Resenha Crítica do Texto Stuart Mill: Liberdade e Representação de Elizabeth Balbachevsky

Por Rócio Stefson Neiva Barreto | 17/12/2008 | Filosofia

Resenha crítica do texto Stuart Mill: liberdade e representação de Elizabeth Balbachevsky.In: Coleção Clássicos da Política, volume II, organizada por Francisco Wefford. Editora Ática, São Paulo, 2002

RESUMO

O comentário de Elizabeth Balbachevsky acerca das formulações políticas de Stuart Mill revela um pensador utilitarista, liberal, individualista e progressista. Mill procura conjugar, em um mesmo plano teórico, o liberalismo político e os ideais democráticos, o que caracteriza uma ruptura com o pensamento conservador no interior das doutrinas liberais. Defensor do sufrágio universal, da liberdade e do direito a representatividade política da minoria, a fim de conter a tirania da maioria que tende a emergir nas sociedades democráticas, Mill foi um pensador preocupado com a situação das classes proletárias no interior da sociedade industrial. Mill se opunha ao privilégio de interesses de classe, sejam as classes dominantes sejam as menos favorecidas. O comentário de Balbachevsky resulta em um texto bastante lúcido acerca das concepções do pensador, com vistas a despir seus leitores do preconceito que costuma acompanhar o entendimento dos pensadores liberais clássicos.

Palavras-chave: Utilitarismo; Individualismo; Liberalismo Moderno; Stuart Mill

ABSTRACT

The comment of Elizabeth Balbachevsky about the Stuart Mill´s political formulations Stuart Mill show us an utilitarian, liberal, individualist and progressive thinker. Mill tries to conjugate, in the same theoretical plan the political liberalism and the democratic ideals, which characterizes a break with the conservative thought in the interior of the liberal doctrines.Defender of the universal suffrage, of the freedom and of the political representativeness of the minority, in order to contain the tyranny of the majority that has a tendency to surface in the democratic societies, Mill was a thinker worried about the situation of the proletarian classes in the interior of industrial society. Mill was objecting to the privilege of class interests - be the dominant classes, or be the least favored. The comment of Balbachevsky it´s a quite lucid text about the conceptions of the thinker, that undress his readers of the prejudice that usually accompanies the understanding of the liberal classic thinkers.

Key-Words: Utilitarism; Individualism; Modern Liberalism; Stuart Mill

O capítulo em discussão é composto de duas partes: a primeira delas se refere ao texto de Elizabeth Balbachevsky acerca da vida, obra e o contexto histórico político à época do pensador britânico Stuart Mill; a segunda apresenta ao leitor alguns fragmentos oriundos de uma de suas obras, Utilitarism, on liberty and representative government.

O texto da comentadora começa com a exposição do contexto histórico, social e político contemporâneo ao pensador. Balbachevsky realiza uma breve apresentação do cenário de então, conferindo ênfase à emergência da Revolução Industrial e seus desdobramentos – como o surgimento da classe operária e da burguesia industrial – ao surgimento de instituições com a capacidade de representar os segmentos de oposição – denominadas pela comentadora como "sistemas de contestação pública" – e o "alargamento das bases sociais do sistema político, com a incorporação de setores cada vez mais amplos da sociedade"[1], apontando para uma grande questão da época, que remetia à incorporação das massas ao sistema político. Todos estes acontecimentos que configuraram o cenário político, social e econômico da Inglaterra de Stuart Mill foram definitivos para a definição do posicionamento do pensador, repercutindo em todas as suas formulações políticas. Para apresentar aos seus leitores estes fatos, a comentadora recorre - de modo bastante pertinente – às contribuições de outro pensador britânico, o historiador – ainda vivo – Eric Hobsbawn.

Em seguida, Balbachevsky nos apresenta o próprio Mill, "o mais legítimo representante do movimento liberal inglês"[2] do século XIX. A comentadora enfatiza a rígida educação recebida pelo autor desde a infância, que redundou em uma carreira de brilhantismo tornando-o um verdadeiro intelectual, começando a publicar seus textos já na adolescência, culminando em uma curta carreira como parlamentar. Um ponto interessante marcado pela autora é que Mill não teve uma formação, stritu sensu, acad~emica, uma vez que jamais estudou em nenhuma universidade.

A obra de Mill,segundo a comentadora, rompe com o caráter conservador do liberalismo, de modo que "pode ser tomada como um compromisso entre o pensamento liberal e os ideais democráticos do século XIX"[3]. Neste sentido, entende-se porque Mill era um defensor do sufrágio universal, considerando que a participação política deveria abranger a todos os cidadãos, uma vez que "o trato da coisa pública diz respeito a todos"[4]. Mill preocupava-se em garantir tal participação mediante a criação de mecanismos institucionais.

Balbachevsky frisa também que para Mill, o voto não é um direito natural, e sim, poder. A garantia de voto é o que confere poder às classes menos favorecidas, para que estas não padeçam em função dos "interesses egoístas da próspera classe média"[5]. Mill teria sido um pensador, portanto, preocupado com os abusos que as classes mais baixas poderiam sofrer, e isso justamente no momento em que florescia a Revolução Industrial e começava a ganhar relevo o que ficou conhecido como "questão social", que se referia especialmente às terríveis condições laborais da massa proletária.

