Resenha Descritiva: O conceito de Cultura para Brandão
Por Maria Lúcia Wochler Pelaes | 27/10/2010 | EducaçãoResenha Descritiva
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação Como Cultura. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 2002. p.15 ?131
Maria Lúcia Wochler Pelaes
Qual o conceito de Cultura para Brandão?
É possível extrair do texto várias proposições em relação ao conceito de Cultura.
O MUNDO QUE CRIAMOS...
O autor se coloca inicialmente como um ser da natureza, mas que se diferencia dos demais animais pelo fato de possuir a capacidade de pensar e com isso ser um sujeito da cultura (p.16) Com isso Brandão nos remete ao conceito inicial de cultura, oriundo do pensamento científico de Immanuel Kant, séc. XVIII, que estabelece uma diferença essencial entre o homem e a natureza: o fato do homem pensar, possuir a razão, agindo por escolha, de acordo com valores e fins.
Como pensa, o homem desenvolve memória e história, e com isso um conceito universal de cultura, porém que, segundo Brandão, não é aceito por todos porque não contempla as diferentes linguagens e "gramáticas" do mundo (p.17).
O autor encaminha a discussão perpassando pela capacidade de simbolização do ser humano, que se desenvolve além da consciência reflexa, compartilhada com alguns animais, para a consciência reflexiva, que estabelece a noção do "eu" e a compreensão simbólica do mundo (p.19).
Brandão também comenta sobre a necessidade de sobrevivência do homem que cria mecanismos para se adaptar aos desafios da natureza. Com isso o homem desenvolve meios de sobrevivência, bens de uso e bens de troca, dentro de um cenário de interações. Tais homens atuam como indivíduos, sujeitos do mundo da cultura, pessoas que, segundo o autor, são agentes culturais e atores sociais, convivendo em cenários da cultura (p.20-21).
Num segundo momento o autor apresenta a primeira definição de cultura:
Tudo aquilo que criamos a partir do que nos é dado, quando tomamos as coisas da natureza e recriamos como os objetos e os utensílios da vida social, representa uma das múltiplas dimensões daquilo que, em uma outra, chamamos de: cultura (p.22).
PARA APRENDER A VIVER...
Neste tópico o autor desenvolve o conceito de cultura como ação definida dentro do tecido social. "A cultura configura o mapa da própria possibilidade da vida social" (p.24).
A educação é apresentada como uma dimensão onde o indivíduo se desenvolve como sujeito de ação e de identidade.
Brandão cita pela segunda vez Claude Lévi-Strauss, referindo-se a atribuição fundadora da condição humana, do "ser moral" para o "ser da Vida" (p.25).
A educação é apresentada como meio fundamental para o desenvolvimento do ser cultural. Segundo o autor:
Educar é criar cenários, cenas e situações em que, entre elas e eles, pessoas, comunidades aprendentes de pessoas, símbolos sociais e significados da vida e do destino possam ser criados, recriados, negociados e transformados. Aprender é participar de vivências culturais(...) (p.26).
PENSAR O SABER, PENSAR O PODER
Nesse item a proposta do autor é iniciar uma reflexão sobre o lugar e o sentido da cultura e como o trabalho dos educadores influencia o processo da formação do conhecimento (p. 103).
O significado da cultura passou, segundo o autor, a ser repensado a partir da crítica do sentido político da educação, da própria cultura e do domínio do saber. Os processos culturais de reprodução do saber tornaram-se um instrumento de realização de poder, a serviço de uma classe dominante (p. 104).
O conceito de cultura, nessa discussão, é apresentado como um processo resultante, um substrato de situações de enfrentamento e de autonomia em relação a esse domínio cultural (p. 105).
A idéia de cultura popular, a partir de 1960, surgiu motivada pela militância de grupos que visavam um "trabalho junto ao povo" (p.106).
O trabalho das práticas participativas, desenvolvido a partir de "movimentos de cultura popular", por um lado corresponderam a urgência da ação, mas por outro, provocaram uma "reificação" danosa dos processos sociais de reprodução e transformação da cultura, refletindo uma "ideologia da participação" (p.106-107).
