Resenha do livro A Bíblia: Introdução historiográfica e literária
Por Paul Dala Rosa | 16/04/2010 | ReligiãoCarlos Frederico Shlaepher, Francisco Rodrigues Orofino, Isidoro Mazzarolo. A Bíblia: Introdução Historiográfica e literária. Coleção Iniciação à Teologia, Petrópolis, Editora Vozes, 2004.
A obra em questão surgiu de uma necessidade verificada pelos idealizadores da coleção no que tange a escassez de material didático (manuais) no país que abrangessem as principais disciplinas que norteiam o estudo da Teologia e das Ciências Religiosas. Assim sendo, foram convidados vários autores com formação privilegiada e que atuam de uma forma ou de outra em trabalhos relacionados às áreas afins, bem como possuem publicações em livros e revistas especializadas no tema.
O primeiro capítulo fala sobre a geografia bíblica situando o leitor com a apresentação da chamada "Meia-Lua fértil", região onde se passa a história do povo de Israel, sendo assim considerada por ser uma região atraente, sendo regada pelos rios Nilo, Tigre e Eufrates e principalmente por ser um corredor comercial entre o Egito e a Mesopotâmia.
Continuam os autores no capítulo segundo a discorrer sobre a palestina, onde Abraão se fixou, mais precisamente em Canaã, fazendo parte de uma fenda geográfica onde se situam o rio Jordão, o lago de Genezaré e o Mar Morto, bem como os montes da Palestina que eram considerados lugares de culto, terra esta prometida por Deus e que na ocasião era habitado pelos Cananeus, os quais foram escorraçados pela descendência de Abraão.
No capítulo terceiro o livro fala sobre a formação do povo de Israel, começando novamente a falar sobre Abraão – e diga-se de passagem, o livro contém inúmeras informações que se repetem ao longo da exposição, talvez por ser composto com participação de vários autores – dizendo que mais tarde o mesmo migra para o Egito onde seus descendentes, os Hebreus, tornam-se escravos. Isso na verdade ocorre devido à ocupação de Israel pelo Egito, fazendo com que aquele tenha de pagar tributos, até que a nação dominadora começa a perder o controle dos escravos hebreus dando início a revoltas de grupos como os hapirus. Nesse ínterim, o grupo de rebelados de maior importância era liderado por Moisés, conseguindo fugir do Egito em um Êxodo que marcou a história de Israel.
O quarto capítulo trata do período dos Juízes, no qual o povo de Israel se organiza de modo descentralizado, com lideranças temporárias em tribos, que levou à elaboração de leis que garantissem o direito de todos, sendo que para conduzir a prática da justiça foram eleitos juízes temporários que resolviam contendas e conclamavam o exercito em tempos de perigo. Mas este sistema ruiu aos poucos com o enriquecimento de algumas tribos através da criação de bois, dando margem a disputas internas em busca de poder, sem contar a invasão empreendida pelos Filisteus. Período este que é retratado nos livros de Juízes e I Samuel.
A monarquia e o profetismo em Israel são descritos no quinto capítulo como sendo uma conseqüência da derrocada do sistema tribal ocorrida pelo triunfo da agricultura, pelo surgimento de homens poderosos (donos de bois), pelo desequilíbrio entre as tribos, pela invasão dos filisteus, pelo surgimento de novos reinos ao redor de Israel e pela investida comercial da fenícia. Com isso surgem dois reinos, o de Judá ao Sul e o de Israel ao Norte, onde a primeira tentativa de se instaurar a monarquia é empreendida por Saul, sendo sucedido por Daví, o qual consolida a monarquia. Unido a isso, com a desestabilização econômica da estrutura familiar começam a surgir confrarias de profetas ao redor dos santuários protestando contra o governo. No entanto, como o rei precisa de apoio, este instaura confrarias de profetas também na corte, período em que surgem os livros proféticos de provérbios, Salmos, Reis, Crônicas e Samuel, até que se irrompe a invasão da Assíria sobre Israel.
