RESENHA CRÍTICA: O CAFÉ ANTES DO CAFÉ: produção agrária no Vale do Parahybuna (1830-1854)

Por Jader Soares Viana | 22/03/2017 | Economia

PONTÍFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais

Curso de Ciências Econômicas

 

 

Dayvson Cordeiro Lopes

Henrique Augusto Mansur Grego

Jader Soares Viana

Juan Augusto Thales Pereira 

 

 

 

RESENHA CRÍTICA:

O CAFÉ ANTES DO CAFÉ: produção agrária no Vale do Parahybuna

(1830-1854)

 

1 INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho é uma resenha sobre a versão resumida do texto “O Café antes do Café: produção agrária no Vale do Parahybuna (1830-1854), que é o segundo capítulo da dissertação de mestrado Do Parahybuna à Zona da Mata: Terra e Trabalho no processo de incorporação produtiva do café mineiro (1830/1870), defendida na Universidade de Juiz de Fora em 2012 pelo pesquisador Bruno Novelino Vittoreto.

Nesse texto analisado, Vittoreto, baseado em relatos de viajantes, listas de dízimos, relatórios da presidência da província e inventários, apresenta as atividades agrárias no Vale do Parahybuna, situado na parte sul do que depois se constituiu na Zona da Mata mineira. Vale ressaltar que o espaço, a partir da segunda metade do século XIX, se destaca das demais províncias mineiras na produção de café, daí a importância de se estudar os elementos que podem ter sido responsáveis por esse destaque no momento imediatamente anterior.

 

2 DESENVOLVIMENTO

A região que viria a se constituir como a Zona da Mata Mineira se destacou das demais regiões mineiras pela produção de café a partir da metade do século XIX. Apesar da sua ocupação tardia, efetivada apenas durante o século XIX, após o declínio da atividade mineradora, a região, de acordo com Nicélio do Amaral Barros em texto apresentado durante o XXIII Simpósio Nacional de História em Londrina, foi até o início do século XX a mais rica de Minas. (BARROS, 2005).

Apesar de representar com seus 35.000 km2 apenas 5% do território mineiro, a zona da Mata foi até o início do século XX a região mais rica do estado de Minas Gerais, exatamente por apresentar as melhores condições físicas para o cultivo do café, produto que na época era a principal riqueza do país. Podemos dizer que, até a década de 1920, esta região foi a principal produtora de café do Estado, variando proporcionalmente de 90% na década de 1880 até 70% na década de 1920, e isto levando em conta que o café, entre 1870 e 1930, ocupou sozinho cerca de 60% do total das exportações do Estado e foi responsável pela maioria dos impostos provenientes da exportação, com 60% na década de 1870 e 78,2% na década de 1920”. (GIROLETTI apud BARROS, 1988, p. 123).

Ora, se o café teve tamanha relevância para a economia da Zona da Mata mineira, é necessário que entendamos os motivos que determinaram esse cenário. É justamente nesse sentido que Bruno Novelino Vittoretto caminha ao analisar a ocupação e as atividades agrárias no Vale do Parahybuna no período compreendido entre 1830-1854, no texto “O Café antes do Café: produção agrária no Vale do Parahybuna (1830-1854).

Em primeiro lugar, Vittoretto (2012) versa sobre o processo de ocupação do território que diverge do processo de ocupação das demais regiões do Estado. De acordo com o autor, o espaço conhecido como “Os Sertões” era situado entre os pólos mineradores em Minas Gerais e as áreas litorâneas do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Segundo ele,

[...] os sertões se caracterizavam por diversas peculiaridades durante o século XVIII. Representações de contemporâneos, manifestadas em imagens e mitos apontam o sertão como espaço incivilizado e hostil, com uma natureza inóspita, seja através de matos extremamente densos, ou através de áreas desertas. (VITTORETTO, 2012, p.59).

Todavia, após o início da construção do Caminho Novo em 1698, por determinação da Coroa de Portugal, inicia-se um processo de ocupação do território complexo e cheio de contradições, na avaliação de Vittoretto. Mais adiante, falaremos dessas contradições. Antes, porém, cabe explicar o que é e para que foi construído o Caminho Novo, dada a sua importância, inclusive, para a origem do café na região.

