RELIGIOSIDADE, PIEDADE E TEOLOGIA NA ÉPOCA COLONIAL
Por Werner Schror Leber | 18/07/2017 | HistóriaWerner Schrör Leber
É preciso considerar que a religiosidade católica trazida pelos portugueses que vieram ao Brasil traz consigo os elementos que formaram aquele tipo de catolicismo que aqui aportou. Qual é ele? É o catolicismo da Contra-Reforma, do Concílio de Trento – A companhia de Jesus. Ainda que, como já vimos neste estudo de HI, tivessem chegado também outras ordens como Carmelitas e Franciscanos, é inegável a presença dos jesuítas e sua importância no tipo de piedade, religiosidade e teologia aqui praticada. Estava presente na concepção teológica dos jesuítas que Clero e Povo Crente formam duas instâncias de ordem bem diferente. Ao primeiro cabia a legitimidade de converter os ignorantes, os selvagens e incrédulos, e aos segundos cabia apenas submeter-se à verdade religiosa dos doutos clérigos. Afinal, como discutir com a verdade revelada? Como diz o texto, à massa cabia um papel passivo. Contudo, uma diferença deve assinalada quando da comparação do modelo de Evangelização espanhola na América e portuguesa no Brasil. Os espanhóis foram mais hábeis, realizaram concílios, centralizaram as ações criaram universidades ao passo que no Brasil imperava uma burocracia eclesiástica, uma desorganização, o que fez com que o catolicismo brasileiro assume formas bastante diferente daquele da América Hispânica. Aqui, pela ausência da Igreja de modo organizado, permitiu organizações religiosas e práticas piedosas, ou seja, modelos de vivência de fé bastante particulares. A piedade católica nordestina brasileira vigente ainda hoje, com romarias e práticas bem diferentes do catolicismo sulista, em grande parte, se deve ao modo como no período colonial as instituições eclesiásticas de formaram. O próprio povo precisou criar suas casas de misericórdias, espécie de hospitais da época. O Brasil era muito grande e culturalmente também muito variado. Daí a dificuldade de as ordens religiosas penetrarem com afinco e manterem suas posições clericais sobre “os leigos ignorantes”. Porém, em várias partes do Brasil, embora houvesse vagas para Bispos e Padres, muitos bispados ficaram décadas sem serem preenchidos. Porém, a liberdade religiosa, durou pouco. A Igreja apenas precisou de algum tempo para tomar as rédeas da situação.
O catolicismo português era conservador e mantinha-se fiel a Roma. Portugal e a Península Ibérica toda, sempre foram territórios católicos. Basta que se veja a formação da Espanha. Mantinha a distância entre clero (esclarecidos) e povo (ignorantes). A administração dos rituais, como batismo, santos, templo, festas permanecia à Igreja. Outro fator negativo estava na língua empregada. Os bispos faziam questão de manter um padrão erudito de linguagem para marcar a diferença entre eles (doutos) e a linguagem popular falada pelos habitantes comuns. No início do século XVIII há uma tentativa de mudar essas situação, mas o resultado foi pouco expressivo. Dom Sebastião Monteiro procurou aproximar clero e povo a partir de 1702. Porém, nada permite dizer que isso realmente aconteceu. O clericalismo da Igreja romana impede essas posturas. No Barroco inicial, lá por 1580, a missa era praticada com uma certa integração “estratégica”, permitindo a presença de elementos indígenas, uma incorporação (ainda que disfarçada) de elementos da cultura nativa no ritual da missa. O Barroco permitiu essa incorporação. No entanto, em 1707 tudo muda. A Igreja assume outra vez a posição de administradora do sagrado. Missa é negócio de oficial, de padre e bispo. Ao povo cabe a participação e submissão à verdade revelada que é pronunciada “ex-catedra” nas missas. Sobre a teologia presente na prática eclesiástica do período colonial brasileiro, cabe a afirmação do comentador:
Pode-se, a rigor, falar de duas teologias na história da Igreja no Brasil. Uma de caráter profético e que procurava revelar Deus na face do “outro” (indígena ou africano). Esta concentrava sua reflexão em torno do debate da “liberdade dos indígenas” e a prática dos aldeamentos. A rigor, esta teologia foi eliminada com a expulsão dos jesuítas em 1759. Convém observar, no entanto, que esta teologia era quase inexistente em relação ao africano. A outra doutrina, oficial e legitimadora da expansão religiosa e econômica, se caracterizava por tranqüilizar consciências. Tinha objetivo de legitimar a colonização sob manto da tarefa evangelizatória, a escravidão sob manto da catequização. (WACHHOLZ, 2009, p. 08).
