RESENHA DO LIVRO EDUCAÇÃO E POLÍTICA NO BRASIL

Por Adilson Boell | 11/04/2010 | Resumos

Adilson Boell

Caro leitor, o presente trabalho é uma resenha do livro Educação e política no Brasil de Hoje, da escritora Lucia Maria Wanderley Neves. O livro da autora é uma síntese de sua tese de doutorado, defendida em dezembro de 1991, na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, intitulada: A Hora e a vez da escola pública?A segunda edição desta obra foi realizada pela editora Cortez em 1999 e é o objeto deste trabalho.

1.RESENHA

Nosso objetivo nesta resenha será apresentar de forma objetiva e resumida o fio mestre do pensamento da autora. Na primeira parte do livro a autora apresenta uma visão técnica e bastante complexa para os leitores não acostumados a termos econômicos, ou melhor, ao mundo das teorias econômicas, em especial as teorias marxistas. Desta forma buscamos apresentar uma visão bem simplificada deste primeiro capítulo sem nos prendermos aos termos e conceitos do texto original.

Na primeira parte do livro a autora busca identificar a gênese e a dinâmica que geram as transformações nas políticas sociais, ou seja, são as mudanças qualitativas organizadas na produção e nas relações de poder que impulsionam estas transformações. Estas transformações se dariam em dois ambientes específicos: no ambiente da produção, e no ambiente das relações de poder.

Para a autora a produção capitalista ao aumentar os graus de exploração da força de trabalho (trabalho humano utilizado no processo de produção) eleva a massa de trabalhadores assalariados, utilizando-se de métodos produtores de mais valia relativa (intensificação da produção / produzir mais em menos tempo). Este esmagamento seria o motivador para que a classe trabalhadora buscasse ampliar seus espaços de organização, política, social e cultural. Mesmo o estado sendo detentor de forças legítimas para inibir este tipo de iniciativa da classe trabalhadora, obrigou-se a utilizar de outros mecanismos de contra revolução (tentativa de bloquear os avanços da classe trabalhadora/ dar os dedos para não perder a mão), utilizando assim de estratégias políticas que buscam o consenso em cima de seus principais interesses, ou seja, perpetuar as relações de dominação sobre a classe trabalhadora.

O ritmo e a direção do desenvolvimento das políticas sociais em determinada formação social concreta, portanto, são determinados pela consolidação dos níveis de participação populares alcançados – ou seja, do alargamento dos mecanismos de controle social das decisões estatais -, e, também pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção. (p.15 e 16)

Sendo assim os avanços da classe trabalhadora no que se refere às questões sociais será o fruto de disputas e conquistas em espaços de poder no interior dos mecanismos de sustentação do "status quo" da burguesia capitalista, e da foram em que se organizarem as forças produtivas e as relações de produção de determinada sociedade.

No segundo capítulo a autora afirma que (p.16):

Os sistemas educacionais no mundo capitalista contemporâneo, respondem de modo específico as necessidades de valorização do capital, ao mesmo tempo em que se consubstanciam numa demanda popular efetiva de acesso ao saber socialmente produzido

Em outras palavras a educação baseia-se nas necessidades do capital, ou seja, em primeiro plano a educação objetiva garantir uma maior valorização do capital. Aos trabalhadores caberia a luta pelo acesso a estes conhecimentos produzidos, para através destes, conquistarem mais espaços de organização e decisão que possibilitem por sua vez uma maior emancipação, um maior poder e uma maior participação nas decisões na organização do processo de produção e nas relações de trabalho. Embora estes dois elementos sejam importantes, são insuficientes para explicar as especificidades do sistema educacional na atualidade, segundo a autora (p.17) "deve ser buscada nas repercussões econômicas e político-sociais das aplicações diretamente produtivas da ciência no processo produtivo de trabalho sob o sistema de máquinas". Com a inclusão da ciência nas relações de produção, modificou-se a forma de extração de mais-valia (trabalho não pago ao trabalhador) e a exploração do trabalho.

Para Neves (1991, p.18) "a grande indústria passa a impor, dessa maneira a formação de um homem de tipo novo", ou seja, ela quer um novo tipo de trabalhador: "o intelectual ligado diretamente ou indiretamente ao processo produtivo de base científica". Desta forma a escola apresenta-se como um espaço privilegiado para a preparação deste "novo homem".

