RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E O ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL

Por ANTONIO DE OLIVEIRA PINTO JUNIOR | 06/12/2016 | Religião

RESUMO

A escola tem papel fundamental na construção identitária do sujeito. O ensino religioso, parte da grade curricular das escolas brasileiras, aborda de maneira sucinta este tema. Sabe-se que a discussão religiosa é um assunto complexo e deve ser discutido com cautela. Sabidamente o Brasil possui, em sua maior parte, influências cristãs de fé e práticas religiosas, tornando a abordagem e o estudo de religiões provindas da África praticamente inexistente no âmbito escolar. A partir de 2003, com a criação da lei 10.639, foram propostas novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Este trabalho tem por objetivo mostrar como é feita essa abordagem nas escolas brasileiras e o seu impacto na sociedade, além de apreciar as alterações feitas nos livros didáticos e a inclusão da lei n° 10.639/03 nos mesmos.

 

INTRODUÇÃO 

Em Janeiro de 2003 foi sancionada no Brasil a lei 10.639, que sugere novas diretrizes para o currículo escolar no que diz respeito ao estudo da cultura afro-brasileira e africana. A promulgação desta lei, além de tornar mais acessível a cultura negra, ressalta a importância histórica dos costumes  deste povo para a constituição e formação da sociedade brasileira. A valorização da bagagem histórico-cultural trazida pelos africanos torna evidente as lutas e conquistas deste povo na sociedade, além de inseri-los como intelectuais, que sabem o que buscam e lutam pelos seus direitos.

Discriminada e posta às margens da sociedade, a população negra geralmente presencia seus direitos serem usurpados de maneira sorrateira. A freqüente tentativa da sociedade em esconder a história deste povo os distancia ainda mais dos seus direitos quanto cidadão. A prática da exclusão social, embora corriqueira, se tornou evidente lá nos anos de 1872 quando um decreto real proibiu que portadores de doenças contagiosas, escravos e não vacinados obtivessem acesso à educação ou qualquer forma de aprendizado que desenvolvesse o seu intelecto, ao invés de seu serviço braçal.

A não garantia do acesso à educação aos negros e às “minorias” tornou ainda mais evidente que a elite da época pretendia se distanciar ainda mais dos grupos sociais tidos como inferiores, tornando ainda mais abrupta a desigualdade social. Não é de admirar que, conforme já mencionado, os direitos de pobres e pretos fossem violados. A criação de leis de proteção que fundamentam e recontam a história deste povo significa um grande avanço ao respeito e à igualdade social num país onde o povo negro é maioria. (IBGE, 2010, censo).  

Deste modo, como o ensino da história dos africanos nas escolas pode ajudar a recontar o seu passado? Qual o papel da educação na forma como a sociedade enxerga os afrodescendentes? Como a lei n° 10.639/03 subsidia os movimentos negros? O ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, após a aprovação da Lei 10.639, fez-se necessário para garantir uma ressignificação e valorização cultural das matrizes africanas que formam a diversidade cultural do nosso país. Deste modo, os professores exercem importante papel no processo da luta contra o preconceito e a discriminação racial no Brasil. A luta pela conquista de direitos, que não é mais braçal, deve ser analisada e respeitada, de modo a garantir o respeito e a igualdade.

DA ÁFRICA PARA O BRASIL: UM POUCO DE HISTÓRIA

Com o crescimento exacerbado das plantações de açúcar e café no Brasil e a não adaptação indígena ao trabalho braçal, os senhores brasileiros pediram autorização para importar escravos da África a D. Catarina de Áustria, regente de Portugal. A autorização foi concedida imediatamente. Os meios escusos, isto é, uso de violência a captura dos mesmos eram tidos como naturais dentre os senhores daquele período. Obrigados a deixar a sua terra rumo ao desconhecido em navios negreiros, os africanos tinham de dividir porões com ratos, outros seres humanos e imundícies de toda sorte. Os poucos sobreviventes eram mantidos em senzalas e apanhavam quase que diariamente, a fim de cumprirem com “suas obrigações” sem rebelias.

A nostalgia pairava dentre os grupos de africanos recém-chegados ao Brasil. Como toda e qualquer civilização, eles também possuíam sua cultura e práticas religiosas. Uma das únicas maneiras de sentirem-se próximos de seu local de origem era demonstrando aspectos religiosos e culturais de sua terra. Muito embora suas práticas religiosas os mantivessem ligados ao seu povo, seus ritos eram tidos como práticas demoníacas, sendo assim proibidas pelos jesuítas. Como escapatória, os africanos rezavam diante de imagens de santos católicos, mas em língua Ioruba. Como não entendiam seu idioma, os europeus criam que os negros estavam, de fato, adorando suas deidades. A combinação destes diferentes elementos religiosos constitui o sincretismo. Até os dias atuais se pode notar traços em comum entre as religiões de matriz africana e a Igreja Católica, como exemplo podemos citar as festas: Exu é festejado no dia de São Bartolomeu; Xangô, no dia de São João; Ogum divide as comemorações com São Jorge; Omolu, com São Sebastião; os Ibejis (orixás da infância), na festa de Cosme e Damião; Oxalá brilha nos festejos do ano novo (na Bahia, na festa do Senhor do Bonfim); e Iansã, no dia de Santa Bárbara ( LIGORIO, 2002)