No sexto capítulo se aborda o tema do Exílio, que de acordo com os autores, depois da deportação para a Assíria desaparece o reino de Israel, até que Judá recupera sua independência com Josias, o que não dura muito tempo, pois logo os Babilônios invadem Jerusalém liderados por Nabucodonosor deportando o povo para a Babilônia, para onde vai também o profeta Jeremias que escreve o livro de Lamentações falando sobre a escravização do povo, ocasião em que se inaugura uma nova concepção sobre a essência do povo de Deus, em uma releitura histórica na qual para ser Judeu não é necessário estar ligado a uma terra, um rei ou uma lei, pois Deus está sempre com ele independentemente da situação.
O sétimo capítulo descreve o período persa que é protagonizado pelo rei Ciro da Pércia, que tendo conquistado a Babilônia, anexa também a Palestina ao seu reino, sendo que, como dissemos anteriormente, era uma importante rota comercial. No entanto, diferentemente dos reinos Assírio e Babilônico, este devolve a terra aos hebreus, permitindo-lhes o livre culto religioso, apenas restringindo a administração a um satrapa, pequeno rei que dividia seu poder com "os olhos do rei" um supervisor da região, mantendo o total controle por parte o rei. Com isso, depois da tentativa de Zorobabel, Neemias restabelece o culto, os muros e o templo. No entanto sacerdotes da casa de Sadoc se influenciam pelo poder temporal, implantando normas jurídico-litúrgicas que geram preconceito e discriminação entre o povo, dando origem a conflitos internos, o que mais tarde será alvo de críticas por parte de Jesus. Essa realidade deu origem aos livros de Êxodo, Levídico, Números, Deuteronômio, Esdras, Neemias, Ester, Jonas e Tobias.
O período grego é tratado no oitavo capitulo, onde os autores destacam a conquista do império persa pelos gregos com Alexandre "o grande", até que, com sua morte o Império é dividido entre seus generais, ficando Ptolomeu com a Palestina e o Egito, fazendo-se coroar Faraó. De forma que a Judéia é transformada em etné, governada por um etnarca na pessoa do Sumo sacerdote, unindo o poder do estado à religião, fazendo com que o templo passe a ser um local de negócios, implantando também um sistema tributário que explora o povo gerando mais revoltas como a dos Macabeus. Situação esta que irá se perpetuar até a chegada do Império Romano. No entanto foi um período fértil em escritos, principalmente por influência da cultura grega, dando orígem aos livros de Eclesiastes, Eclesiástico, I e II Macabeus e o livro de Sabedoria, inclusive a tradução da Bíblia para o grego, chamada Septuaginta.
Já o nono e mais extenso capítulo abrange o período do Novo testamento onde os autores concluem a obra procurando ressaltar seus aspectos político, religioso, econômico, sociais e ideológicos, contextualizando-o dentro de uma época onde imperavam os Romanos, marcando o território com uma cultura helenística, na qual a sucessão de governantes trazia um misto de progresso e desgraça ao povo, gerando revoltas e lutas internas. Dentro desse ambiente, observam os autores, havia uma série de grupos, partidos e movimentos como os farizeus, essênios, saduceus, escribas, samaritanos e zelotes, que se conflitavam em uma constante guerra de interesses. Com isso podemos perceber o cenário no qual Jesus começa seu ministério, uma palestina governada por três grandes figuras, ou seja, o rei, o procurador romano e o sumo sacerdote que mantinha poder temporal e espiritual. Nesse ínterim Jesus e seu movimento eram vistos apenas como mais um dos grupos rebelados e por isso mesmo experimentaram a perseguição. Mas com as figuras dos apóstolos como Paulo, Tomé, João e Tiago o cristianismo rompe as fronteiras da palestina e se espalha dentro e fora do império romano, gerando ao mesmo tempo uma literatura própria que trata principalmente de orientações buscadas na palavra da Escritura Judaica relida à luz da Boa-Nova de Jesus. É aqui que surgem as cartas de Paulo, de Pedro, de João, de Judas, os Evangelhos, o Apocalípce e os Atos dos Apóstolos, até que se findam as perseguições na ocasião da conversão de Constantino, culminando na aliança entre Igreja e Império.
O décimo capítulo apenas elenca um quadro cronológico da sucessão de Domínio da Palestina de todo o período bíblico.