Para Neves (1991) foi no período pós-guerra que teve inicio as alterações no processo produtivo de base industrial. Neste período acelerou-se a introdução de novas tecnologias de produção e as formas de organização do trabalho foram se modificando de acordo com as novas demandas do capital. O processo de divisão do trabalho ficou mais complexo e exigiu trabalhadores com maior grau de escolaridade. Nesta fase começaria a modificar-se o papel da escola. Ela agora deveria preparar um novo tipo de trabalhador, um trabalhador que fosse (p.20) "capaz de decifrar os novos códigos culturais de uma civilização tecnológica". Para tanto a escola deveria "redefinir suas funções tradicionais, ideológicas e socializadoras", ou seja, a tarefa da escola seria a de preparar este novo individuo necessário aos "avanços" do processo de produção.

Neves destaca que por mais que estas mudanças no campo escolar venham a luz das necessidades do sistema de produção capitalista, sofrem também a influencia das massas trabalhadoras que devido a pressão incessante do capital buscam melhorar as condições de trabalho e de vida. A autora destaca que ao mesmo tempo em que a escola se apresenta como instrumento de reprodução da ordem dominante, apresenta-se também como um espaço de luta da classe trabalhadora. A mesma escola que forma os intelectuais da elite forma os filhos dos trabalhadores, embora a elite dominante tenha desenvolvido ao longo da história mecanismos de filtragem social. Para Neves "(p.25)

O controle democrático das políticas educacionais constitui desse ângulo, um elemento fundamental para que a escola garanta, ao trabalhador, conteúdos necessários à compreensão e à intervenção na civilização técnico-científica, instrumental político indispensável ao exercício pleno da cidadania. E, mais, o controle das políticas educacionais, ao permitir o desmonte dos mecanismos de filtragem social, possibilita à classe trabalhadora os espaços imprescindíveis para a preparação quantitativa e qualitativa de seus dirigentes.

Neves, afirma que numa sociedade contemporânea o crescimento dos sistemas educacionais se deve prioritariamente ao binômio industrialismo/democracia. Este binômio é visto sob duas óticas distintas, que são a ótica capitalista que (p.25) "se traduz na necessidade de sua reprodução ampliada e na manutenção das relações sociais de produção. Assim o capital requer da escola a formação de técnicos e de dirigentes voltados para a produção por ele controlada; da ótica do trabalho (P.25):

Significam a possibilidade técnica e política de transformar as relações de produção vigentes, na perspectiva de que o domínio do conhecimento das leis da natureza e da dinâmica da sociedade, ao mesmo tempo em que resgata, para o trabalhador, a condição de sujeito do processo social, proporcionando-lhe os instrumentos necessários para o desenvolvimento coletivo de suas lutas contra a apropriação privada da riqueza e do saber.

O mais importante aqui a ser compreendido é que existem duas posições antagônicas, que ocasionalmente podem convergir, mas que em suas essências divergem profundamente quanto aos processos sociais que querem construir.

No terceiro capítulo a autora destaca que (p.31) "do mesmo modo que em nível internacional esta a exigir dos países desenvolvidos uma redefinição dos seus sistemas educacionais" o Brasil deverá buscar através da "difusão científica e tecnológica" adequar-se a esta nova realidade.

A autora afirma que as dificuldades impostas aos trabalhadores ("ampliação da prática de horas-extras, generalidade dos turnos, crescimento do número de acidentes de trabalho [...]" (p.35)), levaram os trabalhadores brasileiros a se reorganizarem em um novo sindicalismo que buscasse a autonomia sindical.

A autora destaca o crescimento das organizações sindicais, das organizações da sociedade civil, predominantemente urbana, mas que progressivamente englobaram outros grupos sociais, o importante papel dos partidos políticos, bem como no âmbito do estado às eleições estaduais de 1982.

Segundo a autora são principalmente as eleições de 1982, que modificam significativamente as relações entre poder central e poder local. É neste momento que também se fortalecem o legislativo e o judiciário.

Neves fecha o terceiro capítulo da primeira parte de seu livro afirmando que (p.38).:

Todo este movimento em direção à socialização do poder político, que teve como moldura um processo contraditório de socialização do trabalho e a apropriação aguda da riqueza socialmente produzida, trouxe, em seu bojo, o surgimento e o debate – quer no Estado estrito senso, quer na sociedade civil – de propostas distintas de reestruturação do sistema educacional que da ótica do trabalho pudessem fazer face às transformações recentes da sociedade, da economia e das relações de poder em nosso país.

No primeiro capítulo da segunda parte do livro a autora destaca as mudanças nas estruturas sociais, principalmente em sua dinâmica populacional, as mudanças da área econômica, devido ao esgotamento do modelo das importações, as exigências da inclusão de novas tecnologias no processo de produção, a opção do estado capitalista por métodos de mediação e não de repressão, como aparelhos de contra-revolução, a crescente representação da sociedade civil organizações, e as eleições diretas para governadores. Todas estas transformações fizeram surgir novas e distintaspropostas de modelos de organização social e conseqüentementede ensino no Brasil.