Com a disseminação dos povos africanos no Brasil, suas práticas religiosas e costumes eram ensinados para os seus descendentes, a fim de preservar seus costumes e rituais. Viajando anos na história, chegamos aos anos 1900, onde grupos pequenos se reuniam e praticavam rituais oriundos da África, mas com detalhes tipicamente brasileiros; inclusive as suas entidades. As incorporações de rituais africanos aos brasileiros deu origem às diversas religiões afro-brasileiras, que dentre outras, podemos citar a Umbanda, Terecô, Xambá, Tambor-de-Mina etc.

Muito embora estas religiões sejam alvo e objeto de diversas pesquisas, revelações acerca de seu passado histórico são trazidas à tona de maneira sobrenatural, através de seus guias (JURUÁ, 2013, p. 5). Não se sabe quais regras os ancestrais seguiam em suas práticas religiosas ou quais eram os seus dogmas, mas a Umbanda, segundo seus seguidores, é embasada em regras regidas pela paz e luz (JURUÁ, 2013).

A LEI N° 10.639/03 

A lei 10.639 foi criada com a finalidade de acrescentar à lei 9.394/96 a obrigatoriedade do ensino sobre história e cultura afro-brasileira no ensino fundamental e médio, oficiais e particulares. Além disso, o complemento da lei sugere o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição deste povo nas áreas sociais, econômicas e políticas pertinentes à história do Brasil. O dia da consciência negra também foi estabelecido a fim de evidenciar as lutas e conquistas deste povo. A data do evento é 20 de Novembro, em homenagem a Zumbi dos Palmares, um dos representantes da resistência negra. 

A não associação dos afrodescendentes à miséria e ignorância tem suma importância na construção da sua imagem perante a sociedade à qual está inserido. A desconstrução da imagem estereotipada dos afrodescendentes tem sido discutida pelo MEC e livros didáticos têm passado por reformulações em suas abordagens e citações, a fim de explanar a história da população negra e destacar sua cultura e contribuições para a sociedade. Com a implementação das diretrizes trazidas pela lei 10.639, foi criada em 2003 a SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), que recolocou a questão racial na agenda nacional e a importância de se adotarem políticas públicas afirmativas de forma democrática, descentralizada e transversal. O principal objetivo desses feitos é promover alteração positiva na realidade vivenciada pela população negra e trilhar rumo a uma sociedade democrática, justa e igualitária, revertendo os perversos efeitos de séculos de preconceito, discriminação e racismo.

 O professor, que utiliza o livro didático como ferramenta de trabalho, tem papel fundamental nas mudanças de produção dos mesmos. É esse profissional quem deve enviar sugestões e comentários acerca da metodologia abordada no material. Além disso, seus comentários são de extrema importância para o enfraquecimento de comentários de cunho preconceituoso ou racista e/ou informações equivocadas (LEÃO & NETO, 2006: p.35, apud Nascimento, 2012).

A educação quanto à pluralidade étnico-racial é importante na formação do ser crítico, já que a sociedade é composta pelos mais diversos tipos de sujeitos. Não raro, cruzaremos com pessoas de diferentes tons de pele, credos diferentes dos nossos, dentre outras particularidades. A tolerância e respeito são características que devem caminhar junto com qualquer indivíduo, a fim de tornar amigável a sua relação com seus semelhantes.

É fato que a sociedade tem melhorado ao longo do tempo e tem se tornado mais tolerante e politizada em relação às contribuições históricas dos afrodescendentes, mas ainda há muito que melhorar. O Brasil possui níveis elevados de queixas relacionadas a racismo e agressões a pessoas negras. Os abusos são humilhantes e brutais. O preconceito e discriminação ainda existem por aqui e nem sempre as leis conseguem impedir que crimes como estes sejam cometidos (IPEA, 2016).

Marc Ferro (1924), historiador francês, fez uma importante reflexão sobre o modo como a história nos é repassada: “Não nos enganemos: a imagem que fazemos de outros povos e de nós mesmos está associada à história que nos ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca para o resto da vida” (FERRO, 1983). A partir dessa citação, se pode notar a importância do ensino da história dos povos oriundos da África nas escolas. É fundamental repassar a história como ela deve e precisa ser contada. O impacto sociocultural ecoará por muitos anos e isso terá papel fundamental no desenvolvimento do sujeito.

ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL 

Para compreendermos o ensino religioso no Brasil, primeiro precisamos traçar uma linha do tempo que nos levará até o período colonial. Por volta dos anos 1500, logo após a chegada dos portugueses, o ensino religioso passou a ser empregado por aqui. O poder delegado pela igreja Católica aos padres os concedia autonomia para inserir seus ensinamentos em outros povos e sociedades. Aqui no Brasil, os índios passaram a ter ensinamento religioso com base no que os invasores achavam correto e por isso tiveram suas raízes religiosas enfraquecidas ou quebradas.

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