Resenha do filme Nenhum a menos

Por Amanda Noronha Fernandes | 05/08/2013 | Educação

O filme “Nenhum a menos” se passa na zona rural chinesa, mais especificamente numa escola extremamente precária, como é ainda hoje bastante comum na zona rural do país. Trata-se de uma história em que as dificuldades da situação e da relação institucional que se impõe são superadas e se estabelece uma relação de aprendizagem verdadeira sobre a qual pretendemos refletir aqui brevemente.

No filme, o professor da escola em questão precisa se ausentar para visitar sua mãe que está doente e o prefeito do local consegue uma substituta para ele, que na verdade não passa de uma adolescente que não sabe muito mais do que os alunos pelos quais se encarrega. A menina aceita a função mediante a promessa de um pagamento que será feito pelo prefeito. Além disso, o professor lhe promete um dinheiro extra para que ela consiga conservar os alunos na escola, pois a evasão nesta área é grande devido às dificuldades que se apresentam, tais como a necessidade de trabalhar para ajudar o sustento da família.

A professora começa as atividades, mas não sabe muito bem o que deve fazer. Deixa os alunos brincando e brigando do lado de fora da sala até que o prefeito lhe diz que ela deve dar lições. Mesmo naquele lugar longínquo e praticamente abandonado, o Estado se faz presente através da figura do prefeito e através de manifestações de patriotismo, como o hasteamento da bandeira. Ela começa então a passar conteúdos no quadro negro copiados de livros e sai, deixando os alunos a seu bel prazer dentro da sala. Em alguns momentos, alunos e mesmo o prefeito esperam que ela tenha uma posição de professor, de ter autoridade, de disciplinar os alunos, de ensinar-lhes conteúdos, tirar dúvidas. Contudo, ela não estava preparada para aquela situação e sua reação é se afastar.

Um pouco mais adiante, o prefeito vem até a escola para buscar uma aluna que tem grande potencial para ser atleta e quer levá-la para a cidade. Lembrando da promessa do professor, a professora não quer deixar a menina ir e até a esconde. O prefeito consegue convencê-la de que o professor ficaria feliz com essa oportunidade dada à menina e a leva. No entanto, os problemas não terminam por ai. A professora dá falta em um aluno e quando pergunta por ele, é informada de que teria ido à cidade em busca de trabalho para pagamento de dívidas da família.  Ela entra em desespero e resolve ir arás dele na cidade, pois não poderia ter nenhum aluno a menos quando o professor voltasse.

Entretanto, a menina não encontra apoio do prefeito para solucionar o problema e resolve pedir ajuda aos alunos. Eles tentam juntar dinheiro, mas o que têm não é suficiente. Um aluno sugere que trabalhem na olaria para que possam ganhar o dinheiro. Neste momento, envolvidos com a situação de ajudar a professora e o colega, os alunos começam, juntamente com a professora, a fazer cálculos e é neste momento em que as coisas fazem sentido é que parecem mais aprender.

Contudo, a situação não caminha como planejado e a professora vai caminhando para a cidade. Depois de uma exaustiva caminhada, ela procura por seu aluno sem muito sucesso. Escreve cartazes a mão, mas alguém lhe avisa que a lógica da cidade é outra e seus cartazes não a ajudariam.

Ela vai então para uma emissora de televisão tentar ajuda, mas é proibida de entrar pela falta de documentos. Fica um dia todo na porta da emissora perguntando pelo dono, até que isso chega a ele e ele a ajuda. Ela pode então encontrar seu aluno e voltar para a vila, que recebe muitos donativos de pessoas que se compadecem ao ver o relato da professora na televisão.

Logo no início do filme podemos ver que a concepção da instituição escola na China, mesmo na zona rural, não é muito diferente da concepção que temos. Existe um professor que deve cumprir uma função que lhe é determinada, que é a de ensinar os que nada sabem e de discipliná-los. Existem carteiras para os alunos, um quadro, uma mesa para o professor à frente de todos. Existem também particularidades da situação, como o fato de que a professora dorme com alguns alunos na escola e que os alunos daquela classe não parecem ter a mesma idade. Por estes aspectos, podemos fazer reflexões mais gerais, sobre como a relação na educação está pautada numa hierarquização, assim como podemos refletir sobre aspectos mais específicos, como pensar sobre a lógica local de cada escola.

A professora, no começo da história, parece estar muito mais preocupada com o dinheiro que irá ganhar e isso acontece, sem dúvida, no nosso contexto escolar. Entretanto, ela e os alunos se envolvem num problema comum: a professora precisa da ajuda dos alunos e eles passam a construir juntos o conhecimento para solucionar seu problema. Neste momento, a ideia de que ela tinha um papel próprio parece ser derrubada. Podemos perceber que os alunos têm conhecimentos diferentes, mas que também têm conhecimentos e isso significa que existem outras concepções possíveis de escola.

A professora precisa também ir a fundo em conhecer a vida do aluno que está procurando, precisa conversar com a mãe dele, entender a história de vida dele, estabelecer uma relação de fato com ele. Percebemos, assim, que o aprendizado vai além do formal, daquilo que está posto, mas acontece sem percebermos, na forma como as pessoas se relacionam e nos acontecimentos que se apresentam. Além disso, o aprendizado não está no simples depósito de uma pessoa com mais conhecimento em outra com menos conhecimento: no caso do filme, a professora tinha pouquíssima formação e não sabia muito mais que seus alunos.

Com o estabelecimento de um problema e da busca de uma solução comum, as dificuldades de recursos são superadas e podemos entender que dinheiro não resolve todos os problemas da educação - embora seja fundamental -, pois existem relações hierárquicas estabelecidas que tornam a questão mais complexa que apenas a falta de recurso.

É possível pelo filme refletir, através da postura da professora de enfrentar o prefeito e as dificuldades que aparecem a ela, como pequenas transgressões são possíveis dentro da estrutura que existe e que esses movimentos podem levar a transformações importantes, a melhorias importantes para a educação.

Além disso, podemos entender como as escolas têm lógicas próprias de sua localização, embora tenham algo em comum e é por isso que, pensando um pouco mais especificamente sobre o contexto brasileiro, comparações e metas estabelecidas fora destes locais parecem não fazer muito sentido.