RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E LIBERDADE DE CULTO

Por Larissa de Jesus Lima Araújo | 22/06/2018 | Direito

Larissa de Jesus Lima Araújo²

A princípio, cumpre apontar que, na Constituição Federal de 1988, a liberdade religiosa, enquanto direito fundamental, encontra-se arrolada, abertamente, em dois preponderantes preceptivos. Determina o art. 5º, VI, CF: “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. (BRASIL, 1988).

O outro dispositivo constitucional que se refere diretamente à liberdade religiosa encontra-se no art. 5º, VIII, CF que aduz o seguinte: “VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. (BRASIL, 1988).

Com o intuito de se conceituar a liberdade religiosa, Ferreira (1998, p. 102) traz que “a liberdade religiosa é o direito que tem o homem de adorar a seu Deus, de acordo com a sua crença e o seu culto”. Sob uma ótica mais aprofundada, Miranda (2000, p. 409) salienta que:

A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinar crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis. E consiste, por outro lado (e sem que haja qualquer contradição), em o Estado não impor ou não garantir com as leis o cumprimento desses deveres.

Sobre esta incidência dos direitos fundamentais constitucionalmente positivados sobre a relação entre o homem e o Estado, lecionam Dimoulis e Martins (2006, p. 63): “A principal finalidade dos direitos fundamentais é conferir aos indivíduos uma posição jurídica de direito subjetivo, em sua maioria de natureza material, mas às vezes de natureza processual e, consequentemente, limitar a liberdade de atuação dos órgãos do Estado”.

Nas precisas palavras de Tavares (2008, p. 586):

É dizer, o âmbito protetivo, o espaço de tutela derivado do direito à liberdade religiosa se erige, primeiramente, contra o Estado, o qual, por conseguinte, está impossibilitado de impor, v.g., uma religião oficial, relegando as demais à marginalidade e, tampouco, desrespeitar ou tolher o exercício de qualquer religião, da consciência e crença individual ou perseguir certas religiões ou praticantes. Significa [ainda] que a pessoa não pode ser forçada a abandonar sua opção religiosa, sua fé.

 

Nesse diapasão, a Constituição Federal garante a todos os brasileiros o direito de professar sua religião de acordo com suas convicções pessoais, sem que haja qualquer tipo de discriminação ou embaraço. Além disso, pela Constituição brasileira o Estado tem o dever de proteger o pluralismo religioso e respeitar a religião de todas as crenças e cultos e os que não professam nenhuma religião.

Ademais, no plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, constituiu-se em um grande marco na intervenção mundial proposta para conter os abusos e violências em nome da religião. Como ponto de partida no debate sobre intolerância religiosa, encontra-se em seu corpo o artigo que define o direito à liberdade de consciência e prática religiosa, a saber:

 

Artigo 18º - Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

 

Portanto, diante dos argumentos expostos, é correto afirmar que houve a conduta tipificada no art. 208 do Código Penal, posto que a Lei Maior tutela o direito de culto e religião, colocando-os no patamar de direitos fundamentais.

Sendo assim, como todas as outras religiões, as religiões de matriz africana possuem direito à autodeterminação, auto-organização, ao livre funcionamento, bem como direito de celebrar reuniões, sem necessidade de autorização do Estado, a fundar e manter espaços de culto, não ter suas atividades suspensas ou interditadas pela Administração Pública ou por qualquer pessoa.

Tomamos como exemplo o culto de Mina não é considerado religião. A Justiça Federal/RJ emitiu uma sentença, cuja qual considera que os cultos de matriz africana, mais precisamente os afro-brasileiros, não constituem religião. (CHAGAS, 2014).

Ademais, o culto de Mina é considerado por muitos uma prática que perturba a ordem e paz social. Ainda que a liberdade de culto e crença seja no seu âmago um direito fundamental que tem expressa previsão na Constituição Federal de 1988, a mesma está sujeita a algumas limitações impostas pelas necessidades de ordem pública. Conforme dispõe o art. 42, III do Decreto-Lei nº 3.688/41: “Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios: III - abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos”. (BRASIL, 1941).

Segundo Verger (1987, p. 12):

Tambor de Mina é a denominação mais difundida das religiões Afro-brasileiras no Maranhão e na Amazônia. A palavra tambor deriva da importância do instrumento nos rituais de culto. Mina deriva de negro da Costa da Mina, denominação dada aos escravos procedentes da costa situada a leste do Castelo de São Jorge de Mina.

 

Nesse sentido, de acordo com o Decreto n° 678/1992, em seu art. 1°: “A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém”. (BRASIL, 1992).

Logo, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) aduz o seguinte: “Artigo 12. Liberdade de consciência e religião. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas”.

Portanto, é correto afirmar, perante os argumentos apresentados, que não houve a tipificação do art. 208 do Código, posto que o culto de Mina não é considerado religião, tendo em vista que o caput do mencionado artigo é bem claro ao dizer que se trata de “[...] impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso”. Além disso, é notório que essa prática extrapola as esferas do exercício regular do direito de propriedade, que encontra limitações nas normas concernentes ao direito de vizinhança.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 08 out. 2015.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso em: 08 out. 2015.

 

BRASIL. Decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 08 out. 2015.

 

CHAGAS, Thiago. Justiça Federal define que cultos afro-brasileiros, como a umbanda e candomblé, não são religiões. Publicado em 15 de maio de 2014. Disponível em: <http://noticias.gospelmais.com.br/justica-federal-define-umbanda-candomble-religiao-67705.html>. Acesso em: 08 out. 2015.

 

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: RT, 2006.

 

FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1998.

 

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV, direitos fundamentais. 3 ed. Coimbra: Coimbra, 2000.

 

ONU – Organização das Nações Unidas. Protocolo de Direitos Humanos. Nova York, 1948. Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos. Salvador: Currupio, 1987.

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