RESENHA DA PARTE II DO LIVRO FUTURO PASSADO DE REINHART KOSELLECK

Por salomao melquiades luna | 23/03/2016 | Resumos

ESCOLA DE GUERRA NAVAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS MARÍTIMOS
SALOMÃO MELQUIADES LUNA
RESENHA DA PARTE II DO LIVRO FUTURO PASSADO
DE REINHART KOSELLECK
DISCIPLINA PPGEM IIIO – 01
TRABALHO IIII
Rio de Janeiro
2014

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1 OBRA
“Futuro Passado: Contribuição à Semântica dos Tempos Históricos”, do historiador Reinhart Koselleck, publicado originalmente sob o título Vergangene Zukunft, em 1979. A edição brasileira se deu em 2006 e foi publicada por Contraponto Editora; Editora PUC Rio. Em sua 1ª edição e com 367 páginas, é um livro indicado para estudantes de Filosofia, História e Sociologia.
2 CREDENCIAIS DO AUTOR
Reinhart Koselleck nasceu em Gorlitz, Alemanha em 1923. Um dos mais eruditos historiadores contemporâneos terminou seu doutoramento em 1954, apresentando a tese Crítica e crise.
Foi professor nas universidades de Bochum, Heidelberg e Bielefeld. Lecionou Sociologia na Universidade de Leicester, no período de 1945 a 1962. .
Foi coautor do monumental Geschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexikon der politisch-sozialen Sprache in Deutschland, um dicionário histórico dos conceitos político-sociais fundamentais da língua alemã, publicados entre 1972 e 1997 – teve como principal objetivo conhecer "a dissolução do mundo antigo e o surgimento do moderno por meio de sua apreensão conceitual". Reinhart Koselleck faleceu em 2006, aos 82 anos de idade.
3 DIGESTO
Até meados do século XVIII, o termo história, em alemão, Historie –– era usado para designar os eventos particulares, como a história de Florença, a história da Igreja, a história das Guerras, que serviam como guias de conduta para situações da atualidade, prioritariamente. Isso acontecia devido à experiência humana no passado ser parte fundamental de um saber ético do presente.
Durante o Iluminismo, a concepção de tempo se manifestou para além da relação passado-presente, provocando, na vida dos homens, transformações gigantescas em sua relação com o tempo – parece que o futuro pode fornecê-los alguma luz. Em vez de Historie, agora é a Geschichte, termo alemão que designa uma sequência unificada de acontecimentos ou eventos que constituem a marcha da humanidade.
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A disciplina histórica emergente transformou o passado em história, conhecido de forma neutra, por meio de um método especializado – a principal união do homem com sua história. Agora, um autor agencia os fatos do passado em sucessão e lhes oferece um sentido. O homem é então responsável por esta história abstrata e o seu rumo é conhecido.
Para Koselleck, ocorreu a fusão da diacronia e da sincronia. A experiência, a ação individual e as histórias particulares são compreendidas somente no âmbito do “grande movimento da história”. A história continua sendo vista de forma estática, não é entendida como algo que possa produzir novidade futura de fato. No cálculo racional, não há uma ruptura definitiva com a temporalidade do início dos tempos modernos. A relação entre história e tempo reporta à experiência dos homens no mundo, sua atuação política e sua vida em sociedade.
Koselleck é o próprio responsável pelo entendimento da correlação de interesses e atribuições entre história dos conceitos e história social. A história dos conceitos indica um caminho tão expressivo para a história social, que os conceitos ganham importância no horizonte político das questões histórico-sociais. O estudo dos conceitos e seu universo textual se fazem úteis ao historiador mediante suas preocupações com a evolução dos significados e seu eventual desdobramento histórico. A história dos conceitos tem como objetivo primordial estudar o uso dos conceitos e suas ressignificações na evolução histórica. A história dos conceitos funda-se sob bases epistemológicas voltadas para a interpretação histórica.
