RESENHA DO LIVRO "EDUCAR EM TEMPOS INCERTOS" DE MARIANO F. ENQUITA
Por FLÁVIO ALVES DA SILVA | 12/01/2009 | EducaçãoA presente obra realiza uma amostragem das mudanças ocorridas nas
instituições escolares e na sociedade nos últimos tempos. Aponta suas
conseqüências e considera nesse processo a tarefa e a identidade
daqueles envolvidos pelo contexto educacional. O livro tem sua
estrutura dividida em sete capítulos nos quais o autor, dentro de sua
teoria, aborda as questões por ele consideradas necessárias de análise
para a realização de sua amostragem em defesa de sua tese que, por sua
vez, consiste na necessidade de refletir sobre algumas práticas
consideradas certezas absolutas dentro da educação e dessa forma
exergar-se a derrocada de tais conceitos e métodos de
ensino-aprendizagem, pois se faz necessário associar-se a educação as
necessidades mais atuais como a capacidade e o emprego desta e da
escola em caminhar de forma conjunta e diametralmente paralelas com a
sociedade.
No primeiro capitulo é abordada a questão das mudanças na
instituição escolar. É traçado uma amostragem das mudanças
suprageracional, da intergeracional e da intrageracional , além de uma
discussão acerca da diversificação dos alunos e professores dentro de
uma escola. Aqui é colocada a necessidade sentida pela sociedade da
existência de instituições escolares a partir do momento em que a
família deixa de exercer sozinha essa função. Segundo Enguita, é nesse
momento que o magistério tem sua apoteose e o professor ocupou o lugar
de figura central desse processo. Contudo a escola sentiu a necessidade
e a obrigação de acolher em seu seio as diferentes classes e os mais
distintos tipos de alunos e também de professores, com isso as mudanças
que ocorriam dentro desse espaço limitado da escola a levaram para uma
condição em que essa deveria realizar em si mesma adaptações e
aprendizagens de forma constantes, inclusive o professor. Para essa
transformação o autor não considerou apenas as mudanças tecnológicas
ocorridas nas várias sociedades, mas também a relação entre essas e a
educação.
O capítulo seguinte traz uma amostragem da influência
exercida, de forma determinante, pelo trabalho no campo da sociedade do
conhecimento. Dentro dessa unidade é demonstrado como a sociedade com a
sua evolução industrial estabeleceu um tipo de ensino-aprendizagem
desenvolvido com o objetivo único de alimentar a força de mão-de-obra
da qual o mercado de trabalho tinha necessidade. O autor coloca aqui
que o papel da escola na época (final do século XIX e início do século
XX) era nada mais nada menos do que capacitar os alunos para o
desenvolvimento das atividades trabalhistas. Para apresentar essa idéia
é transcorrido um percurso de transformações sociais que vem desde a
revolução industrial passando por transformações dentro mesmo desse
processo industrial como o fordismo e taylorismo. Na abordagem da
atualidade são realizados questionamentos acerca da educação no
constante a que tipo de educação se faz necessária. Seu conceito de
sustentabilidade e de importância da educação é firmado em cima da
necessidade de qualificação entendida por ele como ampliação global dos
conhecimentos, pois essa se faz obrigatória diante da competitividade
que é um fato consumado no mercado de trabalho e, por sua vez traz
consigo conseqüências como a flexibilidade e a adaptação para novas
situações.
A terceira parte da obra traz um relato histórico acerca
dos interesses e dos interessados no processo de ensino-aprendizagem.
Nessa parte são tratadas as questão da formação do estado e da função
da escola nessa construção. É também abordada a realização de uma
educação intercultural dentro de uma sociedade multicultural e a
formação humanística dentro de uma sociedade globalizada. Enguita
apresenta de maneira contudente qual é o papel desenvolvido pela escola
e a função da mesma e dos professores dentro desse processo de
globalização, sendo eles a necessidade de trabalhar para os direitos
individuais, para a solidariedade e para a formação e consolidação da
democracia.