Neves (1991), afirma que no "âmbito do Estado estrito senso", o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação – CONSED – e a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME, como os responsáveis por iniciaremas discussões e formulações de uma proposta educacional alternativaàquela em vigor nas últimas três décadas. Neves afirma que (p.38):

"Essa proposta alternativa teve como alicerce básico, a construção de um sistema educacional para uma sociedade democrática que pressupunha um maior controle social das políticas públicas e a socialização dos serviços públicos como direito de cidadania.

Para a formulação da proposta foi criado um "FÓRUM composto prioritariamente por entidades nacionais de educação e também por entidades representativas dos trabalhadores – CUT e CGT". (p.40).

Como contra revolução o capital também buscou sua organização, (p.40) "ora nas propostas do próprio empresariado em geral, ora por propostas de vários segmentos do setor empresarial educacional.

A autora afirma que a Confederação Nacional da Indústria – CNI – tentou subordinar o sistema educacional aos seus próprios interesses. Outros setores como Igreja e empresários leigos também tinham interesse na prestação de serviços e na formação das elites.

Estas duas propostas foram o centro das discussões e dos embates políticos na constituição de 1988 e nas eleições a presidência da república.

A autora destaca a importância do CONSED e da UNDIME como mecanismos de tensão na descentralização das decisões políticas e dos recursos financeiros para a sua implantação. Estas duas entidades ainda se destacaram na construção de propostas para um novo modelo de educação para o Brasil. Por outro lado para a autora, o CONSED e a UNDIME, por serem entidades de "interesses específicos e muitas vezes contraditórios" (p.66) contribuíram também para impossibilitar o progresso nas discussões sobre como gerir o sistema nacional de educação, buscando superar a existência de redes paralelas de ensino. Além disto, as políticas propostas neste meio buscavam definir os princípios somente para a educação fundamental.

A autora destaca que o "elo entre suas propostas educacionais e as questões gerais da sociedade era a relação democracia social e democracia educacional". A autora identifica que (p.68):

Por não explorarem com maior profundidade a relação entre educação e trabalho no Brasil, CONSED e UMDIME não conseguiram construir uma proposta educacional que objetivasse a cidadania plena do conjunto dos trabalhadores brasileiros.

No segundo capítulo a autora destaca que após a revolução de 1930, o capital passsou a investir de forma mais vigorosa na industrialização, desta forma buscou a cooptação do sindicalismo brasileiro, esta investida serviu para cooptar os agentes do capital,mas provocou um esvaziamento do operáriado. Na tentativa de forçar o seu retorno, o Estado designou a esses sindicatos papéis específicos de intermediação política, transformando-os em órgãos paralelos do sistema educacional, deu-se a criação do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), em 1942. Sobre a responsabilidade da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o SENAI se encarregou da formação profissional dos menores de 14 a 18 anos já empregados.

A proposta inicial era a que o SENAI deveria ser um orgão que assumisse a prestação de serviços de assistência social e de educação geral (de modelagem dos trabalhadores da industria), esta proposta não funcionou devido aos altos níveis de evasão escolar eaos baixosindices de rendimento, apresentados pelo operáriado. Desta forma a função do SENAI que era a de ser um órgão sistematizador da aprendizagem feita durante o emprego, diferenciando-se do ensino industrial das escolas de tempo integral, passou a enfatizar a necessidade de formação de recursos humanos de alto nível. O SENAI passou a se definir como instrumento de produtividade de trabalho industrial, passando a adotando como diretrizes, a formação o aperfeiçoamento e o treinamento da mão de obra, e adaptou suas escolas ao preparo de um nível mais elevado da mão de obra. Passou também a redefinir sua atuação devido aos avanços científicos e tecnológicos incorporados a produção industrial brasileira.

O esgotamento do modelo econômico e a crescente ampliação dos espaços na sociedade civil (p.76) "no final dos anos 70 e início dos anos 80, obrigaram o empresariado industrial a redefinir mais uma vez suas estratégias político-educacionais". O Sistema SENAI comprometeu-se a desenvolver ações nacionalmente planejadas de expansão e melhorias dos programas de formação profissional, acessoria técnica as empresas, desenvolvimento de recursos humanos e de cooperação de organismos internacionais. Maior atenção foi dada também a preparação de mão-de-obra em nível de 2º grau, priorizando-se a formação de técnicos.

