Resenha Crítica

Por Alex Sandro Alexandrino de Souza | 23/08/2016 | Literatura

Morte Vida Severina: uma análise cultural, Marluce Mary Gama Bispo

Retirante, Severino parte para outras terras buscando dias melhores para sua vida, assim conta o texto. Esse movimento é retratado através de belos versos, versos simplórios, mas com muita dignidade que acabam fazendo da obra uma obra inteiramente plausível com todos os detalhes e traços de encantamentos pertinentes a cultura regional e local, a forte cultura nordestina, sertaneja, dos perímetros do sofrimento da seca. Os pontos tocados no texto enfatizam, colocados com muita justiça, que o cotidiano sertanejo é bem segregado em tons críticos postados de como vive o povo nordestino, de quão não é fácil o seu dia a dia.

A vida de Severino não é diferente de tantos sertanejos que vivem nos quatro cantos do nordeste. A sua vida não destoa da de muitos outros.   Quando chega e se apresenta, ele diz “-O meu nome é Severino [...] Como há muito Severinos”.  Logo de cara, diante da situação, ele já é postado em situação de representante da miséria que vive os nordestinos. “[...] E se somo Severinos/iguais em tudo na vida/ morremos de morte igual [...]”. Há uma situação social comum típica da região que acaba envolvendo todos que vivem por ali. Não se trata de um povo que não luta, pelo contrário, são lutadores que sobrevivem como podem. A desigualdade social em relação à condição de carência que transcende o sujeito que se chama Severino, a humilhação da classe social a qual se encontra.

Quando o sertanejo não vê a chance de se alimentar e alimentar sua família em seu recinto, em seu sertão, ele migra para outras regiões em busca de dias melhorares, contudo, essa mudança brusca ofusca seus sentimentos e a mudança acaba sendo radical. Sempre buscando o melhor nesses lugares, Severino se depara com realidades semelhantes ou piores que a sua. Ele enxerga pessoas tentando sobreviver dentro de uma realidade igual ou pior que a sua, a realidade do seu recinto original.

Sua fala deixa de ser individualizada. Ao observar que "somos muitos Severinos/iguais em tudo na vida:/na mesma cabeça grande/que a custo é que se equilibra..." o retirante funde sua saga à saga dos outros nordestinos, junta-se a eles no destino da retirada, da busca de saídas, da procura, pobreza, sofrimentos e sonhos. E, corajosamente se anuncia:

Mas para que me conheçam melhor Vossas Senhorias e melhor possam seguir a história de minha vida, passo a ser o Severino que em Vossa presença emigra.

A seca é marcada pela viagem de Severino que ao seguir viagem tomando como trilha ver o rio seco, cenário que se repete freqüentemente no nordeste. “Veja que o rio Capibaribe, [...] é tão pobre que nem sempre [...] e no verão também corta,/com pernas que não caminham. A seca uma das maiores causas de migração da população nordestina que vive da agricultura foge para capitais buscando uma solução em meio caos que deixa para trás.

Em todos os lugares por onde passou Severino só encontrou morte, morte no metafórico. O povo esquecido sem oportunidades, castigado pela injustiça social, parte do Brasil que sofre com a desigualdade, em todos os sentidos, o progresso passa bem longe do nordeste descrito na história. Por essas situações de misérias vividas pelo retirante, ele resolve apressar-se para chegar à capital Recife. Observe o fragmento abaixo:

Está apenas em que a terra

é por aqui mais macia

está apenas no pavio,

ou melhor, na lamparina:

pois é igual o querosene

que em toda parte ilumina,

e quer nesta terra gorda

quer na serra, de caliça,

a vida arde sempre com

a mesma chama mortiça.

Severino é tomado pelo sentimento que toda aquela tem o mesmo retrato, onde o que há de certo é a morte que sempre está por perto, terra tomada pelas chamas da incerteza da vida e cada vez mais a certeza da morte.

A situação é complicada não somente no sertão nordestino, não adianta migrar e não ter oportunidade na cidade, Severino ouve uma conversa, ao chegar à capital, de dois coveiros:

— O dia hoje está difícil

não sei onde vamos parar.

Deviam dar um aumento,

ao menos aos deste setor de cá.

As avenidas do centro são melhores,

mas são para os protegidos:

há sempre menos trabalho

e gorjetas pelo serviço

e é mais numeroso o pessoal

(toma mais tempo enterrar os ricos).

— pois eu me daria por contente

se me mandassem para cá.

Então o que parecia ser um sonho acaba virando pesadelo, sobreviver na capital se torna impossível, onde a desilusão por melhores condições e ao conversar com Seu José sobre a realidade de vida chega a desejar-se a morte. [...] “que diferença faria/ se em vez de continuar/tomasse a melhor saída:/a de saltar, numa noite,/fora da ponte da vida?”

João Cabral de Melo Neto tratou de buscar em todas as passagens da obra a regionalidade do sertanejo com uma linguagem muito semelhante à linguagem impressa por eles de forma idêntica e muito próxima da sua cultura, relatando os seus anseios simples, de um cotidiano sempre modesto, onde o individuo convive sempre ao lado da falta. A obra qualifica o sertanejo ao mesmo tempo mostra a sua cultura dentro da sua realidade, a realidade do sofrimento do suor derramado, da falta de oportunidades. É uma soma de desvalorização que o sertanejo vive e isso há muito tempo, coloque a ainda o descaso dos governos quando se fala nesses problemas que só aumentam. Esses valores nunca são abordados com a seriedade devida, não tendo ao menos a preocupação de compreensão das condições precárias que vivem o povo nordestino, os quais não possuem ao menos o direito do necessário para a sobrevivência de qualquer ser humano.

NETO, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina. Disponível em: < http://www.culturabrasil.org/zip/mortevidaseverina.pdf> Acesso em 17 de mar 2016.

BISPO, MARLUCY Mary Gama. Morte e Vida Severina-Uma Análise Cultural. Disponível em: < http://www.ead.ufpb.br/pluginfile .php/20175/mod_resource/content/ 3/Morte%20e%20Vida%20Severina_analise%20cultural.pdf> Acesso em 16 de mar 2016.