O Caminho Novo, assim chamado simplesmente para diferenciá-lo da rota antiga da mineração de Minas até o Rio, foi criado com dois objetivos específicos, conforme artigo “Os Caminhos do Café”, publicado no site do SEBRAE RJ.

Dois fatores importantes fizeram com que a Coroa Portuguesa mudasse a principal rota do ouro: o primeiro foi a sua longa extensão; o segundo problema era os portos de Angra dos Reis e Paraty, alvos fáceis para o ataque de piratas e corsários. (SEBRAE-RJ, 2013).

O Caminho Novo iniciava-se na foz do rio Iguacu, na baía de Guanabara, cortava a região que viria a se constituir na Zona da Mata Mineira e se bifurcava depois chegando em dois lugares diferentes: Vila Rica (atual Ouro Preto) e São João Del Rei.

Para Vittoretto,

O Caminho Novo surge como elemento dinamizador dentre as regiões ao passo que irá diminuir em mais de um terço o percurso entre as Minas Gerais e o Rio de Janeiro – agora feito todo em terra firme; em relação ao Caminho Velho. Quer dizer que se o tempo de viagem anteriormente girava em torno de 40 dias, com a nova rota há um decréscimo para mais ou menos 12 dias, em que pesem as Possíveis variações determinadas pelas condições climáticas e do viajante. (VITTORETTO, 2012, p.61).

Voltemos, portanto, às contradições no processo de ocupação. De acordo com a análise de Vittoretto, ao mesmo tempo em que a administração colonial tentava impedir o processo de ocupação às margens do Caminho Novo dentro do Vale do Parahybuna, de forma a mantê-lo inacessível e evitar o extravio de minerais transportados pela rota, concedia títulos de posse para invasores e sesmarias para pessoas e famílias mais abastadas.

Percebe-se que há de fato uma inversão no projeto que, em primeira instancia, buscava assegurar a remessa de metais preciosos de Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Se a ideia central era assegurar um território impenetrável, num segundo momento será justamente a dinamização desse território que trará maiores benefícios na transposição segura de todo ouro e diamante pertencente à metrópole. (VITTORETTO, 2012, p.64).

De acordo com Vittoretto (2012), a partir desse momento, grandes proprietários estabelecidos na região passam a exercer o domínio de amplas porções de terra, “além do monopólio das mais variadas atividades”. (VITTORETTO, 2012, p.66). Entre elas, de acordo com o autor estão mineração, agricultura, tráfico de escravos e predomínio sobre o fluxo de mercadorias.

Depois de discorrer sobre o processo de ocupação, Vittoretto (2012), se atém à produção agrária no Vale do Parahybuna. Ambos os fatores são fundamentais para entendermos a produção de café nesta região a partir da segunda metade do século XIX.

Por meio de relatos de viajantes, relatórios e inventários, o autor traça um panorama da produção local. Ele cita diversos viajantes desde o início do século XIX que em suas travessias relataram terem encontrado plantações de café, de cana-de-açucar etc, além da existência de ranchos e vendas. De acordo com Vittoretto (2012), a partir dos relatórios de dízimos desse período, é possível verificar forte concentração de terras e altos índices de mercantilização. Os dados apresentados dão conta de que o pagamento de dízimo na região tinha o maior valor per capita entre todas as freguesias da capitania de Minas Gerais. Cabe ressaltar o caráter mercantil de subsitência encontrado na região.

Para fundamentar sua argumentação, Vittoretto, cita o pesquisador norte-americano, Douglas Libby:

(...) a Mata já se encontrava firmemente engajada na agricultura mercantil de subsistência antes da chegada do café. Isso, alias, explicaria a tradição da auto-suficiência das fazendas de café da região ao longo da segunda metade do século passado (...) Ademais, esse achado também indicaria que, embora o mercado-alvo dos excedentes produzidos na Zona da Mata na década de 1830 provavelmente fosse a cidade do Rio de Janeiro, a região não deveria estar ausente da rede de abastecimento dos núcleos mineradores no século XVIII, especialmente dada sua proximidade de boa parte desse mercado. Mais importante ainda é constatar que, com seu considerável plantel de escravos, a Zona da Mata estava apta a absorver o surto da cafeicultura, cuja chegada não tardaria. (LIBBY, 1988, p. 48 Apud VITTORETTO, 2012, p.74).