A relação de conformidade entre história dos conceitos e história social é estabelecida como justaposições interdependentes e metodologicamente associada à historicidade das formações sociais. O conceito é uma interação com as múltiplas temporalidades vivenciadas por atores sociais. A elaboração conceitual tem como fundamento lingüístico/filológico dar significado às experiências dos sujeitos históricos.
A história dos conceitos é um método especializado da crítica de fontes que atenta para o emprego de termos relevantes do ponto de vista social e político. Uma análise histórica dos respectivos conceitos deve remeter à história da língua e aos dados da história social, porque toda semântica se relaciona a conteúdos que ultrapassam a dimensão lingüística. Um conceito passa a conter em si, do ponto de vista exclusivamente linguístico, a possibilidade de ser empregado de maneira generalizante, de construir tipos ou permitir ângulos de vista para comparação.
Koselleck atenta para a problemática da singularidade do conceito e distingue palavra e conceito. Conceito ultrapassa a utilização da língua, está relacionado àquilo que se deseja
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saber, conhecer – seu contexto. O sentido de uma palavra pode ser determinado pelo seu uso. Uma palavra se torna um conceito se a totalidade das circunstâncias político-sociais e empíricas, nas quais e para as quais essa palavra é usada, se agrega a ela. Conceitos são vocábulos nos quais se concentram uma multiplicidade de significados.
O significado e o significante coincidem na mesma medida em que a multiplicidade da realidade e da experiência histórica se agrega à capacidade de plurissignificação de uma palavra, de forma que seu significado só possa ser conservado e compreendido por meio dessa mesma palavra. Uma palavra contém possibilidades de significado, um conceito reúne em si diferentes totalidades de sentido. Um conceito pode ser claro, mas deve ser polissêmico.
Quanto à representação, o autor apresenta um problema: enquanto narração e descrição, o problema é direcionado para várias dimensões temporais. Sobre os tempos históricos, os níveis de extensões temporais não se interpenetram, os eventos só podem ser narrados ao passo que estruturas são descritas, apesar de ambos não serem analisados ou dispostos em total distancia um do outro.
A estrutura, na história social, é dita pelo autor como história estrutural. As estruturas ultrapassam o campo das experiências registradas cronologicamente e são amplas, capazes de integrar as mais diversas experiências de eventos cotidianos. No campo da experiência do movimento histórico, estrutura e evento adquirem diferentes extensões temporais. A estrutura se aproxima do campo da descrição e o evento, da narração e se articulam para que o evento preceda a estrutura. Em contrapartida, estruturas de longo prazo permitem possibilidades para que eventos ocorram, após analisadas e descritas, as estruturas podem virar objeto de narrativa.
Os planos temporais nunca se fundem por mais que se relacionem reciprocamente; dependendo da investigação um evento pode ter significado estrutural e “duração” pode se tornar evento. A história seria diminuída caso se propusesse somente a narrar, sem uma análise estrutural. Evento e estrutura podem ser “abstratos” ou “concretos” dependendo do nível temporal em que se situam. Evento e estrutura só podem ser representados a partir da utilização de conceitos históricos que permitam a compreensão e conceitualização do passado. Os conceitos trazem os significados passados e suas possibilidades estruturais.
O autor analisa o acaso como resíduo de motivação na historiografia como o acaso que aparecia em diversas obras historiográficas e como foi se modificando, tanto o seu uso num texto quanto a maneira que o historiador se apropriava. O acaso é uma categoria a-histórica, que se encontra prioritariamente no presente. Sua utilização na historiografia marca uma inconsistência de dados, a enunciação de algo hipotético ou uma avaliação pessoal sobre um
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evento. Acaso é situado pelo autor no mesmo campo de Fortuna ou Sorte, dentro do campo mítico e evitados a partir do momento de surgimento da história moderna.
A história busca transmitir a verdade, para alcançá-la é preciso defender algum ponto de vista – algo dos tempos modernos. A história toma algum ponto de vista, mas ela precisa, além de fazer afirmações verdadeiras, admiti-las e relativizá-las. A história busca se defender apresentando êxitos com seus novos métodos (diversidade de fontes) e criticando o subjetivismo e o relativismo.