É aqui que se revela o lado mais conservador da prática eclesiástica. Também não se poderia esperar outra coisa. De um lado surgem os Colégios, os Seminários, cujo objetivo era formar as elites da Academia. Os estudos eram distantes da realidade brasileira. Estudavam questões clássicas, uma teologia acadêmica voltada aos temas da teologia européia, dos grandes concílios, direito canônico e outros. De outro lado surgia uma teologia da “práxis”, porém também estrategicamente exercida por missionários através dos temas escolhidos para os sermões. Eis o truque psicológico! Como mostra o comentador, os missionários invocavam temas polêmicos, como, por exemplo, casamento de escravos, para convencer as pessoas de que a teologia romana não permite tais casamentos e que a escravidão é legítima e abençoada por Deus. Ou seja, essa teologia da práxis era uma arma estratégica empregada por missionários para “amansar” os ânimos populares que, evidentemente, volta e meia desagradavam-se do que a Igreja fazia. Dizendo de outro modo, a teologia do Brasil colonial já estava traçada de antemão: vender a fé tal qual a Igreja de Roma a formulou ao longo de sua história e concílios. Mesmo a Igreja da práxis pouco estava interessada em adaptar-se ao modelo cultural, e sim apenas empregar um modo menos chocante para apresentar visões teológicas que defendiam um sistema escravista, oprimia as mulheres, negava a existência de alma em negros e índios e divulgar o preconceito ainda hoje vigente entre nós segundo o qual o trabalho braçal é indigno, coisa de “gente inferior”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quero apresentar uma questão que o texto de leitura não toca diretamente, mas indica. Como hoje sabemos, os Colégios, (a Academia Teológica do século XVIII) os centros daquela teologia acadêmica do Brasil Colônia, viraram, ao final do século XIX, as escolas das elites brasileiras. Foram essas antigas academias, reformadas depois por visão humanista e iluminista, que geraram as faculdades de Engenharia, Medicina e, sobretudo, de Direito. De onde vem a nossa vocação bacharelesca – o Brasil é um país de bacharéis – como muito se ouve. Também dali vem a noção de Doutor, atribuída ainda hoje a quem se forma em curso assim. No interior do Brasil ainda sem emprega muito esses termos. No mais cabe observar que a prática teológica serviu para legitimar uma teologia que era francamente favorável aos interesses comerciais de Portugal em relação ao Brasil. Assim, Jesus á apresentado como um vencedor branco. Os brancos precisam vencer para que o Reino de Deus se realize. Os brancos são a imagem do Cristo guerreiro que outrora expulsou os demônios, os mouros da Península Ibérica e agora precisa ser aceito também pelo povo brasileiro. O pecado é negro e Cristo é branco. O que é negro deve ser extirpado para que o branco floresça. De igual modo, Maria (Santa Maria) é apresentada de muitos modos. Às vezes guerreira, para legitimar, por exemplo, a conversão dos africanos ao catolicismo (Rosário) e às vezes burguesa, meiga, representando a mulher submissa ou então vestida de branco como uma aristocrata, uma Senhora da Casa Grande, cujo objetivo não era outro senão influenciar na divulgação da fé católica entre os negros escravizados. A mulher também exerceu ainda outro papel. Como o Senhor da Casa Grande ocupava apenas com negócios externos, coube à mulher branca ser uma espécie de missionária da Senzala. Era a ela que cabia a tarefa de apresentar o Evangelho às mulheres escravizadas. Aqui surgem duas situações às mulheres. A primeira, deixar às mulheres como única opção o caminho do seminário. Como isso impedia-se que casassem e dividissem os bens da família patriarcal. A segunda, o seminário, em muitos casos, foi a única forma que mulher encontrou para fugir do domínio machista e patriarcal do Brasil-Colônia.
REFERÊNCIA
WACHHOLZ, Wilhelm ; STUEWER, A. D. . Construção da Identidade Teuto-Protestante no Brasil. In: X Seminário Nacional dos Pesquisadores da História das Comunidades Teuto-Brasileiras, 2009, Ivoti. Imigração: do particular ao geral. Ivoti e Porto Alegre: Instituto Superior de Educação Ivoti/CORAG, 2009.