RESENHA ACERCA “DO ENTE E A ESSÊNCIA”, DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

Por Ítalo Mateus Dutra de Oliveira | 05/12/2016 | Filosofia

Tomás de Aquino nasceu em Roccasecca no Sul da Itália em 1221, filho do casal Landolfo, conde de Aquino, e de Teodora e faleceu na cidade de Fossanova, aos 53 anos de idade, em 07 de março de 1274, em um mosteiro cisterciense quando viajava em direção à Lião, para participar de um Concílio, a pedido do Papa Gregório X. Foi um filósofo e teólogo que viveu no período medieval, considerado como o máximo expoente de toda a Escolástica.

Escreveu inúmeras obras sobre os mais diversos assuntos. Uma delas, escrita ainda em sua juventude, intitula-se “O Ente e a Essência” (1248-1252). Nela, Tomás apresenta seu pensamento, a partir das análises do conteúdo metafísico das obras aristotélicas, acerca das relações que existem entre o ente e sua essência. Ele consegue desenvolver, com muita objetividade e precisão, o pensamento clássico da antiguidade, além de reestruturar, a partir de uma nova perspectiva, as concepções da verdade a respeito do ente, e também de aprofundar, iluminado por suas análises, a compreensão acerca daquilo que já se sabe sobre o que seja a essência e como ela se relaciona com o próprio ente.

Estruturalmente bem definida, a obra em questão consta de um pequeno prólogo, seguido por seis capítulos e, por fim, uma rápida conclusão. Possui um conteúdo demasiado denso, embora não seja extenso. Sendo assim, o primeiro contato com “O Ente e a Essência” pode não ser um dos melhores. Todavia, a partir das várias leituras, se consegue abstrair boa parte do pensamento tomaziano. É, portanto, uma obra indispensável para se ter uma maior e melhor compreensão daquilo que, como expressa o próprio Tomás, primeiramente é concebido pelo intelecto humano, isto é, o ente e a essência.

Além de tudo isso, percebe-se que o filósofo de Aquino deixa bem claro que, por ser mais acessível, é necessário que, diante da busca de conhecimento, procure-se começar o estudo pelo ente, para, assim, se chegar à essência. Ele afirma isso justamente porque, ao longo da obra, vai demonstrar que existe uma maior facilidade na compreensão do que é composto, para depois se chegar ao que é simples. Seguindo, portanto, esses conselhos iniciais doados por Tomás, sem dúvida, se conseguirá muito mais êxito nas pesquisas realizadas.

Passando, agora, da perspectiva introdutória para um aprofundamento a respeito do conteúdo, percebe-se que Tomás começa a construir, já no início, uma relação entre o ente e a essência. Ele afirma que, antes de tudo, o ente pode ser dito de duas maneiras: a partir da sua divisão em dez gêneros e também como sendo um enunciador da verdade das proposições. A diferença entre eles é, basicamente, que, no primeiro caso, só pode ser concebido como ente tudo aquilo que consegue colocar algo na coisa, isto é, que faça com que ela seja.

Já no segundo caso, o ente é somente aquilo sobre o qual se pode afirmar algo. Neste último caso, se percebe, porém, que não se tem um ente propriamente dito, visto que não corresponde, necessariamente, à realidade. Assim, apenas no primeiro caso o ente possui essência, isso porque, só existe essência onde há substância. No segundo caso, todavia, parece que há muito mais acidente do que substância. Logo, a relação entre a essência e o ente no segundo caso é limitada e relativa, visto que essência e acidente só se relacionam parcial e analogamente.

Tomás desenvolve em suas análises, uma nova perspectiva sobre o modo de se chegar a um maior conhecimento da ordem cognitiva do ser. Diferentemente de outros pensadores que insistiam em buscar essa compreensão partindo, inicialmente, das substâncias simples para se chegar às compostas (pois se deixavam ser levados, possivelmente, pela lógica de que a facilidade deveria estar primeiramente no que é simples), o aquinate decide inverter esta ordem e começar pelas substâncias compostas.

Ele realiza essa radical inversão justamente porque as substâncias simples (que, no caso, seria Deus, como também Seus anjos) apesar de darem origem às compostas (que, no caso, seria o homem), são menos cognoscíveis que elas. Por isso, se torna mais fácil que se busque compreender os efeitos e as causas das substâncias compostas para se ter um maior acesso às simples.

O santo doutor demonstra ainda, de forma concisa, que há uma diferença imprescindível entre as substâncias simples e compostas, que faz-se necessário pormenorizar. Ele nota que enquanto as compostas têm matéria e forma, as simples, porém, só possuem forma. Se, como foi dito, é preciso que se compreenda primeiro as compostas para depois adentrar às simples, assim também é necessário que se chegue à compreensão do que é matéria e forma, para, com isso, aprender mais sobre as substâncias compostas.

