbolizava uma verdadeira extinção da finalidade para que existam, também acharam uma saída para a situação, criando uma “morte programada” para os oitenta anos de idade.

O que eu quero dizer é que, por mais absurda que seja a saída ou solução que cada um deles deu ao problema, invocaram a criatividade humana para tentar, nesse momento de total desespero, minimizar esse caos. Temos que dar um desconto, já que ninguém até hoje sequer pensou em como organizar todas as coisas caso a morte simplesmente suma, como ocorreu no livro.

Assim como a capacidade humana é usada para criar algo e tentar sanar um problema, usar essa vontade “para o bem”, digamos assim, obviamente que essa capacidade também seria usada com outras intenções. Se aproveitar de uma situação extraordinária para lucrar, oferecendo a sua “solução” ao problema, esse era o papel da Maphia. Até em situações extremas como essa o ser humano consegue montar organizações criminosas. Nesse trecho do livro até pensei que a história poderia se passar no Brasil. Não que o que a Maphia fazia configurasse crime e tivesse previsão legal, mas do ponto de vista moral, a meu ver, se aproveitar do sofrimento de famílias em troca de dinheiro é criminoso e cruel.

A reação das pessoas, as saídas que as organizações deram ao problema o surgimento de uma organização clandestina, basicamente foram esses os três principais pontos que me chamaram atenção na primeira metade da obra.

Na segunda parte da obra, a morte começa a se manifestar. Primeiro por meio de carta, dizendo que tudo retornará ao normal. Cansou de ser ignorada e odiada por todos os seres humanos e decidiu dar uma prova a todos do quão era importante a sua existência para a ordem de todas as coisas.

É de certa forma estranho imaginar que a morte tenha sentimentos, desejos e até mesmo dores. Que se importe sobre a opinião que as pessoas tenham sobre ela. Mais estranho ainda é imaginar a morte personificada em uma mulher, dialogando com sua amiga gadanha que quase nunca responde, dentro de uma sala subterrânea e escura, que lhe serve de trabalho e moradia. Pesquisando os fichários com todas as informações sobre os humanos e despachando as cartas de cor violeta, que lhes avisam que irão morrer em oito dias. É muito louco!

É mais louco ainda perceber que a morte, assim como nós, tem suas vaidades e seu orgulho próprio. Percebi isso quando ela ficou extremamente frustrada por falhar no envio de uma carta, a carta do violoncelista de 49 ou 50 anos, sabe-se lá. Essa frustração da morte rapidamente se transformou numa obsessão, a obsessão por cumprir o objetivo do qual ela tinha falhado. A morte não aceitava a sua falha.

Essa obsessão por não aceitar seu erro acabou na mais incrível surpresa do livro. O que era pra ser o cumprimento de uma obrigação do seu ofício passou a ser, sem querer, a oportunidade que a morte teve de, enfim, entender o ser humano. A morte acompanhava o cotidiano do violoncelista em sua casa, com o seu cachorro, suas visitas ao parque, suas leituras, seu trabalho como músico e toda a sua rotina.

A obra acaba nos deixando a sensação de que haverá outra página, nos faz imaginar qual será o diálogo entre a morte e o violoncelista após a noite de amor.

Como a morte explicará a ele que desistiu da missão de lhe entregar a carta e sentenciar sua morte? Como ela explicará que ela é (ou era) a própria morte?

“No dia seguinte ninguém morreu”

Ao ler a última frase, tudo leva a crer que a morte “pediu demissão” e viverá com o homem pelo qual se apaixonou.

E que comecem novamente os problemas, o desespero e o caos...

É muito louco!

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