Vittoretto (2012) segue embasando sua argumentação apresentando dados colhidos nos inventários de Santo Antonio do Parahybuna entre os anos de 1830 e 1854. Por meio dos dados, é possível constatar que de um total de 118 inventários, o maior número de ocorrências de benfeitorias nas propriedades corresponde aos moinhos, depois paióis, monjolos e engenhos, nessa ordem. Importante notar que as senzalas aparecem em quinto lugar entre as benfeitorias. O baixo número encontrado de engenhos de socar café evidenciam a baixa produção de café naquele momento.

Quanto à produção de gêneros agrícolas, a maior incidência recaiu sobre o milho. As características do produto, cujas qualidades nutricionais poderiam ao mesmo tempo suprir as dietas humana e animal – aliadas as facilidades de cultivo – levam a crer na preferência dos proprietários por esse cereal. À ampla propagação do milho, segue-se o cultivo de outros gêneros comumente difundidos nas propriedades rurais mineiras. Primeiro, aparece o arroz como o produto mais cultivado no Vale do Parahybuna, seguido do Feijão. (VITTORETTO, 2012, p76).

Para Vittoretto (2012), diante dessa diversificação de gêneros, aos poucos o café vai ganhando importância em relação aos outros.

A parte sul do que viria a se conformar como Zona da Mata, vai incorporando no decorrer das primeiras décadas do século XIX o papel de região precursora do café, ao passo que seria nesse espaço que a cultura da rubiácea seria desenvolvida em larga escala. (VITTORETTO, 2012, p.78). 

Freire citado por Vittoretto (2012), para tentar explicar o porquê do avanço do café:

A diversificação da produção agrícola deve ter sido a base para aqueles que viriam a ser os maiores produtores de café (...) Lembremo-nos que num primeiro momento, nos arredores daquele que viria a se tornar o Distrito e depois município de Juiz de Fora, se estabeleceu um núcleo fornecedor de produtos de primeira necessidade, bem como de pouso para os tropeiros que se utilizaram daquela estrada. Muitos daqueles homens e mulheres, como os das famílias Dias Tostes, Paula Lima e Barbosa Lage, sem dúvida, tiveram a origem de suas fortunas ligadas à diversificação de atividades. Fossem agrícolas, comerciais ou usurárias elas garantiram o capital para o início de seu enriquecimento por meio da lavoura cafeeira. Todavia, é preciso reter que, na maioria das vezes, não houve por parte daqueles indivíduos o abandono imediato dessas atividades que lhes propiciaram o suporte financeiro para se dedicar à produção daquela rubiácea mesmo porque não sabiam que o café seria tão lucrativo. (FREIRE apud VITTORETTO, 2012, p.78).

Sobre a origem do capital capaz alavancar a lavoura cafeeira de tal forma, o pesquisador Fábio Francisco de Almeida Castilho destaca que esse capital não poderia vir das atividades agrícolas de dentro da região. 

Isto é, partiu de investimentos produzidos internamente na província mineira, em outras comarcas geograficamente distantes, mas interligadas por rotas de comércio em direção à Corte do Rio de Janeiro. Seus agentes mercantis instalaram-se em matas virgens da Zona da Mata, dando origem a montagem de um núcleo agro-exportador cafeeiro. (REVISTA DE HISTÓRIA ECONÔMICA & ECONOMIA REGIONAL APLICADA, 2009).

Nesse sentido, a produção do café no Vale Parahybuna teve origem diferente de outras importantes regiões produtoras do Período. Conforme nos mostra Gremaud, Saes e Toneto Junior (1997), a produção do café se iniciou nos arredores da cidade do Rio de Janeiro e adquiriu caráter itinerante, sempre em busca de novos solos que substituísse aqueles desgastados por décadas de cultivo. O principal rumo das plantações foi dado pelo Rio Paraíba do Sul, primeiro na então província do Rio de Janeiro e depois no Vale do Paraíba em São Paulo. Mais tarde a produção cafeeira dirigiu-se para o interior de São Paulo (nas áreas de Campinas, Rio Claro, Mogi Mirim, Ribeirão Preto, Araraquara, Jaú etc.).

No Vale do Parahybuna, para Castilho, a expansão cafeeira não foi resultado de um avanço da fronteira da cafeicultura fluminense, não se constituindo, portanto numa extensão daquele modelo. “ao contrário, possuiu um ritmo próprio, alimentado pelo amplo movimento interno da província mineira. (CASTILHO, 2013).