Mill ansiava por um sistema representativo que não privilegiasse o interesse de nenhuma das classes. Para tal, propôs duas medidas: a primeira delas seria a adoção de um sistema eleitoral proporcional, que fosse capaz de garantir a representatividade das minorias; a segunda refere-se ao "voto plural", que consistiria no voto das leites culturais, que deveria ter peso superior a um, constituindo uma espécie de "voto de minerva". Para Mill, esta medida garantiria a justiça que transitaria então entre os interesses das classes proprietárias e da classe proletária. Já a primeira medida revela a preocupação de Mill com o estabelecimento de uma tirania da maioria – a mesma preocupação de Aléxis de Tocqueville décadas antes.

Balbachevsky também localiza o pensador no interior de uma concepção individualista, oposta aquilo que denomina como concepção organicista, a qual considera que o homem possui uma natureza social. Nesta perspectiva, "a natureza humana estaria condicionada pela forma com que o individuo se insere no agrupamento social (...) Para esta concepção não existe o homem em geral, mas apenas homens social e historicamente determinados"[6]. O sentido das ações humanas, portanto, seriam atribuídos na medida em que correspondessem a relações entre grupos.

A concepção individualista enfoca os homens, em detrimento da sociedade. A partir deste prisma, a sociedade é expressa enquanto soma de atividades e interesses individuais, o que significa pensar que o homem, enquanto indivíduo, viria antes da sociedade. A sociedade se forma a posteriori, de forma não-natural.

O individualismo em Mill se expressa no fato de que, para o pensador, um governo é tanto melhor quanto maior for sua capacidade de garantir a felicidade do maior numero possível de indivíduos. A finalidade do governo, portanto, inscreve-se em um registro individualista, pragmático e utilitário. A comentadora localiza as raízes de tal posicionamento político nas concepções utilitaristas apregoadas por Bentham e James Mill, que consideravam que "o homem é u maximizador do prazer e um minimizador do sofrimento"[7] e que "a sociedade é o agregado de consciências auto-centradas e independentes, cada qual buscando realizar seus desejos e impulsos"[8].

Mill, entretanto, deparou-se com a seguinte questão: como tomar como critério de emdição da qualidade de um governo a felicidade, sendo este um atributo que não permite mensuração objetiva?Para resolver tal impasse, Mill recorre a um elemento de natureza qualitativa para ampliar suas concepções acerca da natureza dos homens; ele não apenas tende a evitar o sofrimento e maximizar seus prazeres, mas também é capaz de desenvolver suas capacidades. Tal conclusão leva Mill a aprimorar também sua concepção acerca do que definiria um governo eficiente e justo: "o grau em que ele tende a aumentar a sima das boas qualidades dos governados, coletiva e individualmente"[9]. Neste sentido, para Mill, o melhor governo a garantir as condições que favorecem o desenvolvimento do potencial dos indivíduos é o governo democrático.

Ao fim de seu texto, Balbachevsky aponta a importância que Mill confere à liberdade; para ele, a justiça e a verdade são possíveis em sociedades livres, onde seja viável o confronto entre opiniões, idéias e propostas. São estes conflitos que tornam possíveis a auto-reforma da sociedade com vistas para o seu progresso. Entretanto, isto não quer dizer que para Mill a liberdade fosse um direito natural; segundo a comentadora, o pensador, como herdeiro da tradição utilitarista, não é partidário da teoria dos direitos naturais. Para Mill, trata-se mais precisamente do fato de a liberdade se configurar como "o substrato necessário para o desenvolvimento de toda a humanidade"[10]. A liberdade é o que torna possível a emergência das diferenças, o confronto entre idéias que leva ao progresso e a verdade.

O comentário de Balbachevsky é muito competente, capaz de realmente – conforme parece ser a intenção da comentadora – despir o leitor dos constantes preconceitos que constantemente acompanham a leitura de um autor liberal clássico. A contextualização histórica feita pela comentadoraé essencial para uma compreensão ampla acerca das formulações teórico-políticas do pensador. O único ponto a ressalvar é o fato de a comentadora ter selecionado excertos de apenas um livro de Mill na segunda parte do texto. Entretanto, isso não obscurece o valor deste excelente comentário, recomendado a todos aqueles desejosos de estudar a obra do pensador ou apenas avançar suas noções acerca do que foi o liberalismo moderno.



[1]BALBACHEVSKY, Elizabeth. Stuart Mill: liberdade e representação. In:WEFFORD, Francisco (org). Clássicos da Política: volume II. Editora Atica, 2002, p. 192

[2] Idem, ibidem, p. 193

[3] Idem, ibidem, p. 195

[4] Op. Citp. 195

[5] Op. Cit . p.196

[6] Op. Cit. p. 194

[7] Op. Cit. p. 197

[8] Op. Cit. p.. 197

[9] MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo, 1981, p. 19 apud BALBACHEVSKY, Elizabeth, Op. Cit, p. 197

[10]Op. Cit, p. 198