Resenha da tese de mestrado a crise do ensino jurídico e as possíveis contribuições da educação geral

Por Rogério Duarte Fernandes dos Passos | 09/11/2011 | Educação

Resenha da tese de mestrado A crise do ensino jurídico e as possíveis contribuições da educação geral, de Fabrizio Marchese, defendida junto à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

MARCHESE, Fabrizio. A crise do ensino jurídico e as possíveis contribuições da educação geral. Campinas: Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2006. Dissertação (Mestrado em Educação).

            A crise do ensino jurídico e as possíveis contribuições da educação geral, dissertação de mestrado de Fabrizio Marchese, orientada por Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira junto ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), reflete sobre as condições históricas em que se deram os referenciais de estruturação do ensino jurídico no Brasil, para tanto reconstruindo a sua criação e os marcos que lhe promoveram alterações, possibilitando a compreensão do processo que permitiu aos mesmos terem a conformação básica contemporânea.

            Além de minuciosa e completa pesquisa acerca dos instrumentos legais que estruturam esse processo e percurso, o autor estabelece um preciso diagnóstico de crise que é oriundo de um ensino jurídico sem correspondência com as vicissitudes histórico-sociais e divorciado de uma maior capacidade de reflexão acerca do direito enquanto instrumento que deva ser apto ao alcance de sua função social.

            Essa reconstrução histórica dos cursos de direito – como precisamente aquilatado pelo autor – já no período do Império teve apoio nos ideais da elite política e em seu projeto de consolidação da independência nacional e do próprio Estado imperial brasileiro, de sorte que mesmo no período republicano, a República veio estabelecer um prisma ideológico e político já predominante nos últimos anos do império e portanto, quase nenhuma mudança ocorreu nas questões da educação (p. 165).

            Esse quadro acabou por expor uma trajetória história em que as faculdades de direito apenas produziam homens para a burocracia e a para própria administração pública, refletindo, inclusive, um viés quase que apenas profissional, sem um maior e efetivo com compromisso com uma formação mais completa e geral, em conseguinte reflexo da tradição jurídica estabelecida nas escolas superiores brasileiras de caráter profissionalizante.

            Portanto, é no sentido de refletir e construir uma proposta de educação geral integrada ao curso de direito que se poderá proporcionar a formação de profissionais da área jurídica mais cultos e atentos a vicissitudes que estruturam a própria existência do corpo de normas jurídicas, capazes de contemplar o contexto global e a trajetória histórica do homem inserido em sociedade.

            O papel da Universidade nessa tarefa será de grande importância, uma vez que atuando na educação jurídica de modo a contemplar essa proposta, poderá contribuir no estabelecimento de um conhecimento mais amplo por parte do bacharel, tendo a sua atuação profissional – alicerçada em referenciais éticos – como instrumento de benefício para a comunidade.

            Ressalte-se que nesse objetivo a Educação Geral terá um papel muito importante, pois poderá agregar aumento da condição cultural, trazendo referenciais de tolerância e alteridade e, claro, criar as condições para a busca da realização do ideal maior de justiça social.

            Se a realização da justiça é um dos ideais mais elevados dos profissionais da área jurídica, da mesma forma tem-se a educação geral enquanto ferramenta de maior compreensão dos problemas que envolvem o direito e dos próprios instrumentos que orientam a relação dos jurisdicionados com os poderes públicos.

            Um conhecimento que se intente amplo e abrangente, nesse sentido, contribuiria e repercutiria positivamente não apenas para o bojo das profissões jurídicas, mas traria significativo alcance social. As considerações de José Ortega y Gasset (1883-1955) – importante nome da Educação Geral – não são negligenciadas pelo autor, que ao longo de seu trabalho – sem se esquecer que pesquisa e a profissionalização são demandas exigidas da Universidade contemporânea – resgata o pensamento do filósofo e educador espanhol que estabelecem a noção de cultura como uma totalidade de construções do homem em sociedade, que o levam a uma determinada compreensão de sua existência e a uma carga de valores que ele passa a utilizar para guiar-se (p. 146). Concebe-se, então, a Educação Geral como aquela – verdadeira essência da instituição universitária – capaz de transmitir a cultura, refletindo aos homens um ideal de formação amplo, interdisciplinar e humanístico, capaz de lhe outorgar a ciência do mundo e da sociedade em que vivem, tendo simultaneamente essa mesma formação como instrumento para avanço técnico e profissional (p. 147).

            Dentre os vários e relevantes aspectos abordados pelo autor, é digna de nota a reflexão que trazida acerca do projeto da Universidade de Brasília, que deixando o tradicional formato da tradição profissionalizante, tinha o propósito de instituir um núcleo inicial de formação geral, onde os institutos das diferentes áreas do conhecimento traziam a oportunidade de cursar disciplinas básicas a todos os seus estudantes, proporcionando enriquecimento cultural – verdadeira proposta de realização do ideal da Educação Geral –, cabendo aos institutos centrais, como ele próprio nos esclarece, a formação básica interdisciplinar e a pesquisa, e às faculdades, a formação profissional e técnica (p. 167).

            Nesse sentido, no clamor da Educação Geral como instrumento para uma educação jurídica que permita constituir profissionais do direito mais críticos e reflexivos, trouxemos alguns dos significativos aspectos abordados e refletidos por Fabrizio Marchese em A crise do ensino jurídico e as possíveis contribuições da educação geral, concluindo que o trabalho se constitui em uma excelente referência para a compreensão da evolução histórica dos cursos de direito no Brasil, bem como para a sua estruturação em referenciais dessa educação que lhe permitam ser uma ferramenta de construção de uma nova formação e, em colaboração, também para uma nova sociedade, alicerçada em valores éticos e humanísticos.