A CULTURA COMO SÍMBOLO
Neste tópico o autor disserta sobre os diferentes teóricos, que contribuíram com idéias e compreensões a respeito da cultura. Cita Pierre Bourdieu, Kant, Marx e Weber entre outros.
O que é possível extrair como contribuição significativa para a formulação do conceito de cultura, no presente trabalho, consiste em como a idéia de cultura foi difundida. Segundo o autor, o sentido da cultura na questão do poder é resultante de relações determinadas pela desigualdade e o arbítrio, traduzido por idéias, valores e símbolos da cultura que ocultam a força do próprio arbítrio, servindo à legitimidade da ordem social (p.108).
O autor comenta sobre a dimensão de poder na educação, que através de uma percepção crítica da dinâmica cultural, consiste a base de projetos dos primeiros movimentos de cultura popular, através da cultura como um processo político e ideológico de transformação (p.109).
Brandão apresenta a idéia de cultura, numa dimensão cognitiva, como "saber e sentido, que anos mais tarde vai ser percebida como modos, mais do que como modelos, e como um complexo de relações de significação (...)". Com isso a idéia de que a cultura são culturas, define sua pré-qualificação ideológica (p.111).
Ainda na mesma linha de raciocínio, o autor cita Marilena Chauí e comenta sobre a oposição não explicada antropologicamente entre "cultura do povo" e "cultura de elite", que encobre um modelo de cultura produzido socialmente, que tende a instituir e legitimar as diferenças entre uma educação dita "popular" e uma cultura dominante, "de elite" (p113-114).
A idéia de cultura é apresentada por Brandão, a partir da noção de cultura popular e da idéia de culturas, desvendando a sua dimensão simbólica, propondo a sua definição dentro de uma esfera de realização das relações sociais.
A idéia da cultura como produto feito é questionada, pois nessa dimensão, segundo o autor, cristaliza como produto acabado, material ou simbólico, o resultado do trabalho ou das diferentes relações entre os homens (p.118).
O autor apresenta uma conclusão no final deste tópico, que consiste na noção de cultura como significado que dá sentido à ação e a torna possível. Segundo o autor: "A cultura não é produzida como uma superestrutura, para estar em uma região única da sociedade, (....) é tão múltipla e dinâmica quanto o são as inúmeras possibilidades de trocas entre os homens e a natureza(...)" (p.120).
ENTREATO: SAHLINS PARA EDUCADORES
Neste tópico o autor cita Marshall Sahlins, trazendo elementos para a compreensão da cultura e de suas relações com o trabalho do educador e do cientista pesquisador.
O autor apresenta duas idéias fundamentais para o entendimento do que não pode ser a cultura, no universo das relações sociais: a primeira é que a cultura não é gerada e nem se explica como um produto, do mesmo modo que ela não obedece a qualquer lógica prática de ação humana ou relação social determinante; a segunda é que a cultura não é uma dimensão abstrata que significa a natureza. Segundo o autor:
Ao contrário, ela é o sistema concreto que torna humanamente impossível a natureza ser apreendida como valor e transformada, através de processos sociais, em produtos de cultura que distribuem em esferas diversas as diferentes instâncias simbólicas de realização da vida social: a economia, o sistema de parentesco, a organização do poder, a arte e a ciência, a educação (p.123).
O SÍMBOLO COMO PODER
Neste tópico o autor comenta o sentido da produção de conhecimento, que oscila entre a construção teórica passível de generalizações e da reificação científica do social, que a prática do sociólogo e do pesquisador muitas vezes quer transformar em "modelo", refletindo a mesma ingenuidade militante dos grupos de "trabalho popular" (p.126).
A pesquisa participante tem uma atitude crítica sobre si mesma, criando projetos de pesquisa de conhecimento da realidade cultural, através de reduções reificadoras do trabalho político, que se revelam através da ciência e seu saber (p. 130 ? 131).