Com o posicionamento dos empresários a favor de uma política industrial competitiva, representada pelo emprego de incentivos para o aumento de produtividade via inovações tecnológicas, a política educacional passou a ser orientada para o desenvolvimento tecnológico. O capital necessitava de um sistema educacional com maior transferência de recursos para o sistema universitário, insentivo para a manutenção do sistema de ensino público, apoio à educação básica e a implementação de programas especiais de alfabetização de adultos, voltados diretamente para a força de trabalho industrial ja empregado.

Para a autora o sindicalismo brasileiro dos anos 80 apresentava em um nível precário de discussão educacional quanto ao papel da escola na qualificação para o trabalho. Esta precariedade pode ser creditada (p.97): "a forte influência da tese da desqualificação do trabalho perante o processo de desenvolvimento capitalista"; e, a "socialização do conhecimento, no meio sindical, a respeito das reivindicações das organizações sindicais dos trabalhadores em nível internacional quanto à qualificação para o trabalho".

A autora conclui o segundo capítulo afirmando que se faz necessário (p. 96) "acelerar o debate educacional em torno de uma proposta educacional dos trabalhadores brasileiros que ultrapasse os limites corporativos - trabalhadores e especialistas em educação. Uma proposta que, incorporando os temas já aprofundados nos anos 80, no que tange à democracia educacional, contemple, concomitantemente, a concepção de mundo e os requisitos técnico-científicos imprescindíveis à participação ativa dos trabalhadores na sociedade da informática e da microeletrônica, de modo a tornar possível, no Brasil dos anos 90, à hegemonia de sua visão de educação".

Na parte II do terceiro capítulo da do livro da autora, Neves, refere-se aos embates educacionais na Constituição de 1988 e na eleição presidencial de 1989. Era chegada à hora de se redefinir os rumos de uma nação. Para a autora (p.99) "Estava em jogo, portanto, as normas de convivência social, nos seus aspectos econômicos, políticos e sociais". Embora fosse um momento de disputa de projetos societários também era um momento de conciliação. Desta forma a constituinte foi palco de conciliações e mudanças no cenário nacional.

Dentre as mudanças significativas trazidas pela constituinte a autora destaca "Além da garantia do direito dos trabalhistas e previdenciários, passaram a constituir direitos sociais – e, portanto responsabilidade do Estado – a educação, a saúde, o lazer, a segurança, a proteção à maternidade e infância e a assistência aos desamparados (art. 6). Outro fator a ser considerado de importância foi o alargamento dos direitos democráticos, que segundo Neves (p.101)

Os direitos políticos se estenderam aos analfabetos e aos menores entre 16 e 18 anos. A organização partidária libertou-se da tutela estatal, reconhecendo-se como legítima a forma direta de representação popular; os trabalhadores urbanos e rurais, igualados em seus direitos conquistaram a livre organização, independente do controle do poder político; foi-lhes assegurado, o direito a greve sem muitos condicionantes.

Pela primeira vez na nossa história constitucional a ordem social merecia titulo separado da ordem econômica. O Estado passou a garantir, além dos direitos trabalhistas e previdenciários, os direitos sociais.

Um ano depois de promulgada, a nova Constituição que confrontou propostas distintas de sociedade e de educação para um país que se consolidava, era a vez das eleições diretas para presidência da República.

A autora destaca as três principais propostas em disputa nestas eleições presidenciais.

A primeira proposta defendia várias frações do capital e de seus aliados e foi apresentada por PRN, PL, PDS, PFL E PTB, recebendo 45,62% dos votos válidos.

A segunda proposta (p.104) "embora defendesse a continuidade da ordem capitalista de organização social da produção, reivindicava maior participação do conjunto da população na riqueza socialmente gerada, bem como maior participação popular na tomada das decisões". Este bloco recebeu 32,77% dos votos válidos e era formado por PMDB, PSDB e PDT.

A terceira proposta defendia a (p.104) "Transformação das relações sociais de produção em vigor, na Qual o trabalhador se transmutasse em sujeito político do processo histórico". Este projeto de sociedade recebeu 18,33% dos votos válidos.

O bloco vencedor, liderado pelo (PRN) se constituiu na agremiação partidária que defende a associação dependente do Brasil ao capitalismo internacional através da transferência de tecnologias, assegurando à modernização via importação. A escola pública não restaria nada mais senão assumir o papel de instrumento viabilizador do resgate da divida social, e da erradicação do analfabetismo.

A autora finaliza seu livro afirmando que embora o projeto societário vencedor representasse a continuidade do projeto conservador, a pequena diferença de votos deste projeto para o projeto apresentado pela Frente Brasil Popular, (p. 111) "indicava o prosseguimento dos embates no âmbito do estado e da sociedade civil, no sentido de reestruturar as diretrizes político-educacionais definidas em campanha pelo presidente eleito.