Assim, diante da forte demanda internacional que começa a se formar pelo café brasileiro, a produção no Vale do Parahybuna tem um forte crescimento, conforme nos mostra Vittoretto (2012), sobretudo depois de 1950. Segundo ele, 33% das propriedades levantadas nesse Período tinham algum comprometimento com a produção de café e mais da metade deles foram abertos após 1850.

Por fim, Vittoretto (2012) conclui que a diversificação produtiva das propriedades na Zona da Mata serviram como trunfo do processo que incorporou o café diante de outras culturas, apesar de reconhecer anteriormente que as características da região não diferiam essencialmente de outras regiões da província, a não ser pelo acesso à terra e à mão de obra escrava mais abundante.


3 CONCLUSÃO

 

No Período compreendido entre 1830-1854, recortado pelo autor para fazer sua análise, o Brasil passava por intensas transformações. Em 1822 o país se tornara independente de Portugal. Em 1808, ano da chegada da família real no Brasil, os portos brasileiros foram abertos, o que facilitou as exportações brasileiras no período posterior, e havia um grande movimento liderado pela Inglaterra pelo fim da escravidão no Brasil. Todas essas novidades parecem ser importantes demais para terem sido deixas de fora da análise de Bruno Novelino Vittoretto. Pela relevância dos fatos, presume-se que tiveram algum impacto na conformação da cultura cafeeira da Zona da Mata Mineira. Importante notar também a ausência de dados comparativos com a região fluminense produtora de café a fim de estabelecer um parâmetro que pudesse explicar a rápida ascensão da cultura do café no Vale do Parahybuna. Será que as condições de clima e solo eram parecidas? Não há nenhuma menção aos aspectos naturais capazes diferenciar a região com outras regiões do estado que não lograram o mesmo êxito com o café. Como o texto é apenas um capítulo de uma dissertação de mestrado, talvez, estejamos sendo injustos com o autor por julgar essa ausência de informações. Pode ser que elas estejam mencionadas em outros capítulos. De qualquer maneira, o texto não consegue explicar de forma definitiva ou pelo menos convincente os motivos da alta produtividade de café na Zona da Mata mineira.

Ao estudarmos esse texto torna-se impossível não fazermos ilações com os conteúdos apreendidos no curso de Formação Econômica do Brasil, tanto no que se refere ao Modulo I como ao Módulo II. No primeiro caso, em função da herança colonial ainda muito presente no período estudado, como mão de obra escravista etc. Em relação ao Módulo II se relaciona fundamentalmente por ser a origem de um processo maior que vai transformar o país em um grande exportador de café e que desenvolverá políticas econômicas para proteger essa produção.

Por fim, a análise do texto foi importante para verificarmos importantes pólos produtores de café fora da região fluminense e paulista, tão citados e estudados pela bibliografia indicada.


REFERÊNCIAS

 

BARROS, Nicelio do Amaral. Historia regional, café e indústria: a zona da Mata de Minas Gerais. In: ANPUH-XXII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2005, Londrina, Anais... Londrina, 2005. Disponível em: . Acesso em: 02 nov. 2013.

BARROS, Nicelio do Amaral. In: GIROLETTI, D. A industrialização de Juiz de Fora – 1850-1930Juiz de Fora: UFJF, 1988, p. 123. 

CASTILHO, Fábio Francisco de Almeida. Economia Sul-Mineira: o abastecimento interno e a expansão cafeeira (1870-1920). Disponível em: . Acesso em: 02 nov. 2013.

FREIRE, Jonis. Escravidão e família escrava na Zona da Mata mineira oitocentista. 2009, Tese (Doutorado), Campinas.

GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flavio A. M. de; TONETO JUNIOR, Rudinei. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997. 247p. Cap. 2.

REVISTA DE HISTÓRIA ECONÔMICA & ECONOMIA REGIONAL APLICADA, vol. 4 n. 6 Jan./Jun., 2009 

SEBRAE-RJ. Os caminhos do café. Disponível em: . Acesso em: 02 nov. 2013.

VITTORETTO, Bruno Novelino. O café antes do café: produção agrária no Vale do Parahybuna (1830-1854). In: XV SEMINÁRIO DE ECONOMIA MINEIRA, 2012, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2012.