As metáforas do espelho, do reflexo ou da verdade nua, todas referentes à visão contemporânea, baseavam-se no fundamento das experiências próprias da qualidade do tempo presente, o qual, em sua concepção historiográfica, valia-se do recurso aos testemunhos oculares. O historiador foi a obrigado a interrogar, em primeira instância, testemunhos oculares, e, em seguida, testemunhas auditivas sobreviventes, de modo a poder investigar fatos e atos verdadeiros. O historiador, ajudado pela retórica, a poética, dentre outras, se torna um artista, mesmo quando é colocado na posição de receptor, condutor de interrogatórios; capaz de se manter imparcial e distante.
O partidarismo se tornaria um fator próprio da história – a partir deste momento ela não mais podia ser acusada de parcialidade. O ato de tomar partido esgotaria a história, pois era perceptível manifestações e processos de longa duração tomados adiante pela luta partidária. Perthes percebeu que a história cada vez se acelerava mais, fato que impedia ao historiador exercer o seu ofício. Pois o ritmo em que a história andava não conseguia ser acompanhado pela historiografia.
Koselleck aponta uma dualidade para o historiador: a teoria da história e a realidade das fontes. A ciência histórica leva indagações às suas fontes capazes de permitir a articulação de uma série de eventos que se situam além do que está posto do documento. Sua exegese se dá quando o historiador passa a observar processos e estruturas de longo prazo. Decidir sobre a interpretação de uma história sob o ponto de vista teológico ou econômico não é tarefa relacionada à pesquisa de fontes, é uma questão de premissas teóricas. A partir do estabelecimento dessas premissas é que as fontes começam a falar.
Uma fonte não pode dizer nada daquilo que cabe a nós dizer. Ela nos impede de fazer afirmações que não poderíamos fazer. As fontes tem poder de veto, nos proíbem de arriscar ou de admitir interpretações as quais, sob a perspectiva da investigação de fontes, podem ser consideradas simplesmente falsas ou inadmissíveis. Erros e equívocos podem ser descobertos por meio da crítica de fontes. As fontes nos impedem de cometer erros, mas não nos revelam o que devemos dizer.
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4 CONCLUSÕES DO AUTOR
Na perspectiva do autor, pensar a história sem considerar a assimetria existente entre passado e futuro e mediada pelo presente é prescindir da possibilidade de entender o que se chama de tempo histórico. Paralelamente à noção de progresso e de modernidade – como tempo ou momento histórico – cresce o hiato entre as duas dimensões, formando a hipótese teórica central de que é possível organizar a vastidão de dados dos materiais de pesquisa e produzir um sentido.
5 METODOLOGIA DO AUTOR
Este livro, composto por ensaios, retrata a trajetória historiográfica de Reinhart Koselleck, um estudioso das transformações que sinalizaram para a modernidade em fins do século XVIII.
A tese do autor é que entre as décadas de 1750 e 1850 a linguagem européia sofreu transformações capazes de ressignificar os termos tradicionais adaptados para o momento. Pois se percebe que a linguagem se modifica com os diversos processos.
Para suas análises, utiliza de conceitos da antropologia colocando experiência para passado e expectativa para o futuro.
6 QUADRO DE REFERÊNCIA DO AUTOR
Koselleck projeta uma orientação de apreensão do tempo histórico no universo da historiografia e da teoria da história, a partir da noção de história dos conceitos, numa tradição histórica do pensamento e de abordagem da história das idéias em diversos campos (hermenêutica, fenomenologia, lingüística, sociologia e história). A história dos conceitos não pode ser dissociada da história social, por colaborar com esta última no argumento explicativo das formações sociais, da história das sociedades: suas estruturas, dinâmicas e formas de organização política.
Sem conceitos comuns não pode haver uma sociedade e, sobretudo, não pode haver unidade de ação política. Por outro lado, os conceitos fundamentam-se em sistemas político-sociais que são, de longe, mais complexos do que faz supor sua compreensão como comunidades lingüísticas organizadas sob determinados conceitos-chaves.

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