Sendo assim, Tomás apresenta seu ponto de vista a respeito do que seria e quais as implicações da matéria e da forma no indivíduo. Observando o homem, ele compara a matéria com o corpo e a forma com a alma. Aí está mais uma razão para se defender que as substâncias simples não possuem matéria, visto que, uma de suas características é a incorporeidade. Além disso, ainda sobre as substâncias compostas, o aquinate afirma que a essência de um indivíduo é a unidade (digamos assim) da matéria com a forma. Uma sem a outra, portanto, não se diria a essência. Se, como defende Tomás, a essência está relacionada à definição da coisa, logo ela é constituída de matéria e forma, visto que as substâncias naturais contém as duas em sua constituição. Não se está dizendo, porém, aqui, que a essência é um resultado da relação entre matéria e forma ou que é um acréscimo a tal relação, pois se estaria comparando a essência ao acidente. Portanto, sobre a essência, pode-se chamar de algo que, nas substâncias compostas, é formado, como já foi dito, pela matéria e pela forma.

É importante perceber ainda sobre a essência, que o filósofo aquinate determina uma “separação” de duas essências existentes nos indivíduos. Ele afirma que há a essência propriamente dita, que é a qual se pode chamar de universal, visto que está presente do mesmo modo em todos os indivíduos (por exemplo, a “humanidade” do homem que é comum a todos os seres humanos), e, também, que há a essência particular, que é aquela que está presente de forma individual em cada homem (por exemplo, a essência do homem “Sócrates” está presente unicamente neste “Sócrates” e em ninguém mais). A esta particularidade da essência (que se dá a partir, especialmente, da matéria) dá-se o nome de princípio de individuação.

Por ser uma obra caracterizada pela visão ontológica de Tomás, nota-se que nela, o filósofo não cessa sua busca de deixar às claras tudo o que realmente ele pensa a respeito das implicações do ente e da essência. É por este motivo que ele permanece por vários momentos falando sobre a identificação da matéria e da forma, como também das relações entre as substâncias simples e as compostas, para, assim, conseguir levar o leitor a uma compreensão mais profunda sobre sua metafísica.

Sendo assim, não se pode deixar passar por despercebido algumas importantes características destas relações acima citadas. Tomás defende que a existência da matéria depende de sua forma. Isso implica dizer que, sem forma, não há matéria. Todavia, é possível que, pelo menos algumas formas, possam existir sem que haja matéria. É o caso, por exemplo, de Deus e de Seus anjos, que não possuem matéria, mas existem por si só. Com isso, pode-se chegar à conclusão de que as substâncias compostas necessitam, para existirem, da matéria e da forma. Porém, as substâncias simples são constituídas só de forma. Além disso, ele acredita que a matéria é algo incognoscível e, também, indeterminada. A forma, portanto, vem, de forma “autônoma” em relação à matéria, torná-la algo cognoscível.

Tomás, em seu opúsculo, se preocupa, também, em analisar o modo como se encontra a essência nas substâncias que são separadas da matéria no homem, a saber: na alma, na inteligência e na causa primeira. Ele afirma que nenhuma das três possui matéria, isso porque, só serão inteligíveis em ato se forem separadas da matéria que, como já se sabe, é incognoscível e indeterminada. Assim, o aquinate percebe que as formas existentes tanto mais estão próximas do ato puro quanto mais distantes estão da matéria corporal. Isso porque, embora a forma, enquanto é forma, não precise de nenhuma matéria, há formas que não o são se não forem na matéria. Essas, portanto, estão mais distantes da causa primeira de tudo, e precisam buscar a aproximação do ato puro.

Sobre esta causa primeira, o santo doutor se debruça ainda mais profundamente ao longo de sua obra. Ele admite que tudo aquilo que existe exige, necessariamente, ter sido criado de alguma forma. Nada surgiu por conta própria ou deu origem a si mesmo. É por este motivo que Tomás se preocupa em elaborar sua linha de pensamento a respeito deste assunto. Ele diz que, se tudo o que é, veio a ser como uma causa criada, portanto, deve existir algum ser primeiro que criou tudo. E este ser primeiro que não foi criado é, então, apenas ser. Logo, este ser, que Tomás chama de Deus, é a causa primeira.

Ele afirma, além disso, que em Deus, se pode confundir existência e essência, posto que sua essência é o seu próprio ser. Por essa razão, há quem diga que no Ser Supremo não há essência, visto que ela não é mais do que o ser mesmo. Essas pertinentes colocações tomazianas conseguem, assim, demonstrar que a essência em Deus é diferente nas criaturas, visto que, enquanto nestas o ser e a essência são distintos, n’Aquele a essência e a existência são a mesma coisa.

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