O quarto capítulo tem como foco de trabalho os encontros
e desencontros da família-escola. O autor demonstra o rompimento com a
tradição e a expansão da escolarização como um processo de imperialismo
que torna a escola como centro do processo educacional. Esse
acontecimento é propiciado devido ao fato de que a família vai aos
poucos perdendo a função de custódia da criança em conformidade com a
secularização da sociedade e para suprir essa função vem a escola com a
tarefa de educar. Contudo o autor demonstra também que esse modelo de
escola-família não perdurou por muito tempo e demonstra a derrocada
dessa hierarquia.
Educação e justiça social é a questão abordada no
quinto capítulo da obra, no qual o autor discorre acerca da
desigualdade social e da igualdade territorial. Ressalta as políticas
igualitárias e seus resultados desiguais. Nesse ponto da obra o autor
discute a questão da inclusão e de suas conseqüências no sistema
escolar ressaltando a difícil conciliação da igualdade com a
diversidade. Para colocar em foco essa complexa realização das
políticas educacionais ligadas a igualdade social são apresentadas
questões particulares da Espanha, mas que podem perfeitamente serem
comparadas com as existentes em nosso país.
É a escola o ponto
trabalhado no sexto capítulo. Nesse debate é discutida a instituição
escolar em sua organização assim como seu entorno. São trabalhadas
questões como a crise da organização escolar ou a quebra do sistema
racional, a organização escolar como sistema natural ou a dissolução em
seus elementos, além da necessária primazia do sistema ou a abertura
para o entorno. O ponto central do debate se encontra na articulação da
escola com seu entorno, pois as transformações acontecidas em volta
dela fizeram com que sua mudança fosse inexorável. Uma reação exigida
pela necessidade de flexibilização e de abertura da escola diante das
inovações, com isso a instituição agora denominada de escola-sistema
não deve se alienar da sociedade, pois deve reconhecer dentro desta
última a sua importância.
No último capitulo, o sétimo, são
colocadas as transformações sofridas pela profissão desde sua natureza
e composição social passando pela estratégia coletiva e a jurisdição da
profissão até culminar nas mudanças no modelo de profissionalismo.
Novamente o autor coloca dados particulares da Espanha como exemplo
concreto de discussão. Dentro desse debate é tratada a mudança do
perfil dos professores e o reflexo dessas transformações na escola e na
sociedade. Para isso são consideradas questões como a docência, a
jornada de trabalho com suas condições de desenvolvimento do mesmo, a
relação professor-aluno em sua carência de estabelecimento de vínculos
entre eles e da importância do professor como recurso essencial na
escola, dentre outras. Neste capítulo é reforçada a necessidade de
flexibilização e abertura da escola como elementos basilares à escola
para a garantia e sustentabilidade de sua importância no seio da
sociedade.
É lançado, no epílogo, um desafio a todos os envolvidos
no processo educacional para que sigam Prometeu: que olhem para frente
e que arrisquem. Segundo Enguita, mesmo que o preço a pagar seja
elevado o galardão é mais gratificante desde que ajudassem a formar
cidadãos plenos em cidadania e qualificação profissional.
A obra foi
gerada por um catedrático da Universidade de Salamanca, um importante e
reconhecido centro de discussão e de produções importantes acerca da
educação. Ela aborda precisamente questões comuns as mais diversas
sociedades e torna-se um instrumento importante na discussão e para o
aperfeiçoamento do processo educacional e de seu sistema escolar. Dessa
forma sua leitura se faz recomendável e de grande importância para
todos aqueles de que em diversas formas, diretas ou indiretas,
encontrem-se envolvidos e, consequentemente, preocupados com a temática
trabalhada, tornando-se para eles uma fonte de estudo e reflexão em
busca da construção de um melhor sistema educacional.