Resenha da obra: Bahia: inquisição e sociedade.

Por Afonso Rangel Luz | 19/05/2018 | História

MOTT, Luiz. Bahia: inquisição e sociedade. Salvador: EDUFBA, 2010. 294p. ISBN 978-85-232-0580-5. Afonso Rangel Luz O ano de 1546, marca o início da atuação do Tribunal do Santo Ofício, na Bahia. E tendo como referência tal data, o Professor Dr. Luiz Mott, começa sua abordagem, mostrando que, nesse mesmo ano, Pero de Campos Tourinho, o donatário da Capitania de Porto Seguro, foi acusado por heresia e enviado para Portugal, revelando assim, o reino de terror que se instalaria na colônia, e de modo especial na Bahia, que se estenderia até o ano de 1821 – ano da extinção formal em Portugal – exercido pelos padres inquisidores, em nome de Deus e de sua Igreja. A presente obra, é a compilação de oito artigos, publicados em distintas revistas de caráter científico, entre os anos de 1986 e 1995, com as mais diversas questões que o Santo Ofício representou no solo baiano. Dando prioridade, a repressão para com as práticas consideradas heréticas e contrários a moral sexual: feitiçaria, sodomia, bigamia, irreligiosidade, judaísmo, protestantismo e dentre outras práticas, que aos olhos dos inquisidores não condiziam com a vida de um “bom cristão”. No primeiro capítulo, Mott trabalha com a Primeira Visitação do Santo Ofício à Bahia (1591), e o temor que pairava sobre as ruas da pequena Salvador. No Segundo capítulo, é apresentado o caso de um frade da Ordem de são Domingos Gusmão, que ao se enveredar pelo sertão baiano, deixa-se “seduzir” pelas práticas religiosas de origem africana. O capítulo terceiro, por sua vez, apresenta a biografia do comissário do Santo Ofício, Cônego João Calmon. No quarto capítulo, o centro da discursão é a condenação de Garcia Dávila, o proprietário da notável Casa da Torre, em Praia do Forte, pelo crime de heresia. No quinto capítulo, Mott discute o caso de quatro mandingueiros do sertão de Jacobina (interior da Bahia), levados para Lisboa sob suspeita de pacto com Demônio. No sexto capítulo, é apresentado a história de dois homens, um violeiro e outro comerciante de fumo, que são condenados por sodomia. O penúltimo, traz a atuação dos inquisidores na Capitania de São Jorge dos Ilhéus, por meio da perseguição para com aqueles que tinham prática heterodoxas da moral sexual. E por fim, o último capítulo,  Graduando do Curso de História do Campus V (Santo Antônio de Jesus-BA), da Universidade do Estado da Bahia, e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). E-mail: afonso_rangeluz@outlook.com destaca, sob um olhar mais antropológico, os aspectos da vida e as práticas religiosas dos indígenas do Sul da Bahia. A Inquisição Católica, atuou, praticamente, em toda América Latina, alguns lugares com mais força, outros com menos, porém, é preciso reconhecer que independente disso, sua atuação foi dirigida pelas práticas da intolerância e do ódio aos que não se enquadravam no perfil católico de fé e moral. “Misericórdia e justiça”, esse era o lema da Inquisição, porém, como demonstra o professor Dr. Luiz Mott, a primeira era de pouco uso por parte dos padres inquisidores, se atendo bem mais a esta última – pelo menos a ideia de justiça conivente ao clero católico. Anita Novinsky, uma das maiores pesquisadoras da temática, expõe a ideia da “cultura do segredo”1, ou seja, o pânico social existente na colônia, devido ao medo dos castigos, fossem eles das chamas do inferno ou das chamas da Inquisição. Corroborando com esse ponto, e ainda mais com o que Mott apresenta, um outro pesquisador da área, Emãnuel Luiz Souza e Silva, apresenta que 20 % das denúncias feitas na Primeira Visitação às Capitanias da Bahia (1591-1593), foram proferidas contra uma Família Cristã-nova, os Lopes2, isso demonstra o quanto a presença dos inquisidores influenciou a mentalidade não somente da Bahia, mas também de toda a colônia. Para além desse “pânico” gerado na mentalidade coletiva, os inquisidores pareciam também construir entre eles ideias, principalmente de caráter intolerante, a respeito das práticas que não cabiam na “fôrma” do princípios católicos. Além disso, percebe-se que alguns inquisidores se interessavam pelos detalhes minuciosos dos pecados alheios – tal como um enredo de uma novela televisiva – principalmente, quando este era o pecado da sodomia – isso fica evidenciado no sexto capítulo. Tal era o interesse dos padres inquisidores, que estes criaram “níveis” de sodomia: a molice, que se dividia entre “coxeta” (cópula femoral) e a “punheta” (masturbação); a sodomia perfeita, que era a penetração e ejaculação no ânus. Toda essa categorização, demonstra o enorme interesse do padres pelo pecado, seja pelo fato de compreender a mente e as práticas do pecador, 1 NOVINSKY, Prof. Dra. Anita W. A “conspiração do silêncio”: Uma história desconhecida sobre os bandeirantes judeus no Brasil. Disponível: <http://www.congresojudio.org.ar> Acesso em: 19/08/2017. 2 SOUSA & SILVA, Emãnuel Luiz. A Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil e a Trajetória de uma Família Cristã-nova na Bahia Quinhentista (Os Lopes). In: Plurais: revista multidisciplinar da UNEB. Vol.1. (jan./abr.2010). Salvador: EDUNEB, 2010. p.69. seja pelo próprio fetiche sexual que tais práticas despertavam nos clérigos zeladores da fé e da moralidade católica. Além desse enorme interesse do padres, Mott traz um outro dado a respeito da sodomia, de grande importância, ao dizer que “(...) não mais de ¼ dos sodomitas presos pela Inquisição de Lisboa, Coimbra e Évora chegaram de fato a ser torturados (...)” (MOTT, 2010, p.124), isso aconteceu, pois havia regras estabelecidas nos Regimentos Inquisitórias especificando quando e de que forma deveria ser feita as torturas, e para isso era levado em consideração a idade e o estado dos réus, a quantidade de denúncias e a confiabilidade destas, além da relação entre os depoimentos dos denunciantes e a confissão do denunciado. As fontes e biografias utilizadas pelos autor, proporciona ao leitor, principalmente ao acadêmico, a iniciação de uma pesquisa na temática sobre a Inquisição Católica e sua atuação na América Portuguesa, principalmente na Bahia. Suas fontes vão desde processos inquisitoriais – em sua grande maioria disponíveis na Torre do Tombo, em Lisboa; aos documentos existentes no Brasil, nos mais diversos arquivos, tal como o Arquivo Nacional; além de toda historiografia existente a respeito da temática. O autor possui uma escrita bastante refinada e de grande propriedade a respeito das temáticas da Inquisição. É possível notar ao longo da obra, o destaque que o autor dá a questão da influência do discurso religioso – e nesse caso inquisitorial – nas mentalidades da sociedade colonial baiana. A perspectiva historiográfica dessa obra se encaixa na área de história colonial do Brasil e também em história das religiões. Esse livro contribui enormemente para o campo da historiografia, principalmente na compreensão das mentalidades religiosas e suas transformações ao longo do tempo, ampliando os horizontes aos atuais e futuros pesquisadores, de modo especial aos que se enveredam pela área da história das religiões – área essa que tem tão pouco espaço na academia brasileira. Referências NOVINSKY, Prof. Dra. Anita W. A “conspiração do silêncio”: Uma história desconhecida sobre os bandeirantes judeus no Brasil. Disponível: <http://www.congresojudio.org.ar> Acesso em: 19/08/2017. SOUSA & SILVA, Emãnuel Luiz. A Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil e a Trajetória de uma Família Cristã-nova na Bahia Quinhentista (Os Lopes). In: Plurais: revista multidisciplinar da UNEB. Vol.1. (jan./abr.2010). Salvador: EDUNEB, 2010.

Artigo completo: